Existe uma revolução ocorrendo em silêncio e com muita velocidade na maneira pela qual as pessoas têm acesso a todos os benefícios e oportunidades do mundo digital: o advento definitivo da Voice Experience (VX) como elemento-chave na gestão dos micro-momentos de interação dos consumidores com as marcas.
Desde o início da humanidade, a oralidade e os sons que produzimos para nos comunicar, interagir, transmitir tradições e conhecimentos e conviver em sociedade foram fundamentais para definir os mais diferentes aspectos do que convencionamos denominar “cultura”. Por exemplo, tente fazer o hipotético exercício de definir um grupo étnico ou cultural sem a ele associar um determinado idioma, ou expressões fonéticas utilizadas para definir suas características e hábitos sociais. É difícil, não?
Mas, paradoxalmente e por inúmeras razões históricas e técnicas, no mundo dos negócios o emprego adequado e potente da voz pelas empresas foi mínimo – e normalmente negligenciado – para fins de melhoria da experiência do cliente em sua jornada de engajamento, compra e consumo. Um enorme contrassenso.
O esquecimento da voz
Alguém acredita que nossos clientes considerem que as assistentes automatizadas de voz nas URAs (Unidades de Resposta Automática) dos Contact Centers que programamos com tanta atenção e afinco se “relacionam” com eles? Tendo em vista as avaliações sempre muito negativas dadas às interações por intermédio deste tipo de canal de negócios e gestão, entendo que a resposta seria um sonoro “não”.
O problema é que, quando a internet surgiu, ela era um grande repositório de dados em formato de texto escrito. Não havia espaço para o som. Ao longo dos anos, a rede se potencializou com imagens, vídeos e as múltiplas possibilidades que advieram da interação entre os diferentes meios e formas de produção e publicação de conteúdo.
Entretanto e por outro lado, a voz trazia consigo dificuldades técnicas enormes para a tradução com exatidão da complexidade dos léxicos e vocabulários que a espécie humana criou ao longo de milênios, em novos códigos definidos por bits e bytes. Assim sendo, seja no digital ou no tradicional, a voz foi por muitos anos relegada a um papel “inferior” no contexto da gestão dos diversos canais e momentos de interação com os consumidores ao longo de sua jornada de relacionamento com as empresas, por mera dificuldade técnica de gestão e registro.
Uma nova experiência
Esta realidade está dramaticamente diferente e mudando em escala exponencial. E não é por causa da pandemia em si, mas sim pelos avanços trazidos pela inteligência artificial e pela enorme capacidade atual de processamento de qualquer máquina básica, incluindo os smartphones da palma de nossas mãos. Os softwares de speech analytics (análise, reconhecimento e transcrição de voz em texto ou vice-versa) já são extremamente eficientes, e amplamente disseminados através de aplicativos.
Segundo dados da First Site Guide.com, 95% das pesquisas por voz no idioma em inglês já trazem resultados de busca totalmente corretos. E o Google já oferece serviços similares em mais de 100 idiomas, com excelentes índices de acerto: 30% do web browsing em 2020 já foi “screenless”, isto é, feito sem qualquer digitação de texto.
Pesquisa da Ilumeo realizada no ano passado demonstra que houve crescimento de 47% no uso de assistentes de voz no período de março a julho de 2020 entre os brasileiros entrevistados, sendo que 20% deles já as utilizavam diariamente – principalmente por acharem mais prático falar do que digitar, ou para realizar múltiplas tarefas simultaneamente.
Você já parou para refletir sobre como aplicativos como o Waze ou o Google atualmente reconhecem com enorme precisão a pesquisa de endereços feita por voz? Ou na enorme quantidade de mensagens de áudio que recebemos diariamente pelo WhatsApp, se comparadas com ligações telefônicas tradicionais?
Isso sem mencionar o crescimento do número de devices com interfaces de voz no mundo (4,2 bilhões em 2020, com projeção de chegar ao dobro deste número em 2024), incluindo aí as cerca de 200 milhões de smart speakers (Alexa, Google Home…) existentes no planeta, cujo número projetado ao fim de 2021 será maior que o de tablets. Também se estima que estas assistentes de voz irão transacionar um volume financeiro de 40 bilhões de dólares ao fim de 2022, segundo dados da Visa em conjunto com a Pymnts.
Qual atenção você dá para a voz?
Você sabia que os algoritmos de busca dão cada vez mais valor aos resultados de busca por voz para resultados orgânicos, e que este tipo de estrutura de dados interfere dramaticamente no planejamento de estratégias de SEO? Que voice commerce já é uma realidade na Ásia e crescerá a taxas acima de 3 dígitos no e-commerce ao longo dos próximos anos?
Como sua empresa está se preparando e agindo para esta nova realidade?
Como incorporar todo este novo volume de dados nos repositórios organizacionais ou modelagens de big data que são utilizados para caracterizar e gerenciar o relacionamento com nossos suspects, prospects e clientes? Como interpretá-los? Como integrá-los em nossa estratégia de gestão dos momentos da verdade ao longo da jornada de compra?
O primeiro passo para responder a estas difíceis questões e cuja resolução ainda precisa ser equacionada pelas organizações de diferentes portes e ramos de atividade consiste em entender que esta revolução já ocorreu, e precisamos rapidamente nos ajustar a ela. Estamos na era do marketing dos micro-momentos, da integração cada vez maior de todas as possibilidades de comunicação em prol do cliente.
Cliente este que é phygital, multifacetado, quer soluções cada vez mais individualizadas, é conectado e hiper exigente, e agora também passou a querer ter ótimas conversas com nossas marcas para vivenciar experiências incríveis. Estamos preparados? Que desafio, não?
Mas, convenhamos: em tempo em que tanto se discorre sobre “empatia com o cliente”, existe algo mais humano e fortalecedor do vínculo de maneira permanente que um autêntico bate-papo?
Que saibamos navegar nas ondas sonoras da experiência do cliente e humanizar com o apoio da inteligência artificial a gestão desta jornada, em cada deliciosa conversa regada ou não a cafezinho entre consumidores e marcas, homens e máquinas.
* Fernando Moulin é colunista da Consumidor Moderno, Business Partner da Sponsorb e um dos principiais especialistas em transformação digital e experiência do cliente no Brasil.
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