A cidade de Goiana fica a cerca de uma hora e meia, em uma viagem de carro, da capital do Pernambuco, Recife. Durante dois dias, percorremos esse caminho para conhecer de perto a fábrica mais moderna do Grupo FCA (Fiat Chrysler Automotives) no mundo. O terreno de 11 milhões – sim, milhões – de metros quadrados – cerca de 11 km² – possui um viveiro e uma planta de produção extremamente tecnológica que ocupa 530 mil metros quadrados do total.
Começamos a jornada pelo centro de reciclagem da fábrica. Todo o lixo é reaproveitado ou direcionado para fornecedores específicos, segundo o Diretor de Sustentabilidade da FCA para a América Latina, Fernão Silveira. O papelão, plástico e madeira usados nas embalagens de movimentação das peças é separado, prensado e enviado para a reciclagem. Uma iniciativa da marca para diminuir a produção de lixo e atingir a marca de “Aterro Zero”, que denomina empresas que não enviam nenhuma parte de seu lixo para o aterro sanitário.
Após a breve passagem pelo centro de reciclagem, foi hora de conhecer o viveiro da marca, que ocupa o outro lado da rodovia. Segundo os instrutores que nos acompanhavam, “além de carros, eles também fabricam árvores”.
A iniciativa surgiu de uma ideia de jardim que ocuparia parte do terreno da planta. A diretoria queria um jardim com plantas nativas e, neste momento, surgiu a ideia de fazer ainda melhor: integrar a mata atlântica local a espécies da flora que estavam quase extintas.
Nesse processo, mais de 295 espécies de árvores voltaram ao local e a meta é ambiciosa: chegar em 2020 com mais de 200 mil mudas plantadas e, em 10 anos, mais de 304 mil árvores plantadas.
Por lá, vimos de tudo: Jatobás, Paus-Brasil, Paus Ferro e outras espécies nativas da região norte da mata atlântica. A Coordenadora de Sustentabilidade para a América Latina da FCA, Luciana Costa, diz que essa é uma iniciativa para “fazer parte do meio”.
O viveiro gigante foi fruto de um estudo que envolveu universidades federais e institutos de pesquisa. Segundo a marca, o trabalho desenvolvido focou em descobrir quais espécies eram nativas e quais podiam ser trazidas para o local que, originalmente, era uma região de plantação de cana-de-açúcar.
Hoje, é possível ver que espécies da fauna voltaram ao local, como filhotes de jaquatirica, que são monitoradas pela empresa.
Além de ligar, via corredores de árvores os remanescentes de mata-atlântica à área em recuperação, o viveiro usa água da chuva para irrigação. No total, a área ocupada pela produção de mudas tem 1 hectare. Após o crescimento ideal, a muda é plantada nos entornos da fábrica ou em trechos que precisam recuperar parte do verde que já foi perdido.
O terreno gigantesco da marca na cidade torna preciso a locomoção via ônibus, vans ou carrinhos automotivos para transitar entre um ponto e outro. Após tomar outro ônibus chegamos às gigantes usinas de tratamento de água.
Jeep utiliza a mesma água desde 2015
Bom, essa é uma história e tanto. A Jeep construiu três usinas gigantescas de tratamento de água em seu espaço. Dois dos tanques tratam a água remanescente dos processos de montagem e o outro é responsável pelo tratamento da água com resíduos orgânicos. Após isso, toda a água purificada é unificada e utilizada novamente no processo industrial em um ciclo que já dura quatro anos. Nenhuma outra coleta advinda de afluentes naturais foi feita. Um dos benefícios é a economia, mais de R$ 270 mil por mês.
O processo inclui um esforço da marca para desenvolver tintas sem uso de solvente. Sendo à base de água, a economia é muito maior pois possibilita o reaproveitamento líquido via purificação. Para isso, aprendemos que foi preciso investir nos outros ingredientes, para que então a qualidade da pintura dos carros não fosse afetada. A pintura hoje também é primerless, não possui um produto de camada preparatória, o que economiza ainda mais água e energia.
No processo, apenas 0,5% da água utilizada na planta é perdida em processos naturais como a evaporação.
Outro esforço que visa a economia é a iluminação. Durante o caminho fomos apresentados a diversos corredores e salas que vivem de luz natural e não necessitam de lâmpadas durante o dia. Diversas claraboias iluminam o ambiente. O sol, aliás, também é fonte de energia por lá. O que segundo a equipe se trata de um passo inteligente, ainda mais, em um território árido.
