Quem é do eixo Rio de Janeiro–São Paulo, mais especificamente do eixo Leblon–Av. Faria Lima, já deve ter ouvido a frase “skin in the game”, termo popular no mercado financeiro que se consagrou no livro do escritor Nassim Taleb com o mesmo título em inglês – em terras brasileiras, foi nomeado como “Arriscando a própria pele”. Esse termo ficou bastante conhecido por uma postura dos gestores de fundos a agentes do mercado que colocam seu capital também na formação dos seus fundos, ou seja, dividindo o risco com os investidores.
E, agora, parece que chegou a vez dos influenciadores financeiros arriscarem, de forma literal, sua “pele” e sua “reputação” no jogo de dar informações e dicas sobre investimentos. Pelo menos é o que pretende uma possível regulamentação debatida pelos órgãos competentes.
O que é a regulamentação?
Em abril deste ano, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou um estudo executado pela Assessoria de Análise Econômica e Gestão de Riscos (ASA) que investigou o custo-benefício de estabelecer uma regulamentação para ampliar a transparência nas relações comerciais entre os FInfluencers (nomenclatura usada pelo órgão) e as empresas que fazem parte do mercado de valores mobiliários.
O estudo deixa claro que existe uma preocupação dos agentes reguladores com a falta de transparência dos vínculos comerciais que esses influenciadores digitais possuem e, por vezes, uma baixa capacidade técnica para emitir opiniões sobre aplicação em produtos financeiros, colocando em risco o capital dos seguidores que aderem as suas recomendações. Com isso, os órgãos competentes começam a traçar caminhos para ajustar a relação, nem sempre clara, entre as empresas do mercado de valores mobiliários e os criadores de conteúdo financeiro.
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O influenciador guru de investimentos
Essa preocupação dos reguladores não é à toa. De 2019 a 2022, o número de investidores em bolsa saltou de 700 mil para mais de 4,5 milhões, ou seja, realmente um crescimento surpreendente. Além disso, um estudo feito pela B3, em 2020, chamado “a descoberta da bolsa pelo investidor brasileiro”, traz dois importantes dados que mostram o peso do influenciador digital na tomada de decisão do investidor. Em primeiro lugar, 73% dos respondentes do estudo afirmam que aprenderam a investir através de canais no YouTube e influenciadores digitais e, em segundo, 60% afirmam usar canais de influenciadores para se informar sobre investimento.
Desta forma, fica claro que mesmo que o mercado, os órgãos reguladores e demais agentes possam produzir conteúdo de educação financeira focado em dar informação relevante para os interessados em alocar seus recursos, a maior massa de audiência está conectada aos canais do YouTube e influenciadores. O próprio investidor já elegeu o canal do influenciador digital como seu canal de consumo de informação e agora o esforço é realmente para fazer com que esses FInfluencers estabeleçam relações mais responsáveis e transparentes com suas audiências.
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Um outro ponto a ser levado em consideração, na hora de ponderar uma possível regulamentação, é a forma como um influenciador financeiro estabelece seu vínculo com uma marca ou empresa do segmento financeiro. No último relatório feito pela Anbima sobre os FInfluencers relata que cerca de 23% dos criadores de conteúdo mapeados tinham contratos vigentes com alguma instituição do mercado financeiro. Estamos falando de um universo de mais de 30 players entre bancos tradicionais, plataformas de investimento, corretoras e startups que atuam com o mercado de investimento em cripto moedas.
Os contratos não são celebrados somente para ações pontuais, onde muitas vezes o discurso que temos nos canais dos influenciadores é permeado por dicas sobre como e de que maneira investir. Esses materiais, com certa recorrência, são publicados sem qualquer comunicação de informe publicitário, o que torna tudo muito preocupante. O investidor não tem como saber se há, dentro daquele conteúdo compartilhado, apenas as ideias do influenciador ou se existe uma parceria paga de longo prazo em curso, para que aquela mensagem seja disseminada. Isso torna o influenciador um agente do mercado contratado por uma empresa para divulgar algo, mas que não recebe o ônus quando o investimento, que ele sugeriu ao investidor, naufraga.
A regulamentação na França e o que pode estar por vir
Ainda é cedo para concluir que o estudo da CVM irá se tornar uma regulamentação em vigor, porém há fortes indícios de que o mercado se beneficiaria de alguma medida que dê mais transparência às relações. Isso ajudaria todo o ecossistema a calibrar melhor suas parcerias, dando mais responsabilidade a influenciadores e marcas na hora de celebrar contratos, e maior transparência ao investidor quando ele estiver consumindo uma dica de investimento.
No último dia 1º de junho, a França aprovou uma lei que regulamenta a atividade de influência digital no país. Os criadores de conteúdo ficam proibidos de fazer quaisquer propagandas de produtos que envolvam riscos financeiros e de saúde aos seguidores. Com isso, o mercado de investimento acabou entrando nesse arranjo. As multas podem chegar até a 300 mil euros ou pena de prisão de até 2 anos, o que pode colocar um fim ao mercado de influenciadores financeiros que são focados em investimentos no país.
Faça o que mando e faça o que eu faço
O mercado financeiro se tornou um movimento cultural impulsionado pelas redes sociais nos últimos anos. Nunca vimos tantas páginas de memes, capas de revista celebrando o estilo de vida de gestores de fundos da Av. Faria Lima e, claro, uma expansão de empresas e de influenciadores que ampliaram o debate sobre investimento e o acesso a produtos mais arrojados para o investidor. Como citado acima, nunca teve tanta gente investindo em bolsa no país.
Talvez tenha chegado a hora de colocar mais o mantra “skin in the game” para acontecer, construindo uma relação mais transparente na comunicação com o investidor, tanto para as empresas, quanto para os influenciadores digitais. Implementar medidas regulatórias, como a que estuda a CVM, pode ser uma ótima oportunidade de dividir quem está fazendo um trabalho sério e cauteloso dos aventureiros do mercado. É importante sempre lembrar que o principal lema do mercado financeiro de capitais ainda é o retorno a longo prazo e a relação deve ser construída no caminho.
*Cássio Martinez é publicitário e COO da VOR – Inteligência Coletiva, especialista em Inteligência de Marketing e Big Data e em Semiótica Psicanalítica. Atualmente pesquisador do PPGCOM da ESPM comunicação e consumo. Suas pesquisas tratam da relação entre comunicação, consumo e as chamadas “Plataformas Digitais” na contemporaneidade.
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