A iniciativa The Jeans Redesign, lançada pela Fundação Ellen MacArthur em 2019, atingiu a marca de 1,5 milhão de pares calças jeans redesenhados. As calças foram confeccionadas entre julho de 2021 e julho de 2022 seguindo uma série de diretrizes baseadas na economia circular. Trata-se da ideia de prolongar a vida útil de recursos por meio da reutilização de resíduos.
A iniciativa vai na contramão da produção usual de uma calça jeans. Além de seguir um ciclo linear no qual os resíduos são descartados em vez de reutilizados, a fabricação de um único par consome cerca de 3.789 litros de água, segundo relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) divulgado em 2020. O processo de tingimento do tecido também envolve uma série de produtos químicos que se tornam poluentes ao serem descartados no meio ambiente.
The Jeans Redesign envolveu 100 grandes nomes da indústria da moda de mais de 25 países. São marcas como Levi’s, GAP, Zara, C&A e H&M que desenvolveram novos lançamentos de jeans de acordo com diretrizes de durabilidade, rastreabilidade do material, reciclabilidade e procedência dos recursos. Uma em cada nove marcas foi responsável por redesenhar cerca de 40% de seus portfólios.
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A problemática do jeans no Brasil
O Brasil é o quinto maior produtor têxtil do mundo, e o segundo maior fabricante de denim – tecido base do jeans –, ficando atrás somente da China. Por aqui, são fabricados dois tipos de jeans: o premium, feito 100% de algodão com tingimentos, acabamentos e modelagens variados, e o misto, composto por uma mistura de matérias-primas, como algodão, poliéster e poliuretano (lycra). Este último é o mais fabricado, uma vez que é ofertado a preços mais acessíveis devido à mistura de materiais. É também o mais problemático.
A combinação dificulta o processo de reciclagem e reutilização do algodão para a fabricação de novos tecidos. Além disso, o poliéster e o poliuretano levam mais de 400 anos para se decompor na natureza, enquanto o algodão leva apenas três anos. Lavar a calça jeans também pode contribuir com a contaminação das águas devido ao descarte de microplásticos pelas fibras sintéticas presentes no tecido.
Tanto o jeans premium – feito somente de algodão – quanto lançamentos sustentáveis do tecido são, em sua grande maioria, produtos mais caros que o jeans misto e, portanto, menos acessíveis. Este é um desafio que se torna ainda mais evidente quando relacionado à desigualdade de renda. Segundo estudo da Deloitte divulgado em julho, este é um fator que impede muitas pessoas de aderirem a práticas e produtos e serviços sustentáveis.
A pesquisa, que envolveu 24 mil entrevistados em 24 países, incluindo o Brasil, apontou que dois terços dos respondentes entendem as mudanças climáticas como urgentes. 59% dos entrevistados de renda mais alta afirmam que escolhem produtos sustentáveis sempre ou frequentemente. Mas entre aqueles com renda mediana, essa média cai para 44%, e entre os de baixa renda, para 42%.
Entre os entrevistados que não fizeram uma compra de produtos sustentáveis no último mês, 53% dos respondentes de baixa renda e apenas 32% de renda alta afirmaram que o custo é a principal barreira.
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Desafios para o jeans
Segundo a Fundação Ellen MacArthur, os novos lançamentos das stakeholders participantes da iniciativa se tornaram exemplos para a indústria têxtil de denim e jeans. Os cases de sucesso apresentam saídas para que o jeans entre na cadeia circular e possa ser utilizado por mais tempo a partir de sua reciclagem e por meio de uma produção mais sustentável.
A Levi’s, uma das participantes da iniciativa, parece ter seguido seu próprio exemplo. A empresa anunciou em julho deste ano o lançamento do seu clássico jeans 501 em uma versão feita 97% à base de plantas. O modelo é fabricado com algodão 100% orgânico e certificado pela Organic Cotton Standard (OCS) – livre de pesticidas e com controle da quantidade de água utilizada para sua confecção. O tecido é tingido com corantes e pigmentos naturais da Stony Creek Colors, empresa do estado norte-americano do Tennessee. A Levi’s também lançou dois outros modelos sustentáveis: o Selvedge 501 e o Circular 501.
Mas ainda há desafios a serem superados para expandir a confecção circular do tecido. O preço dos materiais adequados ainda é elevado, e a elasticidade – geralmente, conferida pela lycra – se torna mais difícil. Os rebites, pequenas peças de metal utilizadas para garantir mais sustentabilidade a bolsos e partes de maior estresse do jeans, foram removidos de alguns modelos como parte das exigências da iniciativa. Mas algumas marcas preferiram mantê-los devido a escolhas de design.
Políticas para resíduos
Além das empresas assumirem o desafio e a responsabilidade para si, a iniciativa aponta que as instituições reguladoras também têm um papel essencial na causa. Para escalar a abordagem, governos devem criar políticas que envolvam o uso consciente de materiais e recursos, aprimorando as pegadas de carbono, e criando métricas de durabilidade e reciclabilidade.
Em agosto, o Brasil celebrou os 13 anos da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/10), que tem entre seus principais objetivos encerrar as atividades dos lixões e regularizar a reciclagem de resíduos produzidos no país. A lei já oferece saídas para os resíduos por meio da economia circular, incentivando o redesign e o reaproveitamento dos materiais. Reconhece, por exemplo, o “resíduo sólido reutilizável e reciclável como um bem econômico e de valor social, gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania”.
Ainda são necessários grandes avanços. Mais de 70% das cidades brasileiras já possuem coleta seletiva. Mas apenas 30% da população separa o lixo orgânico dos demais, segundo estudo da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). Além disso, apenas 4% de todo resíduo é reciclado ou reaproveitado.
O desafio é complexo, e só pode ser superado por meio de ações conjuntas. Enquanto governos devem estabelecer critérios e regras para a produção e reutilização de resíduos, as fabricantes de jeans devem criar produtos sustentáveis e circulares. O relatório da The Jeans Redesign reforça que é necessário transformar a exceção em regra. Apesar do número de calças jeans fabricadas pela iniciativa ser uma fração do mercado, já é uma demonstração da possibilidade de criar um portfólio 100% sustentável e integrado à economia circular.
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