Há muito tempo, as grandes empresas perceberam que não podem focar suas estratégias somente em vender. A orientação para o marketing tornou–se premissa básica dos comitês de decisão e fez com que o consumidor deixasse de ser um mero coadjuvante e seus desejos e necessidades começassem a ser levados em consideração.
Foi-se o tempo em que vender era apenas um ato unilateral. Eu, bom profissional, grande conhecedor de técnicas de venda, com habilidades sagradas, convenço o consumidor marionete a comprar qualquer coisa. Foi-se esse tempo! Hoje, como nunca, os consumidores assumem posições, decidem o que levam para casa e impactam, sem dó, toda a cadeia produtiva. São eles quem pagam a sua folha de pagamento, que decidem o tamanho do seu bônus e escolhem se suas férias serão em Saint Tropez ou no Guarujá. Sem dó.
O espaço não comporta mais fórmulas prontas. Os manuais não dão conta da realidade. Os consumidores ditam o ritmo das mudanças. Lembram-se do tempo em que a obsolescência programada era o deus e o diabo na era do marketing 3.0? Já era! O modelo de negócio no qual as empresas decidiam, a partir de seus interesses, desenvolver, fabricar e distribuir um produto para consumo de maneira que na próxima temporada ele já não tivesse função alguma e fosse obsoleto, está ultrapassado.
Criado nos anos 20, no longínquo século XX, pelo presidente da General Motors, o velho modelo de negócio foi ressuscitado pelas grandes da tecnologia, Microsoft e Apple. Durante anos, ficamos esperando as próximas reuniões de Palo Alto, na Califórnia, ansiosos pela próxima novidade que os gênios da tecnologia tinham criado. Pela combinação de novos acessórios com o encanto de campanhas publicitárias que nos convenciam de que não tínhamos como ficar de fora da nova onda, muitos dormiram na fila das lojas para serem os primeiros a ter a novidade. Não dá mais. As novidades não nos chamam mais tanta atenção, pelo menos, não da mesma maneira, e a publicidade tradicional já não tem o mesmo efeito. Ficou difícil.
Os consumidores nos ensinam que é a demanda que confere valor ao produto, não a produção ou inovação, como muitos pensaram. De nada adiantará inovarmos, criarmos novos gadgets se não despertarmos o desejo dos consumidores. Há pouco tempo, a Apple anunciou uma diminuição, em 30%, na produção dos iphones 6S e 6S Plus.
Os estoques vêm aumentando de forma jamais vista e os gestores perceberam que a decisão mais acertada seria deixar que os vendedores dessem conta dos aparelhos já fabricados. Não adiantou lançar meia dúzia de pequenas mudanças (processador, cores, tela 3D, câmera melhor, etc.) e uma campanha provando que “The Only thing that`s changed is everything”. Os consumidores não compraram. Talvez, por não terem visto valor nas inovações ou por acharem que não precisam de um celular novo. Seja qual for a justificativa, só sabemos que não dá mais para brincarmos nesse jogo do mesmo jeito. As regras são outras.
*Por Michel Alcoforado, antropólogo e sócio fundador da Consumoteca, boutique de conhecimento especializada no consumo e nas tendências de comportamento do brasileiro.