Bairros com até sete dias sem água, racionamento, empresas com operações interrompidas, perdas financeiras, imposição de sigilo a informações sobre poços na capital paulista. Entre 2014 e 2015 a região Sudeste do Brasil e particularmente São Paulo se viram diante das consequências de ignorar ou subestimar riscos ambientais.
As secas cada vez mais constantes no mundo são consequência óbvia e científica das mudanças climáticas em curso. Relatório do Fórum Econômico Mundial, divulgado no dia 19 de janeiro em Davos (Suíça), classifica o os eventos climáticos extremos e os desastres naturais como as maiores ameaças para o planeta.
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No passado, o maior perigo apontado era relativo aos riscos econômicos (colapsos nos mercados), mas hoje a indicação é clara: é preciso transformar os modelos de produção e consumo para continuar existindo.
Esses eventos climáticos podem e precisam ser revertidos. E o caminho passa pelo comportamento do consumidor e o planejamento responsável das empresas e gestores públicos . O estresse hídrico é uma realidade e vai surgir ainda em diversas regiões, em diferentes níveis, causando conflitos ou gerando soluções – a depender da importância que o gestor e a sociedade dão a esse recurso, essencial à vida.
Ante os desafios da sustentabilidade, as organizações e governos precisam se perguntar qual a natureza da sua atividade e seu dever e então atrelá-la às reais necessidades sociais atendidas por seus produtos e serviços. Achando esse fio condutor da gestão encontrarão um modelo de negócio próspero dentro de limites ambientais e sociais seguros.
Mau exemplo paulista
Os prejuízos impostos nos anos anteriores no estado de maior produção do Brasil, São Paulo, deixam evidente que assim como o governo estadual precisa fazer a lição de casa, gestores privados também devem desenvolver em suas estratégias maneiras eficientes de produção incluindo em seus processos formas de evitar a qualquer custo o desperdício de água.
Não é hora de achar culpados. É hora de atuar conjuntamente, com inteligência, pensando cada fase do processo a fim de assegurar a perpetuidade do negócio e a segurança social.
O gestor que quer estar na vanguarda de uma economia sustentável precisa chamar para si a responsabilidade de décadas de descaso com a água – que tratávamos como um bem abundante – e integrar efetivamente ao seu negócio riscos ambientais e de estresse hídrico em seu planejamento e estratégia.
O sinal de alerta para os gestores vem do fato de que os reservatórios de São Paulo apresentam um cenário muito semelhante ao de 2013, ano anterior à crise hídrica no Estado”
Como as companhias devem se preparar para lidar com esse cenário? Em todo o mundo há uma pressão crescente de grandes fundos e clientes para a resiliência do negócio em relação à mudança climática.
É preciso gerir esses riscos, transformando em oportunidades ao longo das cadeias de valor. Realizar relatórios que reportam a evolução das ações é um caminho preciso e eficiente, que pode ser utilizado por empresas, entidades e governos.
Esses relatórios regulares oferecem informações de guidance para investidores e analistas, tornando seus papéis de dívidas, por exemplo, mais atrativos. Dão transparência, conscientizam o executivo e a população.
Quando bem executados melhoram a gestão e criam liderança. Pensando na escassez de água vivida nos últimos anos, é possível perceber algum planejamento estratégico tranquilizador em São Paulo?
Valorização da água
Vivemos em uma cultura cujo valor da água não é necessariamente reconhecido por muitas empresas e pelos seus investidores. Um erro estratégico que urge mudar. Para isso, além de governo, é preciso envolver toda a cadeia de valor.
Segundo a ONU, em 2015, somente no estado de São Paulo foram perdidos 182 bilhões de litros de água em vazamentos, fraudes, roubos ou problemas de medição nos 74 municípios banhados pelas bacias que fomentam o Sistema Cantareira. O volume desperdiçado poderia abastecer 2,7 milhões de pessoas.
Quanto vale essa água que escorreu pelo ralo? Qual o prejuízo de imagem do gestor público? Se a sociedade ainda não clama por esse planejamento, já há uma pressão crescente de investidores.
Muitas empresas já começaram a integrar a gestão de riscos hídricos em suas estratégias e esse tema tem pautado também a avaliação e seleção de fornecedores. À exemplo disso, cada vez mais corporações de todo o mundo solicitam de seus fornecedores o reporte de informação ambiental-chave para avaliação da exposição dos negócios a riscos associados as mudanças climáticas, água e desmatamento.
Questão de futuro
Cate Lamb, líder global do CDP para Divulgação sobre Gestão de Água, afirma reiteradamente que investidores do mundo todo e empresas que dependem do capital desses investidores já percebem que não se trata apenas de reconhecer e assegurar que o real valor da água esteja adequadamente refletido no preço que eles pagam, mas também de uma questão de perpetuidade do negócio, além de garantir uma licença social de operação, resultante de um processo de legitimidade conquistada junto às diferentes partes interessadas.
Gestores públicos e privados não podem ignorar essa tendência, uma vez os conflitos pela água se intensificarão diante da maior ocorrência e gravidade de eventos climáticos extremos. Não estamos tão longe da briga pela água, e do momento no qual o apoio da população a empresas e a efetivação da licença social para operar se dará mediante o uso responsável desse recurso e contam com estratégias para assegurar a segurança hídrica não apenas para o seu negócio, mas também para a comunidade na qual está inserida.
Um ditado indígena afirma que para se conhecer um povo é preciso olhar para a maneira como são tratados seus rios e suas mulheres, pois ambos são a fonte de vida. Fica a pergunta: existe vida em SP?
*Juliana Lopes é diretora do CDP Latin America. Formada em jornalismo, com um MBA em Marketing e Mestrado em Administração pela FEI na linha de pesquisa em sustentabilidade. É responsável pelas atividades da organização na região.