O Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA) 2024 – 2028 representa um marco histórico para o desenvolvimento tecnológico do Brasil. O investimento projetado é de R$ 23 bilhões ao longo de quatro anos. Em suma, o recém aprovado plano quer transformar o Brasil em referência global em eficiência no uso da Inteligência Artificial (IA). E isso se dará principalmente no setor público.
Para que tudo dê certo, o PBIA visa desenvolver soluções em IA que melhorem de forma significativa a qualidade de vida da população. Ademais, ele otimizará a prestação de serviços públicos e fomentará a inclusão social. Para atingir essas metas, uma das novidades do plano é a criação de um supercomputador de alta performance. Ele será fundamental para o processamento de grandes quantidades de dados e o desenvolvimento de algoritmos avançados de IA.
Inteligência Artificial em alta
Nas palavras da ministra de Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Barbosa de Oliveira Santos, a IA representa uma verdadeira transformação tecnológica. “Portanto, o Brasil deve estar na ponta deste movimento. O PBIA, em parceria com iniciativas como o Instituto de Inteligência Artificial do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), terá seu foco em pesquisa aplicada”.
Nesse ínterim, o LNCC funcionará como um catalisador para a criação de soluções inovadoras em IA. O pensamento está em assegurar que o país se torne um protagonista nesse contexto global. Por consequência, haverá mais geração de emprego e renda, estímulo à inovação e a criação de um futuro mais próspero para todos.
Este plano também tem por propósito criar ambientes propícios aos investimentos e também a formação de capital humano qualificado.
Diretrizes do PBIA
Uma das diretrizes fundamentais do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial é a promoção da pesquisa e do desenvolvimento. A proposta incentiva parcerias entre universidades, centros de pesquisa e o setor privado. A iniciativa visa garantir que o Brasil se posicione como protagonista na produção de conhecimento e na geração de soluções de Inteligência Artificial que atendam às necessidades locais e globais.
Ao mesmo tempo, o PBIA contempla a necessidade de regulamentação clara e ética no uso de tecnologias de IA. Portanto, adicionalmente, o Plano prioriza a proteção de dados e a segurança dos cidadãos. Isso implica estabelecer normas que garantam transparência nos processos e decisões automatizadas, evitando discriminações e promovendo a inclusão digital.
Outra frente importante do PBIA é a capacitação e a formação profissional. Serão implementados programas voltados para diferentes faixas etárias e níveis de escolaridade, incentivando a educação em ciência da computação e robótica nas escolas e promovendo a reciclagem de habilidades para trabalhadores em setores impactados pela automação. O plano também prevê o fortalecimento da infraestrutura digital do país, garantindo que regiões menos favorecidas tenham acesso igualitário às tecnologias emergentes. Isso inclui investimentos em conectividade e na construção de centros de inovação que possam servir como hubs de desenvolvimento regional.
Acordos internacionais
Por fim, no que tange à colaboração internacional, o PBIA propõe que o Brasil firme acordos e intercâmbios com outros países, para a troca de conhecimento e experiências em IA. A integração com a comunidade global permitirá que o Brasil aproveite as melhores práticas e participe ativamente de discussões sobre o futuro da Inteligência Artificial.
Essas iniciativas visam não apenas transformar a economia brasileira, mas também contribuir para o bem-estar social. Afinal, e em resumo, a IA será utilizada como uma ferramenta para enfrentar desafios como saúde, segurança pública e sustentabilidade ambiental. Essa é a visão de Juliana Abrusio, sócia de Direito Digital e Proteção de Dados do Machado Meyer Advogados.
Juliana acredita que o PBIA, por si só, já representa uma ação atenta do governo ao mercado emergente e estratégico de Inteligência Artificial. Em suas palavras, ele representa importante medida para posicionamento nos debates nacional e internacional. “Trata-se de medida relevante. Especialmente considerando a atratividade do Brasil para investimento no ecossistema que sustenta a IA, por exemplo data centers, em razão da sua capacidade de produção de energia limpa”, pontua a especialista.
Data centers verdes
Inclusive, na visão de Juliana, entre os principais méritos do PBIA é o reconhecimento da importância da infraestrutura para desenvolvimento da IA. Primordialmente com os data centers “verdes” de alta capacidade, bem como da inovação empresarial, e a definição de um eixo próprio para difusão, formação e capacitação, de modo a qualificar profissionais para atuação na área. “A combinação dessas ações é significativa para o desenvolvimento econômico sustentável, atraindo mais investimentos, criando oportunidades por meio de postos de trabalho, e viabilizando a qualificação da mão de obra”.
Contudo, nem tudo são flores nesse cenário. Em outras palavras, isso se dá porque o Plano se insere em um emaranhado de outras ações necessárias ao desenvolvimento do tema no país. “Os avanços nas discussões em torno do Marco Regulatório de Inteligência Artificial poderá apoiar a aplicação do PBIA e contribuir para a segurança jurídica”, enaltece Juliana Abrusio.
Luis Fernando Prado, especialista em Direito e Tecnologia e sócio do escritório Prado Vidigal Advogados, acredita que ter um plano já é um avanço. “O fato de o Brasil ter um plano de Inteligência Artificial, ainda que tardio, é positivo. A pergunta que fica agora é se ele efetivamente sairá do papel, e como e quando isso ocorrerá”.
