É possível “aprender” alguma coisa com filmes? O cinema, as séries que hoje proliferam nas plataformas de streaming são pródigas em nos propor dilemas morais, questões filosóficas e discutir assuntos que estão em alta nas redes sociais, a começar pelas próprias redes sociais.
Oppenheimer, o filme baseado na biografia do brilhante cientista Robert J. Oppenheimer, que comandou o Projeto Manhattan e deu ao mundo a bomba atômica, é mais uma obra de gênio de Christopher Nolan. Este virtuosístico e incrivelmente original diretor de cinema, enfrenta temas difíceis em sua obra, e se interessa continuamente por debater, questionar e propor dilemas morais e o choque constante entre ciência e os vieses e vícios de caráter existentes e dominantes na humanidade. Em Oppenheimer, Nolan, a partir de um elenco soberbo, com Cillian Murphy e Robert Downey Jr à frente, mostra qual o alcance da moral humana diante do poder avassalador da Bomba Atômica.
A partir disso, como Caixa de Pandora escancarada, Nolan nos empurra para refletirmos sobre as muitas “Bombas A” existentes atualmente, dos Algoritmos à Inteligência Artificial, das Autocracias às Altercações da polarização. Oppenheimer não cedeu aos caprichos e fraquezas das emoções humanas, ou somente o fez em situações muito extremas. Não era frio, mas era calculista por força do ofício. Diante de argumentos lógicos, ele revia posições, confrontava suas crenças e procurava organizar ideias e testar hipóteses no melhor espírito científico. Uma forma de enxergar a vida ignorando resultados anteriores e sempre tentando manter a crença na lógica dos fatos. O que buscou foi combinar bases de cálculos avançados, trilhando os caminhos que outros cientistas abriram para atingir um “moonshot”, a Bomba que poderia dissuadir outras guerras. Não havia em “Oppie” (seu apelido), um senso de propósito maior que não o desafio científico e, em algum ponto de sua mente convulsiva, a possibilidade de combater o nazismo e seu obscurantismo intelectual, bem como contribuir para libertar os judeus vítimas do Holocausto.
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Independentemente do juízo moral atrelado à criação da Bomba Atômica e a multiplicação dos arsenais nucleares distribuídos entre diversas nações, este evento disruptivo se junta a uma galeria de “moonshots” notáveis, feitos da espantosa capacidade de mobilização de recursos dos EUA: a chegada do homem à Lua, a criação da internet, a computação digital e agora, as Inteligências Artificiais Generativas. Cada uma delas e todas são conquistas de impacto gigantesco sobre a vida humana, com reflexos muito além dos negócios. Elas colocam à prova o ser/estar das pessoas no mundo. Nesse sentido, somos todos um pouco “Oppenheimers”, pensando no quanto nossa busca pelo conhecimento não será a chave que desencadeie nossa destruição como espécie.
Essa visão catastrofista e de inevitabilidade tem relação com os vieses que herdamos e usamos acerca das lendas e mitos religiosos. Não obstante a fé de cada pessoa ser um elemento fundamental de sua identidade (inclusive a possibilidade de não exercer ou acreditar em fé alguma), o dilema moral baseado na ambição de “revelar” verdades ou “manipular” fenômenos que não “dizem respeito” aos seres humanos será punido com a ira da natureza ou dos deuses. É essa sensação que toma muitas pessoas diante do desenvolvimento acelerado das Inteligências Artificiais atualmente. Mas o que elas fazem de tão espetacular que leve a humanidade à obsolescência um tanto precoce? Produzem textos mecânicos, imagens engraçadinhas, emulam vozes, fazem cálculos extremos em milissegundos? Respondem questões nas centrais de relacionamento e calculam dívidas e empréstimos?
A noção básica de uso das IAs está associada apenas à produtividade, à terceirização de tarefas opressoras (mas sempre honradas), que limitam a expansão do intelecto humano. Ou como diz David Sumpter, em um livro espetacular “As 10 equações que regem o mundo”: “O risco para a humanidade não é a de que uma IA hostil passe a governar o mundo… A inteligência artificial não tem competência para isso, ela não pode ir além de suas soluções limitadas. O risco está no aumento cada vez maior da distância entre aqueles que têm poder sobre os dados e aqueles que não têm”.
O intrigante aqui é que o conhecimento sobre os algoritmos e as equações que alimentam as IAs estão fartamente disponíveis na internet. Há Papers e mais Papers, textos e conhecimento teórico disponíveis a alguns cliques de distância. Mas a grande maioria das pessoas não têm disposição para enfrentar a matemática e prefere o caminho fácil de alimentar as próprias crenças e ideias. Evitam olhar e experimentar o que os dados podem proporcionar em termos de apoio às decisões e sobre formas de utilizar as Inteligências Artificiais para assumir trabalhos francamente mecânicos e repetitivos.
A ideia de destruição da humanidade pela humanidade, a partir das múltiplas “Bombas A” criadas, acumuladas e utilizadas pelas sociedades é excelente para a ficção e para causar ruído em quantidade estonteante para fazer políticos e líderes divergirem sobre problemas reais. Desigualdade, mudança climática, crises de representatividade nas democracias, insegurança urbana, inflação, eficiência do aparato estatal, sistemas universais de saúde e educação são os assuntos reais para os quais a colaboração entre a criatividade humana e a velocidade e produtividade das IAs podem produzir soluções realmente eficazes e viáveis. Mas estamos vendo comissões e vozerio alarmantes sobre as fontes de dados que compõem as matrizes de resposta de um ChatGPT ao invés de encarar os problemas reais, das pessoas reais, confundindo o urgente com o importante e o importante com o que é ruído, sem enxergar os sinais.
Oppenheimer foi vítima desse ruído. Vítima de um gigantesco complô a favor da inverdade que fez do cientista herói, um eventual espião e simpatizante do comunismo em tempos de Guerra Fria. Em essência, toda fake news é um muro de ruído eloquente que nubla nossa consciência e sequestra nossa atenção para o que realmente é fato ou dado. Oppie foi vítima dessa construção ruidosa, potencializada pela vaidade humana e foi engolido pela própria vaidade. E é sempre aí que reside o principal dilema moral deste século: extrapolar o uso da tecnologia para criar veículos que sirvam somente à vaidade humana, à sede de poder, muitas vezes utilizando uma falsa moral para justificar a opressão e o desprezo dos semelhantes, vítimas históricas de abusos generalizados.
A verdadeira e mais complexa regulação vai muito além dos usos e “ameaças” das IAs. Está contida no íntimo da sempre escorregadia e imperfeita Alma humana.”
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