No Brasil, temos um cenário complexo quando se fala da regulamentação da atuação das empresas. O ideal seria uma relação puramente privada entre fornecedores e clientes – mas não é assim que acontece. Ao contrário, muitas vezes, é o excesso que pesa quando o assunto é normatização. No painel “O peso da discórdia: até que ponto a revisão de normas reguladoras influencia positivamente o relacionamento entre empresas e clientes?”, realizado durante o Simpósio Brasileiro de Defesa do Consumidor, uma iniciativa de A Era do Diálogo, players de diversas áreas do mercado debateram os desafios do cenário brasileiro nesse sentido. E o mais importante: como fica o consumidor em meio a tantas nuances.
A mediadora Maria Inês Rodrigues Landini Dolci, coordenadora institucional do Proteste, questionou: “De que forma as normas definidas pelo poder público afetam a atuação das agências reguladoras?”. “Muitas vezes, se coloca em audiência pública algumas normas e, no meio do caminho, quando tudo já está em andamento, algo tem que ser alterado por conta de ações judiciais e outros pontos”, lembra.
Paulo Miranda, diretor de produtos e experiência de cliente da Gol, acredita que o maior problema é a incerteza gerada em decorrência das mudanças que ocorrem no meio do caminho. “Quando alguma operação cria incerteza jurídica, é muito complicado. Nós trabalhamos dentro dos requerimentos de todas elas, mas, quanto mais previsível estruturar e organizar as normas, mais fácil fica trabalhar dentro disso e se adequar nos momentos certos, mantendo um relacionamento positivo”, aponta. No caso das empresas do setor aéreo, principalmente, as decisões precisam ser tomadas a longo prazo devido aos alto custos envolvidos nas operação.
Ter uma agência reguladora que emite uma norma e que de repente é barrada por uma ação judicial cria dificuldades no dia a dia. “Isso cria dúvidas sobre as outras normas que podem ser barradas e dificulta planejamento a longo prazo”, lembra. Ao mesmo tempo, o consumidor fica sem saber como agir.
O quadro na saúde
Para o presidente da Associação Nacional das Administradoras de Benefícios (ANAB), Alessandro Acayaba de Toledo, as empresas do setor de saúde estão entre as que mais sofrem nesse quadro. Ele aponta que é importante dizer que a regulação não pode estar acima da constituição. “Temos um excesso grande de regulação que talvez seja pouco eficaz. Isso se traduz na quantidade de multas aplicadas. Existe uma arrecadação milionária e essa quantia não é revertida em benefícios para o consumidor”, garante.
O executivo lembra, especificamente no caso da saúde, existem diversos profissionais, como médicos, enfermeiros, laboratórios, que fazem parte do quadro e não estão regulados. Para que a regularização tenha eficiência, é fundamental, em sua visão, que ela alcance toda a cadeia. No entanto, garante que o bom relacionamento não depende de normas. “No fim do dia, na relação com o cliente, pouco importa regulação. Nós temos que agir de boa fé e ter uma relação transparente com o consumidor para agir em sua necessidade”, define.
Muitos lados
A mediadora questiona se o cenário da regulação atual consegue trazer competitividade para um setor tão importante: o de finanças. Valdemir Moreira de Lima, Head de ouvidoria do Santander, acredita que é evidente que a norma é necessária. “A norma em geral é o piso para que as organizações consigam criar uma relação de confiança com seus clientes”, porém, é preciso acompanhar o ritmo das evoluções sociais e tecnológicas, “ter essa evolução constante é o que faz com que o mercado efetivamente evolua”, aponta.
O executivo lembra que recentemente o Banco Central editou uma norma que define o relacionamento com o cliente das instituições. As empresas, no geral, já fazem isso há bastante tempo. “Como fornecedor de serviço, se ficássemos restritos a uma questão legal para se relacionar, estaríamos fadados ao desaparecimento. Existem muitas empresas que sumiram porque não conseguiram responder as expectativas dos clientes”, diz.
Flavio Vinicius Santos de Oliveira, head de atendimento do Banco BMG, ao mesmo tempo, aponta que o movimento coloca o atendimento em outro patamar. “Isso nos obriga a ter uma percepção mais próxima do cliente. Leis devem ser o básico. Nessa linha, temos que trazer para o diálogo nos setores, através do Banco Central, e materializar isso no mercado. O Estado não vai conseguir entrar em todas as indústrias e normatizar no detalhe”, aponta.
Evolução
Para os especialistas, é preciso lembrar que o que realmente importa é sempre evoluir cada detalhe da relação – e as normas precisam pensar nisso. “No caso do setor de telecomunicações, o que o setor precisa hoje é de regulamentos mais equilibrados, que permitam ampliação de área de cobertura, competição, qualidade do setor e evolução do atendimento do cliente”, garante Assunta Vieira de Campos, head de relacionamento com órgãos de defesa do consumidor da Telefônica Vivo.
Em sua visão, o setor está no caminho. “O novo regulamento da Anatel, por exemplo, que entrará em consulta pública esse ano, trará metas mais exequíveis e estarão dentro da opinião do consumidor”, diz.
Filipe Vieira, Superintendente-geral do Procon-BA, destaca que, assim como propõe o Simpósio, o foco deve ser o diálogo. “Todo mundo fala que precisamos estreitar, discutir, isso gira em torno do diálogo. O importante é falarmos a mesma língua. No linear da discussão, temos a lei e a regulamentação. O Código de Defesa do Consumidor está acima de uma norma”, aponta. “O meu interesse não pode estar acima do outro senão não se sustenta. Se o discurso for radical, quebro a normativa do código que é o equilíbrio das relações de consumo”.
Nesse sentido, destaca que o Judiciário deveria ser o último ator a entrar na atuação, já que ele existe para resolver as discussões – se não houver debate, não há o que resolver.
Pontos de contato
O executivo do Procon questiona se, no campo de hoje, é preciso gerar mais canais de atendimento ou melhorar aqueles que já existem. “Tratamos com consumidores que tentaram contato com o canal de atendimento da empresa, mas não conseguiu. Em um determinado momento, chegamos a um tal quadro em que as empresas não atendiam ou não tinham equipe suficiente para atender seu consumidor a tal ponto que foi necessária a criação de uma norma que obrigue o atendimento em até um minuto”, aponta. A credibilidade dos canais das empresas, nesse sentido, é fundamental – o cliente precisa ter confiança no atendimento das marcas.
E essa visão também se aplica as normas: a grande questão não é criar mais normas, mas garantir que aquelas que já existem realmente funcionem e tragam resolutividade para as situações.