Dia desses fui consultada por um casal de amigos sobre um pacote de viagem que eles haviam comprado. Com um filho com pouco menos de dois anos, seria a primeira viagem com o pequeno. Decidiram ir para o Nordeste, pelas belas praias e clima quente. Compraram um pacote de 8 dias e 7 noites num resort. Na aquisição do pacote, perguntaram sobre o voucher do hotel e das passagens aéreas, sendo informados que poderiam verificar tais informações no site cerca de 10 dias antes da viagem.
E foi o que fizeram. Férias marcadas e pacote comprado, começaram a programar a ida e a volta. Entretanto, ao verificarem no site os horários dos voos tiveram uma ingrata surpresa: seu voo de ida sairia às 23h15min do dia 23 de abril e o voo de volta sairia às 03h11min do dia 30 de abril. Ou seja, eles sairiam de São Paulo no final do primeiro dia de viagem e retornariam na madrugada (antes até do início) do último dia. Eles perderiam o primeiro e o último dia inteiros. Isso tudo com um bebê.
Ao constatarem o problema, ligaram para a agência, pedindo para que os voos fossem remarcados – afinal, viajariam com um bebê! –, porém foram informados de que isso poderia resultar em custo.
Ao me exporem a situação, disse a eles que notificassem a agência por escrito, exigindo os voos fossem alterados, ou ingressariam com as medidas judiciais cabíveis. Caso a agência não resolvesse o problema, que viajassem tranquilos e aproveitassem as férias, ainda que mais curtas do que haviam planejado. Seria um inconveniente viajar com um bebê madrugada a fora, mas isso não deveria arruinar suas férias. Afinal, a maioria das pessoas apenas podem usufruir das férias uma vez por ano e a viagem estava muito próxima. Ao retornarem, poderiam ingressar com uma reclamação formal contra a agência de turismo, exigindo que o valor das diárias pagas e não usufruídas por eles fosse devolvido em dobro. Além disso, caberia indenização por danos morais, por conta do comprometimento de parte de suas férias – seriam dois dias inteiros perdidos, num total de oito, o que resulta em 25% da viagem.
A agência não resolveu o problema do casal, que já retornou do passeio e estão ingressando com uma ação para que seus prejuízos sejam ressarcidos – inclusive os morais. No caso, há duas opções: ingressar com uma ação no Juizado Especial Cível sem a assistência de um advogado, tendo em vista que a causa não ultrapassa 20 salários mínimos, ou contratar um advogado para ingressar com a ação.
E por que isso ocorreu? É bem provável que a agência de turismo nem tenha tido má-fé. Imagino que o sistema de busca de voos dessas agências acaba buscando pelas melhores tarifas, gerando esses inconvenientes. Todavia, venderam algo que não era real. A conta não fechou. Não haveria como dizer que esse casal aproveitaria 8 dias. Ainda que se admita que os horários de check in e o check out possam ocorrer no meio do dia – o que normalmente acaba ocorrendo –, ainda assim não haveria como fechar a conta, pois o casal chegou na madrugada do segundo dia ao destino e de lá saiu na madrugada do oitavo dia – e isso tudo com um bebê!
A agência de turismo, portanto, ainda que não tenha tido má-fé ou não tenha se atentado para o ocorrido, deve arcar com os prejuízos causados ao consumidor, pois é fornecedora de serviço e, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, tem responsabilidade objetiva – ou seja, sem que se necessite apurar dolo (intenção) ou culpa (negligência, imprudência ou imperícia) – e deve responder pelos danos causados, inclusive se forem causados pelos hotéis, companhias aéreas, empresas que fizerem os passeios por eles vendidos etc., pois também têm a chamada responsabilidade solidária.
Todavia, isso pode mudar. Há um projeto de lei – que tramitava desde 2001 no Congresso Nacional, mas que foi aprovado neste mês e encaminhado para sanção presidencial – que modifica substancialmente a responsabilidade das agências de turismo sobre os pacotes vendidos. O projeto prevê que as agências não mais serão responsáveis objetivamente pelos prejuízos causados pelos seus parceiros (hotéis, companhias aéreas etc.). As agências ainda poderão ser demandadas em juízo, mas o consumidor terá de provar o dolo ou a culpa das agências para responsabilizá-la.
Trata-se de um grande retrocesso na defesa do consumidor, além de haver artigos que são inconstitucionais e que contrariam o Código de Defesa do Consumidor. Isso tudo quando estamos a poucos dias do início da Copa e prestes a receber turistas de todas as partes do mundo. A solidariedade entre a agência de turismo e seus parceiros acabará, deixando o consumidor numa situação muito mais complicada.
Em relação ao problema ocorrido com esse casal de amigos, a responsabilidade é somente da agência. Porém, se eles tivessem tido, além desse, problemas com o hotel, seriam muito mais difícil responsabilizar a agência, que vendeu o pacote. Qualquer outro fornecedor de serviços, com exceção dos profissionais liberais, responde objetivamente pelos danos causados no âmbito das relações de consumo. Entretanto, se o projeto de lei for sancionado, apenas as agências de turismo deixarão de responder objetivamente e passarão a ter responsabilidade subjetiva.
Fato é que, de uma forma ou de outra, a soma quase sempre fica estranha. No universo paralelo das agências de turismo, se o consumidor não estiver muito atento e souber que os cálculos por lá são um pouco diferentes, pode ter muitos aborrecimentos em momentos que deveriam ser apenas de diversão.
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