Com um dos maiores programas de fidelidade do mundo – o Le Club AccorHotels –, a digitalização de processos e a aquisição de startups, Maud Bailly, Chief Digital Officer do Grupo, garante que vem conseguindo entregar experiência e personalização. Ex-chefe de departamento econômico do então ministro francês do Interior Manuel Vall, ela assumiu, em 2017, o cargo de líder de transformação digital da Accor. Desde então, vem enfrentando a missão de entregar o que os hóspedes desejam sem invadir a sua privacidade.
CONSUMIDOR MODERNO: COMO ENXERGA A TRANSFORMAÇÃO DIGITAL NO SETOR HOTELEIRO?
Maud Bailly: A nossa indústria, como você sabe, não é uma indústria nativa digital. Apesar disso, é bastante digitalizada. Novas soluções de pagamento e a própria inteligência artificial, o blockchain e o reconhecimento facial estão nos impactando constantemente. Então, meu papel como CDO é cuidar de todos os dados, seja do nosso programa de fidelidade, seja das nossas redes sociais. Não nascemos digitais, mas, em vez de enxergar esse choque como algo negativo, vemos isso como uma oportunidade. Então, minha missão é tornar a nossa empresa digital ao mesmo tempo em que nos atemos ao nosso core business: as pessoas.
CM: VOCÊS JÁ COGITARAM SUBSTITUIR PESSOAS POR ROBÔS NOS HOTÉIS COMO JÁ ACONTECE NO JAPÃO?
MB: Esses dias mesmo me fizeram esta pergunta. Não quero fazer isso. Eu quero usar o digital como um meio para alavancar o relacionamento, pois no centro do nosso negócio estão as pessoas, a emoção, a experiência. Eu precisarei sempre de pessoas para dar as boas-vindas, mas vou usar a inteligência artificial para reduzir os atritos da jornada do nosso hóspede. Quero conhecê-lo melhor para servi-lo melhor.
CM: E QUAIS SÃO AS MAIORES BARREIRAS PARA ESSA TRANSFORMAÇÃO DIGITAL?
MB: Mudamos a nossa mentalidade e passamos a nos ver como um provedor de serviços. Mas migrar nossa solução de dados ou alterar nossa arquitetura de IP é fácil. O difícil é ajudar as equipes a abraçarem a velocidade que o digital exige. Estamos aprendendo a falhar rápido para ter sucesso rápido. E essa é uma mudança de mentalidade. Porque a transformação digital é consolidação, diversificação e aceleração. Por isso, meu papel como CDO é mostrar, sim, o papel da tecnologia, mas também gerir a equipe que está no coração dessa missão.
CM: COMO ESSA TRANSFORMAÇÃO É PERCEBIDA PELOS HÓSPEDES?
MB: Queremos fazer com que eles se sintam especiais. E uma das formas é fazer com que eles se sintam reconhecidos. Eu adoraria servir o seu chá preferido ou oferecer a você uma aula de ioga às 10 horas da manhã de acordo com suas preferências. Portanto, a questão é: me diga o que você gosta e nós usaremos os dados para realizar isso.
CM: O QUE MAIS VOCÊS SABEM SOBRE OS SEUS CLIENTES?
MB: No começo do ano passado, lançamos uma ferramenta chamada A.C.D.C (AccorHotels Customer Digital Card), que é um bom exemplo do que a digitalização pode fazer. Ela cria um banco de dados global de informações e preferências dos nossos hóspedes. A questão é o que fazer com eles, porque uma coisa é certa: não fazemos coisas estúpidas com os dados, pois respeitamos nossos clientes e a sua privacidade. Não podemos saber nada sobre você que você não queira; sem que esteja ciente. Por isso, estou otimista em relação ao Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (GDPR).
CM: A ACCOR ESTÁ PREPARADA PARA AS NOVAS REGRAS QUE REGEM A PROTEÇÃO DE DADOS NA EUROPA E QUE, EM BREVE, ENTRARÃO EM VIGOR NO BRASIL?
