O varejo, veloz por natureza, necessita de uma arquitetura estratégica diferente de outras empresas. “É uma combinação de dois fatores: capacidade de definir posicionamento e proposta de valor, a identificação do cliente alvo e dos atributos que vão fazer com que essa marca crie uma distinção; e a capacidade de entregar essa promessa consistentemente”, disse Alberto Serrentino, fundador da Varese Retail e um dos maiores especialistas do setor, durante o painel de encerramento do primeiro dia do BR Week, maior congresso de varejo do País. “Conseguir balancear a estratégia correta com execução consistente é o principal desafio de qualquer empresa”, considerou.
Serrentino mediou um painel com um time de executivos de primeira linha para debater como o setor constrói estratégias de crescimento consistentes no varejo. E essa construção se dá em um cenário cada vez mais complexo e difícil. “Um negócio como o varejo tem característica típica de fator humano. Quando há muita gente, há muita complexidade, mas as coisas só acontecem quando elas são simples”, afirmou o especialista.
De olho nos resultados, o Lojão do Brás não abre mão de algumas ações para engajar o fator humano, tão essencial na operação. A varejista popular, com 18 lojas em São Paulo, movimenta um alto número de transações. Somente em dezembro, a empresa recebeu cerca de 1,5 milhão de pessoas. Para dar conta de todo esse fluxo, a varejista aposta no engajamento. “Esse é o diferencial do Lojão”, afirma Andreia Bessa, diretora de marketing e visual merchandising da varejista. “A gente acredita que o engajamento não decorre apenas do treinamento da mão de obra, mas da forma como tratamos nosso colaborador”, diz. As lojas são inauguradas com uma cozinha industrial, cozinheiro profissional e uma nutricionista, para fornecer refeição para o funcionário.
Além disso, 20% da mão de obra da empresa é alocada perto da loja, principalmente os gerentes. “A gente acredita que o ganho de qualidade de vida que ele tem é insubstituível. E esse é nosso diferencial, é a forma de tratar bem os funcionários”, completa a executiva.
Fornecedores crescem na cola do varejo
“A motivação move montanhas”, afirma Candido Pinheiro Junior, vice-presidente comercial e de relacionamento da Hapvida. “Nossa empresa nasce e renasce de pura motivação. Temos muita vontade de fazer e estamos nos preparando. A empresa, que oferece serviços de saúde para o varejo, está presente em 11 Estados do Norte e Nordeste – ela detém 30% do mercado de saúde e odontologia desses estados, e tem aproveitado a expansão do varejo para crescer também.
O setor bancário é outro que tem aproveitado a sede dos brasileiros por empreender e consegue crescer. “O Brasil é um País empreendedor. A comunicação passa a ser um desafio de todas as horas. Continuar encorajando esses empreendedores é nosso grande desafio”, afirma Eugênio Velasques, diretor da Bradesco Seguros.
Em tempos de crise, o varejo aposta em eficiência e para isso utiliza, cada vez mais, ferramentas tecnológicas. A Linx é uma das empresas que têm crescido na cola dessa preocupação. Ao todo, em torno de 120 mil lojas no Brasil utiliza uma tecnologia da companhia. “A gente entende quantos varejos existem. Assim como o varejo, a gente surfou uma onda de crescimento importante nos últimos anos e agora temos de crescer por competência e ter clareza de foco”, afirma Jean Klaumann, vice-presidente de Operações da empresa. “Mais importante do que ter muitos insights é ter capacidade de execução”, diz.
Olhar o mercado
Para Serrentino, negócios grandes têm em si maior complexidade. Embora positivo, o ganho de escala nem sempre traz ganhos tangíveis. “Em varejo, a cultura é importante para tornar mais fácil o processo de comunicação e engajamento, que deve ser executado de forma consistente. O problema não é inovar e prometer, é conseguir entregar”, afirma. E é nessa entrega que os grandes executivos têm focado, principalmente diante de mudanças bruscas, como o componente digital. “O grande ponto neste momento é como um líder consegue conciliar uma agenda de curto prazo, que é de sobrevivência, sem tirar o olho do futuro”, disse.
O franchising, um dos segmentos que tem conseguido crescer mesmo diante da crise, tem conseguido olhar para frente e para o futuro. “O franchising consegue atingir seu objetivo porque o tempo inteiro está amolando o machado, porque essa relação de franqueador e franqueado não é cômoda, é de desassossego”, afirmou Cristina Franco, presidente da Associação Brasileira de Franchising. A aposta do setor, diz, é em indicadores de gestão e um controle extremo de dados, do processo logístico, de economia de custo e custo de ocupação. “Isso faz com que a gente viva no presente, pensando no futuro, de maneira que o cliente saia satisfeito”, completa. “A gente busca a preparação. Um dos segredos do franchising é qualificar o tempo todo para que a gente possa ter um negócio de ponta. Não existe um negócio sem qualificação”, afirma.
A Panvel, do setor de farmácias com 360 lojas, investiu, por sua vez, em marcas próprias para conseguir crescer e se manter competitiva. A cada cinco produtos vendidos, um é da marca própria da rede. “Não estamos no varejo para oferecer preço, então precisamos criar outra coisa”, afirma Julio Mottin Neto, presidente-executivo Panvel Farmácias. “A segunda coisa é economia de tempo e a terceira coisa é o desenvolvimento de pessoas: a gente precisa de gente no varejo para desenvolver o negócio todo”, afirma.
Reestruturar a operação
Outra estratégia que tem ajudado o varejo a ganhar fôlego é adaptar os modelos de negócio. É o que está fazendo com maestria o Grupo Pão de Açúcar. Nos últimos anos, a companhia tem investido forte em modelos de vizinhança. Segundo Marcos Samaha, diretor de operações do Multivarejo do GPA, a estratégia veio, justamente, para responder a complexidade, cada vez maior, do mercado. “Se a gente olha o ranking do varejo brasileiro, conseguimos dividir em duas realidades bem distintas: do quinto maior varejista brasileiro ao vigésimo é uma história. Os top quatro varejistas é outra história”, afirma.
“Estamos falando de empresas multiformatos, empresas que estão presentes em mais estados brasileiros e que têm muitos acionistas e muitos debates estratégicos quanto ao futuro e pressionadas pela competitividade”, avalia Samaha. “A questão da expansão e crescimento acelerado, com crescimento saudável, é extremamente difícil e desafiador”, completa. Frente a uma crise forte, o GPA tem projeção de investir R$ 1,5 bilhão somente neste ano em expansão. “Crescer com responsabilidade de trazer retorno e gerando empregos é o grande desafio”, avalia.
Para Julio Mottin Neto, crescer rápido demais não é saudável. “O varejo regional tem um certo limite e uma certa fraqueza. Você não pode ter uma operação apenas em um estado no Brasil. Estamos com R$ 3,6 bilhões de faturamento e estava na hora de romper fronteiras”, afirma, sobre a entrada da Panvel em São Paulo ainda neste ano. Para ele, mais do que expandir, o varejo em tempos de crise precisa manter uma estratégia consistente. “A crise vai acabar e eu entendo que o cria a musculatura da empresa não é velocidade, mas a consistência. Precisa encontrar o seu ritmo de crescimento e saber trabalhar as pressões. Sejam de acionistas e ou de funcionários. E ter a convicção da estratégia, não mudar a estratégia toda hora”, afirma.
“Temos uma crença no Brasil de longo prazo, na capacidade de fazer as coisas acontecerem e olhar para frente, pensando no que vem depois e não no imediatismo”, avalia Serrentino.