Em uma palestra ministrada ontem no Instituto Brasileiro da Hospitalidade Empresarial falei sobre o CX (IBHE), discutimos sobre o que realmente é feito com a informação, ou como ela é traduzida em uma série de processos, ações que servem (ou deveriam servir) para melhorar a experiência do consumidor.
Pensamos nos esforços que vem sendo construídos, nas novas designações das áreas e executivos alocados para o Customer Success, atendimento ao cliente, SAC, ouvidora, etc. E ainda percebemos um gap muito grande entre o proposto e o atendimento recebido pelas empresas.
CX existe desde sempre. Antes abordado com outros nomes, ou simplesmente sublimado. Mas o relacionamento entre o cliente e o vendedor (representado por uma pessoa, empresa, consultório, governo) sempre esteve ali.
Talvez sem processos oficiais, talvez mais rápido, talvez sem respostas, mas desde cedo é criado nos indivíduos um repertório racional e principalmente emocional decorrente de suas interações com marcas, produtos, governos – simplesmente relacionamentos.
Para o ouvinte (consumidor) vão surgindo novas instâncias, processos e muitos canais para que entrem em contato com seu vendedor, com a esperança de que este se torne um interlocutor e consiga dar andamento à sua questão de forma rápida, assertiva e responsiva.
Lembro da primeira vez que ouvi falar em Ombudsman, brilhantemente representado por Vera Giangrande do Grupo Pão de Açúcar. Na realidade, a empresa pioneira no Brasil a implantar este cargo foi a Folha de S. Paulo, em 1989, através da coluna de Caio Túlio Costa, o primeiro ombudsman da imprensa brasileira, sob o título: “Quando alguém é pago para defender o leitor”.
Vera Giangrande fez história na implementação do cargo de ombudsman interno e externo no Grupo Pão de Açúcar. Instituiu um vídeo jornal mensal difundindo informações da organização e quadros motivacionais entre os colaboradores.
Através de questionários internos e acolhimento criou o cargo de Ombudsman interno voltado para ouvir os colaboradores – suas queixas e problemas. O que hoje observamos na Jornada do Colaborador, parte essencial e básica para poder entregar uma boa experiência ao Consumidor (CX).
Além de todo o trabalho interno, seu olhar foi fundamental para o acolhimento e espaço criado para o consumidor no Grupo Pão de Açúcar. Vera Giangrande estava nas lojas, tal qual toda a equipe do Abílio Diniz, próximos aos consumidores, colaboradores e praticando, muito antes dos modismos, o que é o real CX e uma empresa centrada no cliente (customer centric).
Agora, toda esta transformação não é fácil. Acontece, sim, em empresas onde existe o cuidado e valorização do cliente em seus pilares de sustentação.
No caso do Grupo Pão de Açúcar, a ombudsman respondia diretamente à presidência, e acredito que este modus operandi é fundamental para se construir uma estrutura sólida. O ombudsman considerado a voz do consumidor dentro das empresas só consegue existir quando tem oxigênio para isto.
Estruturas muito hierarquizadas e principalmente que não têm o consumidor no centro, muitas vezes acabam tendo sua voz calada por desvios causados por uma insana corrida por entrega de bons resultados, focados no lucro e produtos.
Nestes casos, a voz do consumidor, bem como de seus representantes dentro da empresa são traduzidas em resultados de NPS que vão no final do dia responder pelo desempenho dos executivos e seus bônus.
Em busca de entender onde estão estes representantes do consumidor nas empresas, acho curioso que dentro de suas hierarquias e departamentos divulgam canais de comunicação para entrar em contato com o atendimento ao consumidor, ouvidoria, SAC….
E vou me aprofundando no assunto, ou no departamento, e percebo que só consigo falar com a ouvidoria e/ou o ombudsman caso já tenha entrado em contato com o serviço de atendimento e não tenha conseguido resolver.
E aí que fica difícil entender pois, se o serviço de atendimento não resolveu, o que o ombudsman faria de diferente que pudesse resolver minha questão? Não é a mesma empresa? Não seguem os mesmos protocolos? Se o atendente não consegue solucionar, não deveria ele mesmo acionar o Ombudsman, que teoricamente é a voz do consumidor dentro da empresa? Parece que será o único que jogará a boia salva-vidas para o consumidor depois do naufrágio! Por que esperar tanto?
Com a questão posta, ilustro com um caso vivido no mês passado com a Editora Globo ao tentar cancelar novamente uma renovação automática não solicitada de assinatura de revista.
Depois de esperar por quase 40 minutos no WhatsApp pela atendente, peço o contato da ombudsman da empresa – e, recebo a seguinte sugestão: envie um e-mail e aguarde para que agendem um horário!
Deixo então uma provocação: Qual o distanciamento que temos do Ombudsman e onde foi parar a essência deste cargo de dar voz aos consumidores?
Aquele que já foi um bom ouvinte interna e externamente, onde ancorou seu barco? Com tanta tecnologia, bots, canais, por que ainda precisamos falar com mais alguém na empresa para nos representar?
*Por Evelyn Rozenbaum, psicóloga, pesquisadora, consultora e professora de MBA de inteligência de consumo e marketing e CEO da Usina de Pesquisa.
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