Mas o gol da Jeep é o investimento em educação. O Projeto Rota do Saber é o responsável por capacitar mais de 250 mil escolas públicas da região. No total, são mais de 30 mil alunos nordestinos beneficiados com a melhoria do ensino. Um teste na região de Garaçu provou que a escola que serviu de teste para o projeto, segundo o IDEB, apresentou uma melhoria de 47% no desenvolvimento educacional, em um período de 4 anos, de 2013 a 2017.
No dia seguinte foi lançado o projeto “Vozes Daqui”, outra iniciativa educativa da marca para aprimorar o ensino local. Durante a recepção, alunos, professores e pais receberam destaque. Um painel sobre educação levou especialistas para um papo aberto. Um Jeep Renegade branco estava repleto de assinaturas das crianças. Esses que, possivelmente no futuro, serão funcionários da planta localizada em Goiana.
“Acreditamos que educação é fator decisivo para a promoção de igualdade social e trabalhar para o aprimoramento da educação pública em Goiana tem sido uma de nossas missões sociais desde a inauguração do Polo Automotivo Jeep há quatro anos. Com o Vozes Daqui queremos promover um ambiente harmonioso para valorizar e aumentar o interesse dos jovens pela escola e pelo aprendizado”, afirma Fernão Silveira, Diretor de Comunicação e Sustentabilidade da FCA para América Latina.
A fábrica cheia de robôs que parecem ter saído de um filme de ficção científica, com suas motrizes sustentáveis, nos levantou a dúvida sobre a razão de tanto investimento em um processo ecológico e social. Confira a entrevista com Fernão Silveira:
CONSUMIDOR MODERNO: Pudemos acompanhar, durante dois dias, todos os esforços em sustentabilidade apresentados nesta planta. Falamos de um dos produtos que, talvez, seja um dos maiores poluentes das cidades, os carros. Isso ainda será estendido ao desenvolvimento do produto?
FERNÃO SILVEIRA: Me permita discordar sobre o fator de poluição dos carros. Nossas tecnologias já permitem o desenvolvimento de automóveis que ultrapassam as recomendações ambientais vigentes. É claro que as cidades estão cada vez mais cheias de automóveis. Mesmos veículos a Diesel, que emitem um pouco mais, permitem a economia de combustível. Quando falamos sobre a nossa fábrica, ela já foi desenvolvida para ser um ambiente sustentável. Já fazemos isso – sustentabilidade integrada ao produto – agora consideramos o que pode melhorar com o manejo dos recursos naturais e o trato com a comunidade local que integra nossa estratégia de negócios.
CM – Como a FCA se situa em um mercado que conta com aplicativos de carona, em que o carro é considerado cada vez mais como uma ferramenta de trabalho?
F.S – A mobilidade, especialmente em centros urbanos, está em revolução, talvez seja a revolução mais visível dos últimos 50 anos. Em qualquer política de mobilidade urbana de qualidade é importante considerar o fator multimodal e o carro é um dos modais importantes. Isso, na minha opinião, diversifica nossa carteira de negócios. Isso traz consumidores em modelos e plataformas diferentes. A indústria inteira está a aprender com isso. Vemos isso de uma forma positiva. Temos carros fantásticos, por isso é importante oferecer um portfólio de veículos que emitam menos poluição e sejam mais sustentáveis.
CM – Você acha que essa abordagem sustentável é um fator de aproximação para o público mais jovem?
FS – Sim, pesquisas mostram que por um lado, além dos jovens consumirem menos carros, essa diminuição se encontra no poder aquisitivo e não no desejo, interesse ou relevância do produto. Sem dúvidas, também, a nova geração está mais atenta aos aspectos de responsabilidade social e como essa empresa cultiva sua visão corporativa. Mas não é porque o consumidor está observando, consideramos essa observação importante, mas fazemos tudo isso por achar que é o certo.
CM – A Jeep pretende expandir ainda mais seus projetos sustentáveis para além dos locais com presença fabril?
FS – Com certeza nós temos uma presença muito forte em São Paulo com escritórios comerciais e também no resto do Brasil. Sempre estamos em contato com entidades e agentes do governo que possam nos ajudar nisso. Mas nosso foco está no nosso polo fabril, que inclui a cidade de Goiana em Pernambuco, Betim em Minas Gerais e nossa fábrica de motores que fica no Paraná. Nossa “pegada” junto a comunidade local é muito maior.
CM – Como o cliente da Jeep pode integrar-se a esses projetos sustentáveis?
FS – Procuramos sempre ligar esses pontos. Por exemplo, o Projeto Tamar, que é um projeto de preservação das tartarugas marinhas. Nosso litoral é muito propício para isso. Por isso desenvolvemos vários programas com os clientes, assim como o Jeep Nation, que convoca os clientes assíduos a conviverem mais com a natureza. Com isso, eles podem visitar a sede do Tamar, assistir desovas e outras iniciativas em relação a preservação.