Relações de consumo
Ao ser questionado se o PBIA contribuirá para a melhorias das relações de consumo, Luis Fernando Prado é enfático: “o uso responsável da IA tem o potencial, sim, de melhorar as relações de consumo. Isso porque consentirá para um atendimento mais eficiente e personalizado. Ademais, o Plano aumentará a transparência em transações comerciais. Isso sem contar que há inúmeros benefícios do bom uso de IA para a sociedade, especialmente no campo da acessibilidade e da saúde. Vale lembrar que o Brasil conta com normas robustas e protetivas aos direitos consumidores, as quais são aplicáveis a qualquer empresa independentemente da tecnologia que se utiliza”.
Ricardo Maffeis, sócio do escritório Maffeis Advocacia, concorda com Luis Fernando: “ter um plano em si já é um avanço, por demonstrar que o país sabe da necessidade de não ficar para ‘segundo plano’. Em síntese, isso possibilita uma comunhão de esforços governamentais e privados rumo a um bem comum, que é o bom desenvolvimento da IA no Brasil, de modo que o país possa ter protagonismo nessa área”.
Humanos e máquinas
Maffeis, professor de Direito Digital e de Direito Processual Civil e membro da Comissão de Inteligência Artificial do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), comenta que, quando o assunto é protagonismo, o Brasil foi pioneiro há dez anos, quando editou o Marco Civil da Internet, instrumento legal que se tornou modelo para muitos países. “Entretanto, no tema da proteção de dados, porém, estamos atrasados em relação à Europa. Por isso, a soma de esforços em busca de um bem comum pode fazer com que o país afirme seu protagonismo e avance”.
Contudo, para Maffeis, no que tange às relações de consumo, é difícil dizer se o Plano melhorará ou não. “Talvez a IA possa melhorar algo que hoje já funciona muito mal: o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC). Como o atendimento humano é cada vez mais substituído pelas máquinas, a IA pode efetivamente deixá-las mais ‘inteligentes’. Ninguém aguenta mais receber 20 ligações diárias de sua operadora de telefonia oferecendo novos planos ou de cobrança de dívidas. Ou buscar ajuda e não encontrar o que precisa nas opções oferecidas, sem poder conversar com um humano”.
Escassez de mão de obra
Para ele, uma das principais limitações para que o Plano progrida será – sempre – a questão orçamentária. Ademais, há o fato de as principais empresas de internet estarem ou nos Estados Unidos, ou na China.
Outro entrave é a mão de obra qualificada em tecnologia. Um relatório da Google for Startups, de 2023, prevê que o Brasil terá um déficit de 530 mil profissionais de TI até 2025. Esse desprovimento deve-se a um desequilíbrio entre a oferta de trabalho e a disponibilidade de talentos. “A escassez de mão de obra especializada é sempre um problema. Ainda mais em um mundo globalizado e que, desde a pandemia da Covid-19, descobriu-se que é possível desenvolver o trabalho de forma remota. E a prestação de serviços está muito além do home office, sendo que a pessoa pode trabalhar de outro país. Portanto, com dólar, euro e libra tão valorizados em relação ao real, formar e reter talentos torna-se uma missão bem complicada”.
Ensino e pesquisa
Outra lacuna, segundo Maffeis, é que o Brasil investe pouco em ensino e pesquisa de uma forma geral e não apenas no desenvolvimento de IA. Poucas universidades brasileiras estão bem pontuadas em rankings internacionais. “Se não formamos bons estudiosos, professores e pesquisadores no nosso país, passamos a depender de pesquisas de outras nações. Por consequência, o custo é sempre mais elevado. Neste sentido, parcerias público-privadas são bem-vindas, especialmente se contarem também com a participação das universidades brasileiras”, opina o professor.
Já Luis Fernando Prado comenta que, enquanto os méritos do PBIA estão no foco em inovação e no uso da IA para aumentar a eficiência do setor público, com um objetivo claro de transformar o Brasil em um líder global nesse campo, por outro lado as limitações incluem a falta de recursos e a dificuldade em garantir uma governança ágil e eficaz. “E isso se dá principalmente em um cenário global competitivo onde outros países estão investindo massivamente em IA. O Plano é positivo e os números ali trazidos são interessantes, mas o grande ponto é o “como” ele sairá do papel”.
Inteligência Artificial para o bem de todos
O slogan do PBIA – “IA para o bem de todos” – é um chamado à ação que transmite a intenção de desenvolver e utilizar a Inteligência Artificial de maneira ética e responsável. Como já mencionado, a ideia central é que a tecnologia deve servir para melhorar a vida das pessoas, promovendo inclusão, acessibilidade e soluções sustentáveis para desafios sociais. Núria Lopes, sócia da Daniel Law Advogados, um dos principais escritórios de propriedade intelectual e direito de tecnologia, privacidade e proteção de dados do Brasil, explica que o lema do PBIA está relacionado com os princípios de IA das diretrizes da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em especial a centralidade no ser humano, e que são adotados pelo Brasil e declarados desde a Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (EBIA), de 2021.
