Segundo dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI), desde o ano passado quase 80% das famílias brasileiras apresentam algum grau de inadimplência, ou seja, deixaram de pagar dívidas que possuíam. Esses patamares são recordes históricos, e com a taxa-base de juros da economia ao redor dos 13%, fazem com que a renda média disponível para consumo seja muito baixa.
No passado, para quem viveu o fim da década de 80 e o início dos anos 90, a inflação tirava o sono de muitos brasileiros. Ou você fazia sua compra de itens básicos no mesmo dia em que recebia o seu salário, ou convivia com o desafio de pagar um valor diferente para cada produto nos próximos dias de compra.
Até que não vivemos hoje com um cenário tão radical assim, mas o aumento contínuo dos preços há meses tem incomodado grande parte da população brasileira e setores que hoje estão na linha de frente do varejo brasileiro, como o e-commerce.
Fernando Moulin, partner da Sponsorb, professor e especialista em negócios, transformação digital e experiência do cliente, é quem nos alerta para esse recorte sobre o impacto de inflação e juros altos continuados no e-commerce brasileiro. “O problema é que, dessa vez, a inflação está ameaçando um setor que conseguia crescer mesmo diante de um cenário macroeconômico adverso, que incluiu pandemia, guerra na Rússia e Ucrânia e instabilidades econômicas internas dos mais variados tipos ao longo da última década”, reflete Moulin.
Moulin percebe que, em 2022, as vendas do e-commerce, em média, foram estáveis em relação aos patamares de 2021. E 2023, até o momento, vem tendo desempenho similar. Entretanto, esse aumento repentino nos valores de produtos e serviços impacta no varejo como um todo – ecossistema do qual o e-commerce também faz parte. “Não é preciso ser um expert em economia para perceber que a conta não fecha. A inflação impactou no consumo das classes B, C e D, justamente os grupos que puxaram o acelerado crescimento do e-commerce nos últimos anos”, diz Moulin.
Essa alta dos preços, segundo o especialista, consequentemente exige mais das empresas que atuam digitalmente. “A necessidade de personalização da experiência e o aumento da perspectiva de valor em seus produtos e serviços são itens mais do que obrigatórios a partir de agora. Afinal, quando tudo está caro, é preciso mostrar ao consumidor que os preços compensam porque há qualidade – principalmente de serviço”, pontua Moulin.
“O comércio eletrônico precisa aproveitar o cenário de transformação digital para minimizar os impactos nas lojas virtuais e garantir a competitividade dessas operações como um todo”
O desafio está em ser mais criativo e inovador
Mas a conta para chegar a isso não vai ser fácil, segundo Moulin. A inflação não aumenta os preços apenas para o consumidor, mas para o próprio varejista. “Os insumos também estão mais caros e outros fatores também impactam no desempenho, como o preço dos combustíveis, que naturalmente eleva o frete, e as questões tributárias – tão necessárias de solução, mas ainda em discussão no âmbito das negociações da reforma tributária no Congresso Federal”, frisa.
“Não é possível ao varejista repassar todos esses gastos para seus clientes, mas também não dá para comprimir a margem de lucro para não correr riscos na operação. Quem for mais criativo e inovador certamente vai conseguir se destacar”, destaca Moulin.
Sem dúvida, a alta da inflação é um problema grave para o desenvolvimento econômico de qualquer país ou setor. No caso do varejo, Moulin entende que sua influência é ainda mais “gritante” por lidar justamente com o poder de compra dos consumidores. “O comércio eletrônico precisa aproveitar o cenário de transformação digital para minimizar os impactos nas lojas virtuais e garantir a competitividade dessas operações como um todo”, alerta Moulin.
Com a proximidade das festas de final de ano, bem como a perspectiva de melhora (mesmo que leve) nos indicadores macroeconômicos do país, Moulin avalia que isso poderá trazer novidades positivas neste final de ano para o e-commerce brasileiro. “Mas ainda é tempo de equilíbrio e muito foco em excelência operacional, para que as vendas ocorram de forma saudável e sustentável, pensando em uma perspectiva de longo prazo”, diz.
“Entendo que essa crise servirá mais uma vez para fortalecer as empresas com fundamentos mais sólidos, e deixará resultados muito positivos para quem estiver aproveitando a oportunidade para implementar melhores práticas de gestão financeira e inovações voltadas à excelência na gestão do relacionamento com o cliente”, conclui Moulin.