A definição veio no dia 1º de março, mas a causa já é motivo de luta há pelo menos vinte anos no Brasil: o uso de animais em testes de cosméticos, perfumes e produtos de higiene pessoal está (quase) totalmente proibido no país. Uma decisão do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea) determina que nos casos em que os ingredientes e compostos já sejam conhecidos, nenhum animal seja utilizado em experimentos.
A nova regra foi motivo de muita comemoração entre ativistas, marcas que já nasceram engajadas na causa e também entre consumidores. Aliás, a proibição foi motivada por uma demanda da própria sociedade, que não admite mais esse tipo de prática.
As mulheres, que são as principais compradoras de cosméticos e itens de higiene pessoal, escolhem o produto não só pela eficácia dele ou pelo custo-benefício, mas levando em consideração toda a cadeia produtiva. Elas querem saber a origem do produto, se a marca faz ou não testes em animais, qual matéria prima está sendo usada e como se dá todo o processo até que o item chegue até a sua casa.
“No geral eu acho que as empresas, comprometidas com práticas de ESG, começaram a trazer um lugar de muita consciência no consumo. Não é um consumo a qualquer custo. Entender a origem do produto faz parte dessa consciência. O que a gente vê hoje na prática com os nossos produtos e as nossas consumidoras é uma mulher buscando produtos mais naturais, que não são agressivos e que não prometem milagres”, afirma Paula Pimenta, gerente geral da The Body Shop no Brasil.
A marca inglesa foi pioneira na luta contra os testes em animais. Ainda em 1988, a fundadora da The Body Shop, Anita Roddick, revolucionou o mercado de “cosméticos” no Reino Unido. Não só por ser uma das poucas mulheres a empreender em um mercado dominado por homens, mas por sua visão de que as empresas podiam ser “uma força para o bem”.
A marca já nasceu entrelaçada às dimensões sociais e ambientais, e envolvida em várias causas. A mais forte delas, talvez tenha sido a luta contra os testes em animais. Nenhum ser vivo nunca “precisou” ser explorado para que os produtos da The Body Shop fossem produzidos e comercializados. Anita Roddick e a The Body Shop foram extremamente importante para a proibição dos testes no Reino Unido, decisão que depois se expandiu para a Europa e para outros países.
Paula Pimenta lembra que em 2018 a luta contra os testes em animais se tornou um movimento mundial dentro de The Body Shop, uma campanha estruturada em que foi feito um abaixo assinado com mais de oito milhões de assinaturas e que no Brasil, levou inúmeras pessoas para uma manifestação na Avenida Paulista, em São Paulo. A executiva conta que, por todo esse histórico de luta, a decisão do Concea foi muito comemorada nos escritórios da marca.
“Conseguir ver agora o Brasil em um movimento de proibir testes em animais é uma grande vitória, uma grande conquista de um movimento que surgiu há anos e que se fortalece e se concretiza no nosso país. Isso fortalece o nosso posicionamento, não só contra testes em animais, mas em defesa da sustentabilidade e do meio ambiente. Por exemplo, até o final deste ano a gente vai ter toda a nossa linha 100% vegana. Então, tem um compromisso de evolução”, explica a gerente.
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Hoje, os testes em animais já são proibidos nos 27 países da União Europeia e também na Coreia do Sul, Israel, Nova Zelândia, Índia e em alguns outros países. O Brasil, por muito tempo, foi um dos que mais realizou testes em animais no mundo, ao lado da China, dos Estados Unidos e do Japão.
Em nome da beleza, a indústria de cosméticos realizou, e ainda realiza, testes cruéis em animais como coelhos, cachorros, camundongos, entre outros. Grande parte dos produtos de limpeza e higiene que usamos contém substâncias testadas em peles, olhos ou órgãos de animais saudáveis, que são expostos a químicos e reagentes muitas vezes nocivos.
No Brasil, a proibição do uso de animais em testes e pesquisas ganhou força após o caso do Instituto Royal. Em 2013, 178 cães, 8 coelhos e 200 camundongos usados em pesquisas foram retirados por ativistas e moradores de São Roque (SP) de uma das sedes do instituto, que acabou tendo que fechar as portas.
“Não era um assunto comum para os brasileiros e esse caso estourou a bolha dessa discussão que era mais restrita aos movimentos ativistas. A partir daí passou a ser uma demanda do consumidor o rótulo que mostrava que a marca não fazia testes em animais. Isso se tornou um diferencial, porque ainda não tinha nenhum tipo de determinação”, analisa Rodrigo Freitas, gerente de marketing da Felps Professional.
A Felps é uma marca brasileira conhecida internacionalmente por estética capilar. Rodrigo afirmou à Consumidor Moderno, que a proibição de testes em animais publicada pelo Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea) foi recebida com muita alegria e tranquilidade pela empresa. Segundo ele, a Felps é uma marca jovem e que já nasceu com o selo Cruelty-Free. O que isso significa? Que o produto comercializado não foi testado em animais, ou ainda, que não houve nenhum tipo de exploração animal para a sua produção.