Isso não significa que o PBIA foca em aspectos positivos e não considera riscos. Vale lembrar que, até o momento, as possíveis redações de regulamentação existentes, avaliadas no âmbito do Projeto de Lei nº 2338/2023, são baseadas em abordagem de risco, como é feito hoje na União Europeia com o AI Act.
Brasil versus União Europeia
Importante frisar que o Al Act, a Lei de Inteligência Artificial da União Europeia (UE), foi proposta pelo Parlamento Europeu e entrou em vigor em 1º de agosto. A partir dessa data, o Al Act estabeleceu diretrizes rigorosas para o desenvolvimento e uso de tecnologias de Inteligência Artificial dentro dos Estados-Membros. A legislação visa garantir a proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos, promover um ambiente de confiança e incentivar a inovação responsável.
Dividida em quatro categorias de risco – inaceitável, alto, limitado e mínimo –, a norma classifica aplicações de IA de acordo com seu potencial impacto na segurança, privacidade e direitos dos indivíduos. As previsões para sistemas de alto risco incluem exigências de conformidade robustas, auditorias regulares e avaliações de impacto. Tais medidas têm como objetivo mitigar riscos e assegurar que as aplicações de IA operem dentro de padrões éticos e legais.
“Portanto, elaborar um Plano Estratégico com foco no ser humano implica levar em conta sua vida e os impactos decorrentes nas análises de risco a serem realizadas”, pontua Nuria.
Mais e menos recursos
No que diz respeito à distribuição de recursos, o eixo de inovação empresarial receberá quase 60% dos recursos. Esse núcleo inclui ações importantes. Entre elas, está, em primeiro lugar, o desenvolvimento de soluções de IA para desafios da indústria brasileira (incluindo comércio e serviços) e para aumento da produtividade. Em segundo lugar, os programas de fomento para startups especializadas em IA.
Para Nuria, o fato desse eixo estar recebendo mais recursos se dá porque o desenvolvimento de Inteligência Artificial em qualquer país é um esforço conjunto e multisetorial. E o setor empresarial representa um vetor de grande relevância nesse contexto. “As empresas estão diretamente conectadas com o atendimento a necessidades dos seus consumidores. Assim, como os desafios das indústrias são ágeis no desenvolvimento de novos produtos e movimentam a maior parte da força de trabalho, é exigido celeridade. Por essa razão, programas de incentivo para inovação empresarial são cruciais para o desenvolvimento e aplicações inovadoras de Inteligência Artificial”.
O eixo que demandará o menor investimento será o de apoio ao processo regulatório e à governança da IA. A Consumidor Moderno então questiona a especialista se esse eixo é menos relevante, ao passo que ela responde: “de forma alguma. As iniciativas que se referem ao processo regulatório e à governança de IA são apenas menos custosas do que as iniciativas técnicas, de desenvolvimento. Essas demandam infraestrutura tecnológica, computadores de alto desempenho e fomento de pesquisa em centros de excelência”.
Luis Fernando Prado acredita que o valor previsto pelo Brasil para o PBIA está muito abaixo do que potências como Estados Unidos e China estão investindo. Ele considera que, dada a importância estratégica da IA para o futuro, seria prudente aumentar o capital, sobretudo em P&D. “Precisamos refletir se os números atuais são suficientes para que o Brasil, como uma das principais economias do globo, se destaque em um cenário global altamente competitivo”.
Regulação
No que tange à questão ética e regulatória, hoje o uso da IA levanta preocupações sobre privacidade, segurança de dados e viés algorítmico. O Plano trará formulação de diretrizes claras e a implementação de uma governança robusta, o que é imprescindível para garantir que as tecnologias sejam desenvolvidas e utilizadas de maneira responsável, respeitando assim os direitos dos cidadãos.
Dessa forma, o PBIA aborda essa temática expressamente em um de seus eixos, em apoio ao processo regulatório e de governança da Inteligência Artificial, prevendo a publicação de guias para uso responsável adaptado à realidade nacional, bem como a criação de um centro nacional para desenvolvimento de pesquisas e estudos sobre riscos, segurança, transparência e confiabilidade de IA. “Esta definição representa importante mensagem sobre o reconhecimento da importância dessa pauta, de modo que o Plano se mostra um norteador das ações futuras – a exemplo do Marco Regulatório da Inteligência Artificial“, finaliza Juliana Abrusio.
Por fim, destacam-se iniciativas que buscam aumentar a transparência nas decisões tomadas por algoritmos, promovendo a auditoria e a supervisão das ferramentas utilizadas. Isso é essencial para construir a confiança da sociedade nas tecnologias emergentes, assegurando que as decisões automatizadas sejam passíveis de verificação e explicação.
Em síntese, a implementação dessas diretrizes e a criação de um ambiente regulatório adequado não apenas protegerão os direitos dos cidadãos, mas também estabelecerão um padrão internacional para o uso responsável da Inteligência Artificial. Essa abordagem integrada e proativa é vital para que o Brasil possa liderar de forma ética e eficaz no cenário global das tecnologias digitais.