O sociólogo franco-coreano Byung-Chul Han é um dos mais ácidos, pessimistas e ferozes críticos da internet e dos seus respectivos desdobramentos na sociedade. Ele, por exemplo, afirma que o olhar contínuo e exclusivo sobre macrodados tornam o pensamento humano algo supérfluo, pois tudo é quantificável e igual. Nesse sentido, o homem perde o seu protagonismo e dança conforme a música dos algoritmos. “É preciso ajustar o sistema: o e-book foi feito para que eu o leia, não para que eu seja lido por meio de algoritmos. Ou será que o algoritmo agora fará o homem?”, disse certa vez em entrevista para o “El Pais”.
Parte desse pessimismo crítico e peculiar – mas, sobretudo, bem-vindo – de Byung-Chul Han fez parte do painel “MUNDO DIGITAL, CONSUMIDOR DIGITAL E NECESSIDADES HUMANAS. ISSO TEM LIGA?”, o último do Simpósio Brasileiro de Defesa do Consumidor deste ano – uma iniciativa A Era do Diálogo.
O encontro foi mediado por Pétria Chaves, jornalista e apresentadora da rádio CBN. Ela fez uma breve relato sobre as mudanças na comunicação ocorridas ao longo dos séculos, especialmente nos últimos 20 anos. “Grande reflexão sobre a nossa sociedade. Nos últimos 20 anos fomos expostos a uma nova forma de comunicar, uma nova cultura. Como podemos nos adaptar a esse novo mundo?”, questionou.
Coube a Pedro Dória, jornalista, escritor e colunista da CBN, tentar responder a pergunta. No entanto, ele deixou de lado o futuro e preferiu falar do passado. Dória fez uma análise econômica sobre os passos da humanidade ao longo dos séculos. A produção de alimentos do homem do campo foi substituída pela força da máquina a vapor e resultou em um movimento chamado Revolução Industrial. Agora, chegou a vez desse modelo ser desafiado por companhias que despontam como expoentes de uma nova cultura global. “De tempos em tempos muda radicalmente a maneira de fazer dinheiro. Afinal, dinheiro é poder”, afirma.
Dória, por fim, citou o mercado de ações nos EUA para ilustrar essa mudança de poder econômico. “Hoje, a economia dos EUA está dividida em dois grupos. Google, Facebook, Amazon e Apple ocupam o topo entre as empresas de maior valor no mercado de ações. As outras 95 companhias, que incluem as montadoras e varejistas, estão atrás delas. Detalhe: há cinco anos, a Exxon era a companhia com maior valor de mercado”, afirmou.
Na avaliação de Carlos Eduardo Sarkovas, sócio e cofundador da Thinkseg Group, esse fenômeno da cultura digital tem exibido importantes lições para o mundo corporativo. E uma delas é que o ponto de partida dessa nova economia é o consumidor no centro do negócio. “Se eu tivesse um Delorean (máquina do tempo do filme “De Volta para o Futuro”), eu colocaria a área de atendimento no centro do negócio, pois isso é o fundamento do mundo digital”, exemplifica.
Felizmente, segundo Sarkovas, as grandes empresas começaram a entender essa ideia. No entanto, muitas delas ainda cometem equívocos, alguns muito sérios, nessa ânsia de se tornarem digitais. Muitas companhias gastam milhões e até bilhões com ferramentas digitais, mas esquecem de implantar uma cultura verdadeiramente digital em sua empresa. “Esqueçam essa história de guru digital. Isso precisa estar na sua vida. Você tem exemplos de empresas que gastam uma fortuna e não decolam nos negócios”, disse.
Pontes ou muros
Para Dória, no entanto, esse capítulo da era digital ainda não foi escrito, assim como já ocorreu com a Revolução Industrial. A humanidade está passando por um processo de transformação, alguns deles dolorosos e até mesmo excludentes. Hoje, segundo Rebeca de Moraes, diretora da Soledad, uma consultoria de tendências, existem bilhões de pessoas conectadas ao redor do mundo, mas há outras centenas de milhões de pessoas ainda totalmente desligadas da rede mundial de computadores, seja por opção ou falta de acesso pelos mais variados motivos.
“Quando não temos pontes, logo temos muros. Ou seja, a conexão auxilia os conectados, mas há barreiras que impedem os excluídos. Certa vez, eu soube de uma pessoa que deixou o seu currículo impresso na minha empresa. A recepcionista pediu que a pessoa fizesse pela internet ou enviasse a página do LinkedIn. Há um muro entre conectados e não conectados que precisa ser superado”, explica.
