O tema da autorregulação está cada vez mais comum. Ao invés de seguir o caminho da regulação tradicional, as empresas se tornam mais propositivas, ganhando velocidade e autonomia para solucionar as demandas dos consumidores. Para tal, é necessário ter maturidade institucional, o que leva à discussão mediada por Amanda Flavio, professora de direito regulatório, no evento “A Era do Diálogo”: o Brasil está preparado para esse caminho?
Participaram do painel Amaury Oliva, diretor de autorregulação e relações com clientes da Febraban, Juliana Oliveira Domingues, secretária nacional do Consumidor no Ministério da Justiça e Segurança Pública, e Vilmar Teixeira de Abreu, gestor executivo de ouvidoria e excelência ao cliente da EDP SP e EDP ES. Todos eles acreditam que sim, o Brasil está pronto para a autorregulação.
Amaury afirma que “a proteção do consumidor não deve ficar apenas com o Estado. O mercado tem um papel fundamental para construir relações mais transparentes, equilibradas com o consumidor e deve se comprometer nesse sentido”. Corroborando, Vilmar diz que as empresas estão se preparando para isso. “Cada vez mais, com o aumento da governança, das questões da ética, dos princípios, e das normas bem desenvolvidas a gente está avançando para que o Brasil possa estabelecer uma autorregulação que venha trazer benefício principalmente para os clientes.”
As vantagens de as empresas assumirem esse controle são muitas, e isso não significa algo ruim para o consumidor, pelo contrário. Juliana explica. “A autorregulação funciona mais rápido do que qualquer modificação legislativa e do que qualquer atuação repressiva. No Brasil nós temos uma estrutura parlamentar que exige um intenso debate, e às vezes, algumas ideias se perdem. Assim, a autorregulação tem valor pela celeridade e por atender melhor os interesses do consumidor, respeitando características de mercados que são muito específicos.” A secretária ainda acrescenta: “Do ponto de vista do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, se a autorregulação não funcionar nós continuamos tendo uma área sancionatória, uma área investigativa, ou seja, não que dizer que o consumidor estaria desamparado”.
Autorregulação na prática
Cada setor possui um nível de maturidade diferente, dessa forma, a autorregulação está mais avançada em alguns. Amaury diz que tem visto a evolução importante de vários modelos. Para ele, o primeiro passo e o principal ponto de uma autorregulação de sucesso é dialogar com o órgãos de defesa do consumidor para identificar os principais problemas em cada setor e ter compromisso. “Quando o setor recebe essa oportunidade do regulador ou da Senacon de enfrentar um assunto, ele se compromete com a efetividade daquele modelo”, afirma.
Como exemplo de uma autorregulação que deu certo, o diretor de autorregulação e relações com clientes da Febraban cita o primeiro compromisso do Código de Autorregulação Bancária. “Foi um modelo interessante porque surgiu do diálogo com o DPDC, hoje transformado na Senacon, e com os Procons, para avançarmos no tema do encerramento as contas correntes, que afligia os consumidores e não tinha um padrão definido. Então os principais bancos iniciaram esse diálogo para entender quais eram as demandas dos consumidores e propor soluções. Hoje, felizmente, esse problema já não existe mais ou existe de uma forma muito residual.”
A Senacon tem investido bastante na autorregulação por vê-la como mais um instrumento importante na proteção e defesa do consumidor. Juliana dá exemplos de alguns setores que estão trabalhando junto ao órgão nesse sentido. “Apresentamos um código com orientação de vendas na internet, isso, inclusive, foi anterior à pandemia e veio em boa hora. Ele conta com o incentivo para que essas plataformas de comércio eletrônico tenham uma política de uso, de prevenção e repressão da venda de produtos ilegais. O intuito era construir um ambiente de negócios digital mais saudável e competitivo, além de preservar a saúde e a segurança, evitando produtos piratas, contrabandeados e nocivos ao consumidor.”
Outra iniciativa mais recente foi com a Associação Brasileira de Supermercados. “Fizemos um protocolo de cooperação com a ABRAS para evitar preços abusivos. O acordo representa uma preocupação da Senacon diante do contexto da pandemia. A entidade se comprometeu a não só divulgar a nossa nota técnica sobre preços abusivos, mas também a fazer uma orientação para as empresas do setor adotarem regras de compliance e de autorregulação quanto a essas cobranças abusivas”, diz Juliana, que ainda traz, em primeira mão, outra proposta em andamento. “Estamos trabalhando em parceria com a IATA e com o setor aéreo na autorregulação para programas de milhagem.”
Quando se trata do setor de energia, Vilmar conta que a autorregulação ainda não está tão avançada. “A EDP foi a primeira distribuidora a ser privatizada no Brasil, em 1995. De lá para cá muita coisa mudou, a gente até teve uma questão de autorregulação porque foram criados outros institutos, como o Mercado Atacadista de Energia, que contribuíram pra a questão da livre iniciativa. Mas estamos falando de um mercado ainda não tão liberalizado, e entendo que a autorregulação funciona mais em um mercado totalmente livre.”
Vilmar acrescenta: “A ANEEL tem liberalizado cada vez mais o sistema brasileiro, há 20 anos só as grandes empresas podiam comprar energia de qualquer geradora. O porte dessas empresas vem reduzindo gradativamente, até o ano de 2024 praticamente todas que compram energia de média tensão, que tem um contrato diferenciado, vão poder comprar de quem elas quiserem. Mas a maioria dos clientes são de baixa tensão, esses ainda estão presos às distribuidoras. Então ainda estamos falando de um mercado que não é tão livre, por isso temos uma complexidade maior nessa questão da autorregulação. Ainda temos um nível grande de maturidade para alcançar, mas a autorregulação se mostra cada vez mais viável.”
Assista ao segundo dia de “A Era do Diálogo”