O país vive uma fase de mudanças. Após anos de estagnação e recessão violenta, o Brasil começa a vislumbrar um rumo e a viver com menos incerteza. O ano anterior foi marcado por turbulências inéditas, internas e externas, as quais, por sua vez, causaram traumas sociais, políticos e econômicos.
Talvez nós brasileiros, principalmente aqueles mais vividos, não se sobressaltem tanto diante de momentos repletos de mudanças. Os anos 80 e o início dos anos 90 criaram em boa parte dos executivos e decisores uma capacidade de resiliência provavelmente ímpar. Assim, a montanha-russa de acontecimentos de 2016, impeachment, mudança de governo, crise econômica profunda, Brexit, a eleição de Trump, instabilidades globais, pode ter sensibilizado milhões de pessoas mundo afora, mas para um executivo conterrâneo com cerca de 40 anos ou mais, nada disso entrou na conta do extraordinário.
Agora, o desafio é outro. Retomar algum grau de normalidade nos negócios e no cotidiano. O novo governo adotou uma agenda reformadora, tão necessária quanto espinhosa, levando em consideração a recuperação de um país antes condenado à crise. O governo quer controlar seus gastos, enviou um projeto de reforma previdenciária para votação, conseguiu aprovar um projeto de modificação do ensino médio tornando-o menos irracional. Até mesmo mudanças na incongruente legislação trabalhista estão em debate no Congresso Nacional. A inflação cai significativamente e fechou janeiro com a menor taxa em 39 anos. Os juros caem e até a arrecadação do governo federal subiu 1% no último mês após dois anos consecutivos de queda. São bons indícios para que possamos retomar os negócios em um ambiente menos hostil e mais tranquilo.
Aqui talvez sobrevenha a grande expectativa para 2017: uma hostilidade menor. Durante anos, nossa sociedade foi estimulada a se polarizar. A divisão de “nós x eles” alastrou-se como erva daninha contaminando toda espécie de relacionamento: ricos x pobres, negros x brancos, Sudeste x Nordeste, consumidores x empresas. O saldo dessa discórdia é tenebroso e assustador: milhões de ações na Justiça, violência nas ruas, proliferação de “haters” na internet. “Haters” são a degeneração da ideia central e idílica que embalou os primórdios da rede: um ambiente no qual as pessoas poderiam trocar ideias e gerar inovações e bem-estar, sem fronteiras físicas ou temporais. O novo espaço virtual permitiria a conexão de indivíduos em torno de ideias, causas e propósitos. Hoje, o espaço virtual serve de amplificador para toda sorte de pessoas que buscam simplesmente o confronto, o desrespeito, a crítica.
A polarização desmedida dos últimos anos fomentou uma indústria do litígio, que traz custos insuportáveis para toda a sociedade e parece só interessar a quem se alimenta da desavença. Os sites de “reclamação” que resolveram “privatizar” a defesa do consumidor são um bom exemplo. Litigantes profissionais são outro exemplo.
Essa inclinação para a polarização precisa ser controlada. Neste momento em que o Brasil precisa superar enormes desafios, cumprindo uma agenda modernizadora que crie as condições para o crescimento sustentado, é fundamental que as instituições funcionem no sentido de reduzir conflitos. E já que há disposição para reformar, no âmbito das relações de consumo há um ponto que merece reflexão: o decreto dos SACs.
Criado sob uma inspiração elevada, o decreto 6523/08 de 2008, veio para regular o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) oferecido pelas empresas. Diante de um cenário desolador, dentro do qual atendentes e empresas batiam cabeça e não cumpriam requisitos básicos de qualidade, o decreto estipulou obrigações comuns a empresas que operavam sob o monitoramento de agências reguladoras. O foco era o atendimento telefônico. E, por conta disso, empresas viram-se obrigadas a atender chamadas em um minuto, fossem elas um pedido de informação simples ou a revisão de uma cobrança, emitir protocolos e manter sistemas de gravação das conversas, entre outras regras.
Hoje, nove anos depois, percebe-se que essa legislação atua e estimula um desvio de função. Uma empresa pode tranquilamente atender a todos os requisitos do decreto e não satisfazer o consumidor em demanda alguma. Outra, legitimamente interessada em solucionar problemas pode ser multada por atuar em desacordo com as regras. Além do mais, o consumidor hoje é multicanal e conta, por extensão, com muitos canais para obter informações, sugestões e para reclamar quando sente que o seu direito não foi respeitado.
O consumidor evoluiu. A tecnologia evoluiu. As empresas evoluíram. Hoje há muito mais recursos para que a resolutividade exigida pelos consumidores seja atendida. O consumidor que ligava, hoje tecla, emite comandos por voz, desliza o dedo por sites e apps e já se sente confortável com o autosserviço, muitas vezes sem perceber que está sendo atendido. Mas o decreto dos SACs continua impondo obrigações e custos para que as empresas possam atender seus requisitos, focando na quantidade e não na qualidade.
Nossa sociedade está madura para efetuar uma transição do critério quantitativo de avaliação do atendimento para critérios qualitativos. Ter a coragem para reconhecer uma mudança no perfil dos consumidores e o seu amadurecimento, bem como das empresas, é imperativo. Buscar a melhoria geral dos serviços ao consumidor por meio do diálogo, da transparência e da busca incessante por resolutividade é uma contribuição importante nesse processo de reconstrução do País.
Mãos à obra. A mudança não acontece por decreto. Ela se estabelece em linha com a evolução da sociedade