MB: Sim porque ela traz um equilíbrio entre “Estou dividindo minhas informações pessoais com você, mas você tem que me respeitar”. Chamo isso de personalização responsável. Então, com o A.C.D.C em 3.600 hotéis pelo mundo, não importa se você está viajando para Nova Déli, São Paulo, Santiago ou Singapura. Eu poderei reconhecê-lo, seja no Pullman, seja no Ibis, e poderei personalizar a sua estadia de acordo com as suas preferências.
CM: QUE TIPO DE PERSONALIZAÇÃO PODEM OFERECER?
MB: Consigo saber como gosta do seu quarto, qual o seu andar de preferência e até se você teve um bebê nos últimos meses. E, se isso acontecer, posso preparar seu quarto com mimos como uma banheira com alguns brinquedos. Consigo saber também se você ama nadar e posso deixar pés de pato em seu quarto. Uma pesquisa recente mostra que 84% das pessoas que viajam a negócios aceitariam dividir seus dados pessoais em troca de uma experiência personalizada no hotel. E os dados são uma mina de ouro. Mas é preciso saber usá-los com responsabilidade.
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CM: COMO VOCÊS ENXERGAM EMPRESAS DISRUPTIVAS COMO O AIRBNB?
MB: Há alguns anos, o Airbnb era, sem dúvida, um jeito de reimaginar a hospedagem. Eu não quero ficar em apenas um quarto de 25 metros quadrados. Eu busco mais conexão com os anfitriões, com as pessoas e com novas experiências. Isso nos forçou a reconsiderar o DNA da hospitalidade. Mudamos de um modelo racional, funcional e transacional para um programa com mais experiência e emoção. Você sabe que, recentemente, compramos a Onefinestay, uma startup que aluga casas e vilas luxuosas em lugares incríveis para que os hóspedes aproveitem sua estadia com conforto e com o suporte de uma equipe de atendimento 24 horas por dia. Portanto, o Airbnb nos fez repensar em experiências mais autênticas, mas, ao mesmo tempo, acredito que ele possa desapontar por nem sempre ser tão bom quanto o esperado. Além disso, é menos seguro do que um hotel e o usuário corre riscos como o de chegar para pegar as chaves e o anfitrião não estar lá. Por isso, não acredito que o Airbnb vá destruir a indústria hoteleira.
CM: FORAM MAIS DE 12 AQUISIÇÕES DE STARTUPS DESDE 2016. A ACCOR SEGUIRÁ INVESTINDO EM EMPRESAS DISRUPTIVAS?
MB: Sim. Estamos diante de um ecossistema composto por três pilares: marcas de hotéis com um portfólio diversificado, parcerias (especialmente em transporte) e, por fim, novos negócios. A compra da Jean Paul, líder em serviço de concierge, e da ResDiary, startup de reserva de restaurantes, são ótimos exemplos de empresas que estão nos ajudando a alavancar esse ecossistema. No nosso departamento de produtos e inovação, pensamos o tempo todo em soluções para pagamentos, blockchain, chatbots… tudo o que possa fazer com que a gente se antecipe às necessidades dos hóspedes. Neste momento, estamos testando um app de serviço de quarto.
CM: COMO ENXERGA O FUTURO DO SETOR HOTELEIRO?
MB: Ao mesmo tempo em que as pessoas querem se sentir únicas, temos que oferecer personalização até um certo ponto. Vejo, portanto, um futuro com personalizações mais responsáveis. Ao mesmo tempo, defendo um outro paradoxo: o da desintoxicação digital. Da volta de hotéis básicos, sem Wi-Fi, sem robôs. Sei que é estranho dizer isso, pois sou da área de tecnologia e ela é um meio incrível para alavancar o setor, mas é preciso encontrar um equilíbrio.
* A jornalista viajou a convite da Accor1
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