Cannes, França – A agência Ogilvy trouxe uma inspiração mesmerizante para o Cannes Lions: Alejandro González Iñarritu. O cineasta que mudou as regras do cinema, com seu realismo brutal, sua plástica surreal, sua inventividade. Um cineasta que quer fazer do improvável, provável. Ele participou de uma conversa com Thai Khai Meng, Co-chairman e Chief Creative Officer Global da Ogilvy.
Meng, de início, quis saber sobre o grau de dificuldade de se produzir um filme como O Regresso. E Iñarritu afirmou que o filme foi um aprendizado por inteiro. Filmar uma hora ou duas por dia, enfrentar o clima, a natureza, um desafio sem precedentes.
O criativo da Ogilvy também quis saber sobre o trabalho de som dos filmes – realmente, a edição sonora de suas obras é assombrosa, pela criatividade e intensidade emocional. O cineasta diz que se considera um músico frustrado. “Não há barreiras nem linguagens para a música, por isso a considero a forma de arte mais pura que existe. A melhor parte da jornada é sempre trabalhar com a música.”
Incansável, Iñarritu está escrevendo para rádio. O que prova sua necessidade de experimentar linguagens o tempo todo. Como visto, o som sempre foi uma parte fundamental do seu cinema. E o exercício sonoro é uma nova forma de experimentação, como foram os comerciais há décadas atrás. Sim, o genial mexicano já foi um dos diretores de cinema publicitário mais premiados do mundo. Tem 40 Leões, Titânios e até um Grand Prix no Cannes Lions. Mas nunca se deu ao trabalho de inscrever nada, nem de contabilizar seus feitos. Para ele, os comerciais são um tipo de exercício para cineastas, como se fossem uma academia de ginástica. Humilde, Iñarritu afirmou que para um contador de histórias como ele, um belo exercício é realmente fazer comerciais, por que há necessidade de ser conciso, sempre em 30″: “Cada segundo é muito importante. Eu tinha que vender emoções por muitos e muitos anos. E você aprende sobre todo o processo de filmagem e edição. Você pode aprender muito sobre a função do áudio nos filmes.”
Meng quis saber como o México conseguiu entregar ao mundo 3 artistas, cineastas fantásticos como o próprio Iñarritu, Cuarón e Del Toro. Novamente, muito humilde, com uma simplicidade desconcertante, o artista disse que não é apenas o México que produz cineastas fantásticos, mas toda a América Latina, por conta de sua riqueza cultural e grande transformação política e social. “Pudemos aprender observando cinema, tivemos uma rica cultura visual, tivemos fome para buscar desenvolver o talento”, diz. Como influências para o seu cinema, Iñarritu destaca os países que são grandes centros de cinema: EUA, França, Itália – o neorrealismo italiano – Bergman, Bunuel, Tarkovski…
Filmes como 21 gramas e mesmo Birdman, abordam questões metafísicas e espirituais. “Qual é o caminho, de onde vem a sua inspiração?”, pergunta Meng. O cineasta mexicano respondeu: “Minha espiritualidade vem pouco da minha religião, vem mais do existencialismo, parte da consciência de que vou morrer e de que estou vivo. Tudo isso é parte da minha doença – eu sou um cara interessado, muito interessado na busca da consciência.”
E o que o direciona, o que o faz mover-se sempre para frente como se não houvesse nunca zona de conforto, mesmo após 4 Oscars? “Depende do dia, pode ser uma coisa diferente. Não sei o que me direciona. Eu gosto de armazenar coisas, eu não construo agendas, eu quero provocar as pessoas, quero que elas reflitam, eu sei de um modo muito abstrato que não me forço a ter um sonho, a viver em função deles.”
E complementa: “o que me direciona no trabalho é o perfeccionismo. Sou um tremendo insatisfeito e eu acho que tudo pode ser melhor sempre. Eu sou obsessivo em perguntar como fazer melhor. Sou venenoso nesse sentido para quem trabalha comigo”.
Meng quis retomar a ênfase espiritual que exala no trabalho de Iñarritu. Para o criativo, todos nós voltamos à natureza. E O Regresso mostra essa relação de pai e filho e há vingança. Ela é importante. Como se relaciona esse pacto entre a natureza e a vingança no filme? “Meu objetivo não era a vingança. O que eu queria era ser inédito, queria questionar o que impele o personagem adiante, à frente. Não gosto da vingança espiritualmente, filosoficamente. O mundo em que vivemos hoje sofre por conta da vingança. A vingança significa uma perda. É a perda que eu abordei”, revela o cineasta.
E quais as possibilidades de novas técnicas que permitem criar cenários intensos e imersivos com a RV? Iñarritu afirma estar fascinado pela Realidade Virtual. Para ele, O Regresso foi um exercício maior que o de Birdman – um filme sobre um suicida, um exercício intelectual. Mas pensar na Realidade Virtual, ela realmente poderia em filmes como esse, poderia gerar uma experiência muito sensorial, com truques de ilusão.
O artista mexicano tem 4 Oscars. Ganhou tudo, partindo de Leões e Grand Prix em Cannes. E agora? O que está no horizonte?
Iñarritu afirma que é muito bom ganhar esses prêmios, mas que o importante é não ser pego por esse tipo de coisa, porque senão o artista está morto. “Estou excitado com as possibilidades de continuar aprendendo. Há muito para ser explorado, a RV tem muitas possibilidades. Como ser um contador de histórias com a possibilidade de criar cenários de 360º, ou seja, tudo deve ser filmado. É muito excitante. Um monte de desafios adiante, mas é ótimo.”
Ah, e uma última mensagem do cineasta que mudou o jogo de Hollywood, ao ganhar o Oscar duas vezes consecutivas por obras tão diferentes – Birdman em 2015 e O Regresso, em 2016: “a ideia é rei.”
A julgar pela maneira com que Iñarritu cria e concebe filmes originais, e que explora linguagens introspectivas, surreais, combinando elementos narrativos que não seguem a lógica das tramas do cinemão, ele realmente acredita no poder da ideia. A recompensa é fácil de ser percebida: Iñarritu foi aplaudido efusivamente, de pé, no início e no final do painel.
*Jacques Meir é Diretor de Conhecimento e Plataformas de Conteúdo do Grupo Padrão.