Os avanços na regulamentação de casas de jogos e apostas online, conhecidas como “bets”, já resultaram em mais de 100 solicitações de autorização para funcionamento de empresas de jogos e apostas virtuais ao Ministério da Fazenda. As bets visam o início das operações em 2025. A expectativa é que, com a regulamentação, o mercado de apostas online apresente um robusto crescimento econômico, atraindo investidores e ampliando a arrecadação tributária. Além disso, a ideia é que a regularização das atividades permita maior segurança aos jogadores. Isso porque as operações serão supervisionadas por órgãos competentes. E a promessa é reduzir o risco de fraudes. Mas será que isso realmente acontecerá?
Na visão dos especialistas da Recovery, integrante do Grupo Itaú, o crescimento acelerado desse setor no país levanta preocupações sobre a saúde financeira dos brasileiros. E, por consequência, a potencial elevação da inadimplência em cartões de crédito. Inclusive, Uma pesquisa do próprio Itaú indica que os brasileiros perderam quase R$ 24 bilhões em jogos e apostas online em um ano. Segundo o levantamento, os jogos e apostas podem aumentar o endividamento das famílias brasileiras. Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), a bola de neve das dívidas já alcançou 78,8% em maio. Este foi o terceiro mês consecutivo de alta.
Jogos e apostas: entretenimento ou risco?
“As bets representam uma forma de entretenimento, associada à promessa de lucros rápidos”, alerta Bruno Russo Franco, diretor da Recovery. “Contudo, é fundamental entender que essas plataformas não devem ser encaradas como fonte de investimento. Muito menos como renda adicional. Pelo contrário: fazer apostas envolve um risco elevado de perdas financeiras”.
Em sua visão, os apostadores podem se deixar levar pela emoção de uma possível vitória. Entretanto, é necessário lembrar que, para cada vencedor, milhares de pessoas perdem quantias significativas. “E, sem dúvida, essa realidade contribui para o endividamento, especialmente quando as apostas tornam-se compulsivas. Além disso, estamos avaliando o impacto financeiro dessas apostas, o que ressalta a necessidade de conscientização sobre os riscos envolvidos”.
Por ser um tema recente, o impacto das apostas online ainda será percebido no mercado de cessão de dívidas em atraso – um segmento em que a Recovery opera. No entanto, dado o aperto financeiro dos brasileiros, o dinheiro dispendido de tal maneira pode ser sentido a médio prazo. “As plataformas de apostas frequentemente aceitam cartões de crédito ou PIX como métodos de pagamento. Sendo assim, há uma chance de que o mercado de apostas influencie a inadimplência no país a partir do ano seguinte”, menciona o especialista.
Saúde financeira
Para evitar que essa forma de entretenimento comprometa a saúde financeira das famílias brasileiras, é crucial refletir sobre prioridades e as consequências a longo prazo das decisões dos consumidores. Deixar de pagar dívidas para direcionar dinheiro a apostas pode parecer uma solução rápida ou uma forma de buscar alívio imediato. Contudo, essa abordagem pode não trazer os resultados esperados. Consequentemente, dívidas não resolvidas tendem a se acumular, gerando mais problemas. Entre eles, destaque para os juros e as restrições de crédito, enquanto os jogos de apostas, por serem imprevisíveis, podem agravar a situação financeira.
Em suma, ele destaca que investir em aplicações seguras, consoante o perfil de cada consumidor, continua sendo a melhor estratégia para garantir estabilidade e segurança financeira. “Aqueles que acessam plataformas de apostas com a intenção de lucrar correm o risco real de perder mais do que suas finanças podem suportar. A organização financeira é essencial para manter a saúde financeira em dia. Reorganizar as finanças, quitar dívidas e aplicar o dinheiro em investimentos seguros, adequados ao perfil de cada investidor, é o caminho mais adequado para assegurar estabilidade financeira tanto no presente quanto no futuro”, pontua Bruno.
Vício em jogos e apostas
Por sua vez, a psicóloga especialista em Terapia Comportamental Dialética (DBT), Êdela Nicoletti, destaca: “o vício em apostas é uma doença silenciosa que pode arruinar vidas. É fundamental que as pessoas procurem ajuda antes que seja tarde demais. Precisamos de uma abordagem multifacetada que inclua educação, regulamentação e apoio psicológico para aqueles que já estão viciados”.
Nos últimos cinco anos, 52 milhões de brasileiros se aventuraram nas apostas. Somente em 2024, após a sanção da Lei 14.790/2023, que regulamentou a atividade no Brasil, são esperados 25 milhões de apostadores. Para aprofundar este cenário, uma pesquisa recente realizada pelo Instituto Locomotiva, com 2.060 pessoas, traçou o perfil dos apostadores no país: 53% são homens e 47% mulheres; a maioria está na faixa etária de 30 a 49 anos; oito em cada 10 pertencem às classes C, D e E; e dois em cada 10 pertencem às classes A ou B.
A pesquisa também revelou que 51% dos entrevistados acredita que o jogo aumenta a ansiedade, 27% afirmaram que causa mudanças súbitas de humor, 26% indicaram que gera estresse e 23% mencionaram o sentimento de culpa.
Entre aqueles que realmente fazem apostas online, 60% admitem que isso impacta seu estado emocional, gerando sentimentos negativos como ansiedade (41%), estresse (17%) e culpa (9%). Por outro lado, disseram que a emoção (54%), a felicidade (37%) e o alívio (11%) são consequências positivas. Além disso, 42% relataram que as apostas servem como uma forma de escapar de problemas ou emoções negativas.
Descontrole emocional
Um aspecto relevante da pesquisa foi o descontrole associado às apostas:
- 45% dos entrevistados que apostam online afirmaram que já enfrentaram prejuízos financeiros;
- 37% disseram ter utilizado “dinheiro destinado a outras prioridades para apostar online”;
- 30% afirmaram ter “sofrido prejuízos nas relações pessoais”.
No que tange à situação financeira, constatou-se que 86% dos apostadores possuem dívidas e 64% estão com nome negativado na Serasa. Segundo Êdela Nicoletti, é fundamental estar atento aos sinais de que a atividade de apostar está se tornando um vício. “Um sinal importante é perceber quando começa a ser necessário aumentar o tempo ou o valor apostado para ter uma sensação semelhante à que se tinha no início do uso das apostas. Outro aspecto crucial é a quantidade de ações que a pessoa começa a direcionar para poder apostar. Por fim, a intensidade da resposta emocional relacionada ao comportamento de apostar é um terceiro sinal importante”, alerta o especialista.
Em conclusão, o Governo Federal está em processo de regulamentação das casas de apostas. Nesse ínterim, a meta é que, a partir de janeiro de 2025, apenas empresas que cumprirem todas as exigências legais poderão operar no país.
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