“Na semana passada, meu estagiário Gen Z não apareceu no horário e não avisou. Fui no WhatsApp e perguntei: ‘Oi, tudo bem?’. Ele respondeu: ‘Tudo, sim!’. Mas tive que continuar: ‘Está vivo? Aconteceu algo?’. Ele respondeu: ‘Kkkkk, tô vivo, sim. Não fui porque minha mãe não conseguiu me levar’. Aí continuei: ‘Não sabe pegar ônibus?’. Ele disse: ‘Não’.”
O relato da gestora acima, que viralizou nas redes sociais, poderia ser engraçado se não fosse trágico para muitas lideranças que vêm se perguntando: “Como engajar a Geração Z?”.
No mundo business, as lideranças geralmente alegam que os funcionários dessa geração – nascida entre 1997 e 2012 – são desorganizados, desmotivados e têm poucas habilidades de comunicação.
Mas para Chico Adelano, Diretor de Design na Accenture e professor de Liderança Criativa da EBAC, “não dá para generalizar e achar que uma geração inteira não está comprometida nem preparada” para o mercado.
“Tenho provocado bastante as pessoas a refletir sobre os clichês da Geração Z. Considero que a dependência funcional de alguns jovens no trabalho pode vir de tentativas parentais de serem ‘melhores’, gerando debates sobre educação positiva versus permissiva. A menor disposição do grupo à ‘submissão’ pode estar ligada à ausência das experiências de escassez que marcaram grupos de gerações anteriores”, avalia o especialista.
Clichês à parte, abaixo trazemos algumas pesquisas que entregam o cenário atual do relacionamento entre profissionais dessa turma e o ambiente corporativo.
De acordo com levantamento da Resume Builder publicado em maio do ano passado:
- 31% dos recrutadores preferem contratar profissionais mais velhos em vez de candidatos da Geração Z.
- 60% dos Gen Z, depois de contratados, tendem a se comportar de forma arrogante.
- 30% das empresas entrevistadas tiveram que demitir um Gen Z após 30 dias do início do trabalho.
- 50% dos recrutadores apontam questões como vestimenta inadequada, falta de contato visual e exigências salariais consideradas irracionais entre candidatos da Geração Z.
O estudo publicado em outubro passado desenvolvido pela Caju, em parceria com a Consumoteca, diz:
- 56% dos jovens da Geração Z preferem pedir demissão se o trabalho interferir na vida pessoal.
- 84% deles acreditam que a estabilidade financeira é a maior preocupação. No entanto, ao contrário das gerações anteriores, não estão dispostos a sacrificar a saúde mental ou bem-estar para alcançar essa estabilidade.
- 70% dos jovens acreditam que todos deveriam fazer terapia, se possível, e muitos expressam a necessidade de ambientes de trabalho que respeitem essa preocupação.
Tais números revelam que existe uma lacuna importante entre as expectativas das empresas e a realidade dos jovens no início de carreira. Nesse cenário, Chico compartilha algumas características comportamentais do grupo.
Comportamento
Embora não dê para generalizar, a Geração Z cresceu conectada, com acesso rápido à informação e pouca tolerância à burocracia. Por isso, têm expectativas diferentes sobre o trabalho: querem mais autonomia, propósito e ambientes que respeitem seu bem-estar mental.
“Eles valorizam a inclusão, a autenticidade e a agilidade nas decisões. Preferem experiências significativas a cargos e títulos, e por isso trocam de emprego com facilidade quando não enxergam alinhamento com seus valores”, explica Chico, que complementa.
“Falamos de pessoas que operam a partir de outro modelo mental. Elas esperam ambientes mais horizontais porque buscam sentido no que fazem e não toleram bem práticas que soam incoerentes com seus valores.”
Chico Adelano, diretor de Design na Accenture e professor de Liderança Criativa da EBAC
O executivo reforça que as lideranças não devem mimá-los, mas orientá-los. “Compartilhar experiências reais de superação ajuda a desenvolver resiliência, comprometimento e noção de coletivo”, afirma. “É esse equilíbrio que aproxima gerações e fortalece a cultura das empresas.” Chico, no entanto, não deixa de lembrar dos aspectos sociais que invariavelmente norteiam o tema.
Aspectos sociais
Nem todo Gen Z se comporta da mesma forma, lembra o especialista, que afirma que a classe social influencia muito na forma como esses jovens enxergam o trabalho e lidam com desafios no ambiente corporativo.
Nessa perspectiva, quem vem de contextos mais “confortáveis” costuma ser mais seletivo, busca o chamado “propósito” e se recusa a aceitar regras que considera ultrapassadas. “Já os jovens das classes mais baixas enxergam o trabalho como uma chance real de ascensão” e, muitas vezes, uma necessidade urgente.
“Não dá pra esperar o mesmo comportamento de quem teve coaching de carreira na adolescência e de quem começou a trabalhar aos 14 anos para ajudar em casa”, lembra Chico Adelano, que completa: “Entender esse contexto é essencial para liderar com mais empatia e eficácia.”
Apesar das diferenças, todos trazem expectativas altas e pouca tolerância a ambientes autoritários. “Mas os repertórios emocionais, educacionais e culturais variam bastante – e isso precisa ser levado em conta pelas lideranças”.
O que os Gen Z têm a oferecer e como liderá-los
O grupo traz para o mercado uma conexão essencial e é melhor aceitar – seus integrantes já estão se consolidando como principais consumidores e, invariavelmente, serão a maioria das lideranças em um futuro bastante próximo.
Além de nativos digitais, são altamente adaptáveis e se ajustam facilmente a inovações repentinas. Essa capacidade lhes permite lidar com múltiplas informações e temáticas de forma ágil, o que os torna fundamentais para empresas que buscam se manter competitivas.
Nesse cenário, para liderar bem essa geração, é preciso “ir além do controle e da cobrança”, porque “ela valoriza líderes acessíveis, que inspiram pelo exemplo, compartilham aprendizados reais e dão espaço para autonomia”.
Como diz Chico Adelano, “conciliar as gerações é possível quando você entende que um funcionário não é só um executor, mas tem outros papéis, necessidades e expectativas na vida que o trouxe até ali”.
O gestor alerta que gerenciar esse time exige reconhecer sua individualidade. “Feedbacks claros e constantes, envolvimento nas decisões e um ambiente onde o trabalho tenha significado são fundamentais. Eles querem entender o ‘porquê’ das coisas, não apenas o ‘como’. Negam hierarquias rígidas e esperam relações mais horizontais, pautadas em confiança e troca.”
Além disso, liderar bem o grupo envolve criar experiências de trabalho mais humanas. “É fazer o trabalho valer a pena, ser inspirador, energizante e motivo de orgulho”, resume. Isso significa ir além dos benefícios tradicionais e olhar para o colaborador com mais empatia – como alguém que também busca realização, bem-estar e impacto positivo no mundo.
Chico considera que as empresas que já adotam uma cultura centrada nas pessoas saem na frente. “Se fazemos isso com os clientes para vender mais, por que não fazer com quem está dentro, fazendo tudo acontecer?”, provoca.
Crédito prints: Instagram @jopires