Era janeiro de 2016, e eu tinha o desafio de formar um grupo de mulheres antenadas com movimentos emergentes, para um profundo estudo de tendências de moda. Procurava não o que se chama de early adopter, que apenas copiasse o que acontece no exterior, mas consumidoras que me mostrassem como novos comportamentos já começavam a ser assimilados no Brasil.
Num dia de calor paulistano, encontrei na Praça Roosevelt as gêmeas Tracie e Tasha Okereke. Era nossa primeira conversa, e antes de avistá-las com roupas que confundiam minha cabeça, ao misturar uma cara de brechó com uma pegada moderna, tudo o que eu sabia é que eram donas do blog mais interessante que eu havia visto nos últimos tempos, o Expensive $hit. O site (que já chamava atenção pelo nome inspirado num disco de Fela Kuti, um dos maiores músicos africanos) tinha textos sobre ícones do movimento negro, escritos em linguagem falada (“esse mano foi um cara…”). Em cada texto eram ilustrados editoriais de moda em que as irmãs modelavam usando roupas compradas a R$ 10, fotografados por amigos com celulares obsoletos. Eram imagens lindas, interessantes, que deixariam Mario Testino boquiaberto.
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Ao longo da nossa conversa, Tracie disse: “a gente não é it girl, é it favela”. Em uma frase, resumiu o que procuramos em todos os consumidores gama: a capacidade de estar sob efeito do zeitgeist, o chamado “espírito do tempo”, mas adaptando o novo às suas vidas. É como se me dissessem: “sabemos das it girls e conhecemos o que elas representam: ser blogueira, influenciar pessoas… Mas nosso contexto é outro, então, para viver esse novo, o reinventamos e adaptamos à nossa realidade”. Se seguimos esses early adopters, como normalmente faz o mercado de tendências, não entendemos como uma tendência aparecerá no mainstream.
Gama é uma nova categoria de consumidor, fundamental para entender as tendências de consumo para os próximos anos. Esses consumidores usam a novidade da maneira que é possível para suas vidas. E disso o Brasil entende bem. É como já fizeram os tropicalistas nos anos 1970, misturando Beatles com música tradicional brasileira para criar o disco-manifesto “Tropicália ou Panis et Circencis”. Ou Oscar Niemeyer, que aprendeu a tecnologia do francês Le Corbusier, mas criou com linhas curvas uma arquitetura tipicamente brasileira. É nessa mistura que precisamos investigar tendências que façam sentido para a gente.