Mas não são apenas os excluídos que sofrem. A humanidade vem sofrendo de graves efeitos colaterais advindos da conexão na internet, tais como o excesso de conectividade e até mesmo uma curiosa e quase paradoxal solidão. “Estive no South by Southwest este ano e falou-se muito em solidão em um mundo conectado. Pode parecer um paradoxo, mas muitas pessoas deixam de se relacionar na vida real por diversos motivos. Para combater isso, há quem defenda uma espécie de detox das redes sociais e da internet”, disse.
Excesso de informação
Murilo de Aragão, professor da Universidade de Columbia (NY), sócio da consultoria política Arko Advice e que chegou a ser cotado como embaixador do Brasil em Washington, trouxe para o palco do Simpósio outro desdobramento de um mundo ainda em transformação digital: a política.
Ele citou como exemplo a vitoriosa campanha de Jair Bolsonaro por meio do uso intensivo de suas redes sociais e suas semelhanças com a vitoriosa campanha presidencial de Donald Trump também a partir da internet. Mais do que isso, Aragão falou sobre o momento de duas figuras ilustres do PSDB que trilharam caminhos distintos na comunicação.
“Esse processo (de transformação digital) fica evidente na política. O ex-governador Geraldo Alckmin perdeu na disputa para presidência e se tornou comentarista em programa de TV. Já o atual governador de São Paulo, João Dória, uma das estrelas em ascensão do partido de Alckmin, dialoga diariamente sobre os seus efeitos no cargo nas redes sociais. São maneiras distintas de se comunicar, mas evidencia os caminhos trilhados na comunicação com as pessoas”, disse.
Aragão, assim como Pedro Dória e Rebecca de Moraes, também não deixou de exibir o efeito colateral de um mundo cada vez mais conectado: o excesso de informação. Segundo ele, o ser humano possui uma limitação na absorção de informação. Quando há um excedente de dados, logo há o transbordo do jarro de dados e tem-se o início dos problemas de avaliação sobre um determinado assunto. É o cenário ideal para a proliferação das chamadas fake news.
“Vivemos soterrados de informações e isso pode levar a problemas na educação da pessoa, o que pode impactar outras áreas, como é o caso da política. Hoje, a informação que circula não necessariamente é a correta e está sendo transmitida por grupos silenciosos”, disse.
Pedro Dória, inclusive, fez um observação sobre política, informação e fake news. “Temos que entender que rede social é um programa de mídia. Não é um jornal ou uma carta. Ele é um software que possui determinados incentivos de navegação em sua plataforma. A seleção é feita por indicação e o que é distribuído, muitas vezes, tem o objetivo de aguçar o seu humor, normalmente a indignação. O resultado disso são políticos mais indignados, brigas nas redes sociais e até queixas de consumidores contra empresas cada vezes mais cheias de raiva”, disse.
Esperança
No entanto, o painel de encerramento nem sempre exibiu a essência do pessimismo Byung-Chul Han. No fim, ficou a crença de que os problemas decorrentes dessa emergente conexão serão superados e iremos impor a nossa humanidade sobre essa nova cultura digital. E o que cada palestrante acha sobre isso?
“Eu não acho que novas tecnologias estimulam a solidão o tempo todo. É por meio dela que converso com o meu filho que mora em Washington e isso nos aproxima. Há também boas notícias na política. Este ano, há novos políticos preocupados em prestar contas nas redes sociais sobre os seus feitos e que abrem mão dos seus benefícios”, disse Aragão.
“Vamos perder a nossa humanidade? Há 120 anos não tínhamos carros e não deixamos de andar de bicicleta. Há mil anos estávamos no feudalismo e chegamos ao iluminismo. Nós vamos nos adaptar. No futuro, não morreremos de doenças e violência e tudo será mais inclusivo”, disse Dória.
“Vivemos uma nova maneira de falar de transparência. Isso vai levar empresas a abordarem mais dos seus processos internos e de onde vem os produtos que vendem aos consumidores. A comunicação será melhor”, acredita Rebecca.
“Empatia será um valor corporativo e esse debate foi estimulado nas empresas por meio dessa transformação digital”, concluiu Carlos Eduardo Sarkovas.
O próprio Byung-Chul nem sempre é tão pessimista quanto parece. Em suas obras, tudo não passa de condicionante e, acima de tudo, o homem (ainda) é o senhor do próprio destino. A questão é como esse destino está sendo traçado pelo homem. Por outro lado, há ensinamentos valiosos com esse momento, caso de um novo cenário de transparência humana que urge da cultura digital. “A transparência total força a comunicação política a uma temporalidade que torna impossível um planejamento lento e de longo prazo. Não é mais possível deixar que as coisa amadureçam. O futuro não é a temporalidade da transparência. A transparência é dominada pela presença e pelo presente”, diz o filósofo na obra “No Enxame”. É o homo digitalis que está se desenvolvendo.