“Para nós é motivo de honra estar listado entre as empresas ativistas nessa causa. Vemos com tristeza e preocupação que marcas de alto consumo, inclusive multinacionais, ainda realizem testes em animais. É um protocolo absurdo. O Brasil está muito atrasado, demorou para arregaçar as mangas. Mas, finalmente o Concea deu esse passo. Não realizar testes animais é uma obrigação, não deveria ser apenas um diferencial”, defende Rodrigo Freitas.
O que uma marca precisa para ser considerada cruelty free?
- Não realizar testes em animais
- Não comprar ingredientes de fornecedores que testam em animais
- Não enviar ingredientes para que terceiros testem em animais
- Não vender em regiões que obrigam testes em animais
Consumidoras conscientes buscam equilíbrio entre propósito e experiência
O principal público da Felps e da The Body Shop são, sem dúvidas, as mulheres. Em 2014, a marca de estética capilar fez uma pesquisa de mercado que mostrou que as consumidoras, na hora de escolher onde vão comprar o produto, levam em consideração responsabilidade social, socioambiental e ética corporativa.
“A gente tem uma consumidora final hoje muito mais questionadora, que procuram por uma marca que se posicione sobre as questões que para ela são caras. Ser Cruelty-Free, ter o selo do coelhinho é hoje fundamental no setor de cosméticos. E isso não deve ser tratado como uma oportunidade de marketing, precisa estar no DNA das empresas”, explica Rodrigo.
Já Paula Pimenta, gerente geral da The Body Shop no Brasil, afirma que a marca trabalha esse novo desejo das mulheres que buscam um consumo cada vez mais consciente de diversas formas. Todas muito orgânicas, porque a empresa já nasceu com esse propósito e vive no dia a dia esses valores. Uma dessas estratégias é a de contar para as consumidoras a relação do produto com as comunidades parceiras da marca, formadas por de artesãos, agricultores e fornecedores. A maioria dessas comunidades é liderada por mulheres.
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“O que a gente conta para essa consumidora é justamente de onde vem o produto, o que significam os ingredientes que estão ali, o que está por de trás do produto através da rastreabilidade e o que aquele produto entrega, sem prometer milagres. Então, eu acho que a gente hoje vive um momento de consciência do consumo, de entender que não tem produtos milagrosos, de olhar para o meio ambiente como um lugar de cuidado para fazer desse mundo melhor para os nossos filhos e para as próximas gerações”, acredita Paula Pimenta.
Uma das características percebidas nessas consumidoras mais conscientes é a busca por produtos mais naturais. Menos agressivos. As vantagens desses produtos com ingredientes naturais, segundo a gerente da The Body Shop, são percebidas principalmente em peles mais sensíveis. “Eles buscam trazer uma renovação na pele com ingredientes que não vão te fazer mal, que não vão causar reações”, explica Paula. Segundo ela, nesse sentido, a marca tem diferentes linhas que são muito queridas pelo público, principalmente no ramo de skincare.
“Acho que a The Body Shop conseguiu trazer o melhor da tecnologia, da natureza e das comunidades, junto com o melhor da experiência do uso dos produtos que envolve desde a questão da textura até as fragrâncias, construindo assim um ritual baseado no prazer de se cuidar”, descreve Paula Pimenta.
Para as mulheres e em defesa delas
Não poderíamos deixar de destacar, considerando que hoje é o Dia Internacional da Mulher a importância do posicionamento das marcas em defesa das mulheres. Isso inclui desde a luta pela equidade de gênero, até o fim da era dos “padrões de beleza” que por tanto tempo foram pregados em mercados como os de cosméticos.
A Felps adotou como posicionamento de marca que os produtos vendidos por eles tem a missão de ajudar “a revelar a beleza das mulheres e não de impor um padrão”. Eles defendem que os produtos de estética capilar devem servir às mulheres como meio, como lugar de acolhimento, para que cada uma delas possa assumir várias versões de si mesma em 24h, se assim ela desejar. A marca vende produtos para todos os tipos de cabelo e investe em um catálogo generalista.
Na The Body Shop, a liderança da empresa no Brasil hoje ela é 100% feminina. A marca se posiciona muito em causas relacionadas não só à equidade de gênero, mas também em relação ao auto amor, ao autocuidado, à aceitação. “Não é uma coisa forçada, é muito gostoso estar numa marca que acredita, mas não só acredita, faz. E não só faz, vive internamente”, confessa Paula Pimenta.
Um cuidado que a The Body Shop tem com as mulheres é justamente o de falar para uma “mulher real”, principalmente nas campanhas de corpo.
“A gente tem uma responsabilidade de falar para a mulher que ela pode ser quem ela quiser, do jeito que ela quiser, com o corpo que ela quiser, porque por muitos anos nós fomos bombardeados por uma mídia que colocava um padrão de beleza que só trazia frustração e sentimentos ruins ”, afirma a executiva.
Paula conta que no ano passado, a The Body Shop inaugurou um outro tipo de loja, no modelo WorkShop, que oferece um outro tipo de experiência e traz uma parte de cerâmicas de uma artesã que fala muito sobre o corpo da mulher.
“Você consegue ver uma cerâmica, um vaso, com os seios expostos, que traz esse lugar de normalidade do corpo da mulher, que é outra discussão importante”, conclui a gerente da The Body Shop no Brasil.
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