A digitalização trouxe ferramentas práticas e convenientes para investir de forma independente, o que possibilitou acesso ao mundo de investimentos para milhões de consumidores. Aplicativos intuitivos, conteúdos educativos e custos reduzidos são alguns dos fatores que democratizaram o universo dos investimentos. Porém, apesar desses avanços, o desafio da inclusão racial ainda persiste.
Segundo a 6ª edição do Raio X do Investidor de 2023, liderada pela ANBIMA (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais), a disparidade no acesso a investimentos é grande, enquanto 42,5% da população branca possui algum tipo de aplicação financeiro, esse número cai para 35,5% entre a população negra.
Essa diferença mostra desigualdades estruturais, históricas e sobretudo apontam para questões específicas do mercado de investimentos. “Esse dado revela uma diferença bastante significativa na inclusão financeira e destaca a necessidade de ações que ampliem o acesso de pessoas negras aos mais variados tipos de investimentos, melhorando sua participação nos ganhos e na segurança financeira, o que é direito de todos”, explica João Victorino, administrador de empresas, professor de MBA do Ibmec e educador financeiro.
Mudar essa realidade desafiadora é urgente para um país de renda média como o Brasil. E a inclusão de pessoas negras ao sistema financeiro pode ser a chave para uma mudança econômica. É o que revela o estudo “Characterizing the Afro-Brazilian Digital Inclusion Gap and Assessing Investment Opportunities”, encomendado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e conduzido pela DIMA Consultoria. A pesquisa indica que conectar os 29 milhões de afro-brasileiros atualmente sem acesso à internet poderia resultar em um aumento de R$360 milhões na renda anual dessa população.
Um futuro de esperança e inclusão
Luana Ozemela, fundadora e conselheira da DIMA Consultoria e Vice-Presidente de Impacto e Sustentabilidade do iFood, acredita que é preciso ter um olhar estratégico voltado para a contribuição da equidade digital. “Investidores devem canalizar recursos para setores com grande potencial de digitalização que impactem diretamente a vida da população afro-brasileira”.
Outro caminho levantado na pesquisa é a importância da alfabetização digital, com investimentos em treinamento técnico e certificações para afro-brasileiros. Segundo o estudo, o apoio à adoção de tecnologias digitais por empresas afro-brasileiras e a oferta de suporte especializado para funcionários de instituições financeiras também são medidas importantes para garantir que esses profissionais possam orientar e apoiar os usuários finais.
“O apoio à adoção de tecnologias digitais por empresas afro-brasileiras é crucial porque essas empresas são essenciais para o fortalecimento econômico e social de suas comunidades. Quando equipadas com as ferramentas e o conhecimento necessário, elas podem não apenas prosperar no ambiente digital, mas também servir como catalisadoras para a inclusão digital de outras empresas e indivíduos”, explica Ozemela.
Além disso, Ozemela ressalta que o potencial transformador da inclusão digital impulsionou o lançamento de uma nova turma do programa iFood Acredita na Favela, que tem como foco inicial a inclusão e o letramento digital. “Acreditamos que é por este caminho que se deve começar qualquer esforço de empreendedorismo, pois a inclusão digital é o alicerce que possibilita o acesso a oportunidades e o crescimento sustentável nas comunidades vulneráveis”, explica.
Os desafios da economia da escassez
A educação financeira emerge como um pilar fundamental para enfrentar os desafios da economia da escassez, e os influenciadores digitais exercem um papel importante como principal meio de busca de informações para decidir o melhor produto financeiro para aplicar seus recursos, principalmente entre a Geração Z. Ainda de acordo com o recorte da pesquisa da ANBIMA, a educação financeira é o maior motivador da classe D/E para acompanhar os influenciadores digitais. Segundo os dados, é com eles que as pessoas dessa classe acreditam que vão aprender e receber dicas sobre os tipos de produtos financeiros.
“O que precisamos é de educação financeira sólida. Não adianta disponibilizar bilhões de reais em crédito se essas pessoas não tiverem acesso ao conhecimento necessário para gerenciá-lo. Assim como aprendemos sobre o mapa do Brasil ou os símbolos da bandeira, devemos entender como funciona a economia e o que significa juros compostos”, defende AD Junior comunicador, influencer e apresentador reconhecido como uma das 100 pessoas de ascendência africana mais influentes do mundo pelo MIPAD. “Portanto, é necessário transformar tudo o que a gente vive em conteúdo educacional para que as pessoas possam se planejar e pensar o futuro de forma organizada”.
O número de pessoas pretas com acesso ao ensino superior aumentou nos últimos anos. Milhares de jovens das periferias ingressaram em universidades, ampliando suas perspectivas e visões sobre o Brasil. “O Brasil é um país em que as pessoas começaram a entender melhor sobre finanças depois que se começou a emponderar um grupo de pessoas que não estava incluída em outras pautas, então no início dos anos 2000 com milhões de pessoas nas universidades, começou uma narrativa sobre inclusão”, reflete AD Junior.
Educação financeira é chave
Ainda que o país colecione avanços como o acesso de negros a universidades, programas de diversidade e inclusão nas empresas e o aumento da bancarização às pessoas negras, o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer para alcançar uma inclusão financeira sustentável e que sirva de modelo para outros países. Na visão dos especialistas, políticas públicas, inovação no setor financeiro e, acima de tudo, educação serão os pilares para garantir que milhões de brasileiros tenham acesso a oportunidades reais de crescimento e estabilidade.
Enquanto isso, o desafio continua. AD Junior colocou no ar, em julho deste ano, seu projeto, o Super Finanças, plataforma que reúne conteúdos econômicos de linguagem fácil e didática para que os consumidores entendam cada vez mais sobre finanças. “Sempre tive o desejo de comunicar sobre dinheiro de forma simples, acessível. Meu objetivo era que qualquer pessoa, como minha mãe ou minha avó, entendesse. Até hoje, gosto de abordar as finanças de um jeito descomplicado, especialmente porque vejo como esse tema afeta diretamente as pessoas”, explica.
O empresário explica que muitas pessoas buscam a plataforma para entender coisas simples, como o Bolsa Família, ou até conceitos mais complexos, como o que é o Copom. “Queremos falar com todo o mundo, trazendo perspectivas diversas, inclusive de mulheres indígenas e outras vozes periféricas. O objetivo é fazer dessa iniciativa uma conversa diária, acessível e transformadora”, finaliza.