“A Inteligência Artificial vai nos transformar de criadores e respondentes em curadores e questionadores”. Esse foi um dos insights da palestra muito, muito aguardada (e bastante provocativa) de Peter Deng, Vice-Presidente de produto do consumidor da OpenAI e Head do ChatGPT, no SXSW 2024. Uma apresentação densa, vibrante e que explorou o papel dos humanos na era da inteligência artificial. Quais são as implicações práticas e filosóficas da IA? Como ela mudará nossa percepção de nós mesmos? E estamos todos destinados a nos tornar engenheiros de prompts ou artistas felizes desempregados?
Essas foram algumas questões que Deng procurou responder (e trazer novas perguntas) a partir de sua trajetória de líder de produtos no Instagram, na Uber e na Airtable. Deng tem a missão de tornar a Inteligência Artificial mais acessível, simples de usar e realmente capaz de beneficiar qualquer pessoa. Segundo o executivo, “ainda estamos mexendo na superfície de uma nova era na qual o desenvolvimento das capacidades humanas será potencializado com a IA”.
Pai de 4 filhos, Peter Deng conversou com Josh Constine, investidor em consumo na SignalFire e ex-editor do TechCrunch.
O impacto da IA Generativa
Qual é o papel da humanidade depois da IA? Há muita coisa que essa tecnologia pode fazer por nós, inclusive resgatar muito da nossa humanidade. Segundo Deng, resgatar nosso espírito criança, a curiosidade natural que vamos perdendo quando os tornamos adultos. O executivo diz que seus filhos fazem muitas perguntas o tempo todo, e com a Inteligência Artificial agora, é possível que as crianças possam ter respostas mais abrangentes sobre Shakespeare e seu impacto na literatura global, sua influência na cultura moderna e assim por diante.
É hora de irmos adiante como seres humanos, temos de evoluir nossas habilidades, sermos mais questionadores e termos a capacidade de enquadrar problemas reais e não imaginários ou vinculados a vieses. Podemos nos exigir mais com o apoio da Inteligência Artificial. Porque com as IAs podemos entender melhor sobre que falamos e até mesmo buscar novas explicações para as perguntas clássicas: “de onde viemos, para onde vamos, o que estamos fazendo aqui?”
O ChatGPT faz a vida mais fácil
Para Deng, sim, com a IA podemos explorar mais profundamente problemas complexos e processar melhor uma quantidade de informação impensável. O ChatGPT é pensado para estabelecer conversas que estimulem as pessoas a aprofundar seu conhecimento e a estimular sua curiosidade. “Enquanto meus colegas de trabalho estão dormindo, minha família está dormindo, meus amigos estão dormindo, o ChatGPT está acordado para me ajudar com questões diversas”, afirma o executivo. O ChatGPT é “plástico”, pode ser utilizado de diversas formas e para diversos propósitos.
Por que Deng escolheu trabalhar com uma atividade tão complexa e espinhosa? Com passagens pelo Google, pela Meta e pelo Uber, qual desafio motivou Deng a trabalhar com a Open AI? “Mas eu acho que é um trabalho realmente importante… quero tirar a fricção das coisas que as pessoas fazem no dia a dia, quero remover obstáculos, ajudar as pessoas a ter conhecimento compacto, rápido e inspirar o máximo de gente a evoluir”, explica o Head do ChatGPT.
As empresas ficarão menores e teremos mais empresas
O ChatGPT e a Inteligência Artificial estão em sintonia com o pensamento de gerações mais jovens que são resistentes às grandes empresas. Há uma possibilidade real de que o uso intenso de IA reduza o tamanho das empresas, ajude empresas menores a fazer mais, às pessoas mais simples fazerem mais. É provável que tenhamos mais empresas, com mais atividades sendo desenvolvidas, com mais ideias sendo exploradas. Essa visão de Peter Deng é original, cheia de otimismo e ainda precisará passar pelo teste do tempo e das ambições humanas, as positivas e as negativas, mas não deixa de sinalizar uma forma de pensar que orienta o Vale do Silício há décadas: tornar a humanidade melhor a partir da tecnologia.
IA a serviço da democracia e do universalismo
Ao contrário da visão catastrófica associada à IA, desinformação, fake news e manipulação, Deng vê a IA como uma ferramenta a serviço do bem. “Reunindo informações úteis, mas também inspiradoras e melhorando ainda mais, refutando as minhas próprias limitações quando elas dizem que ‘não consigo realmente fazer isso’ e dando a esperança de que não repetiremosos erros do passado. Não basta apenas pegar todos os dados humanos que estão na internet e usá-los para treinamento e perpetuar estereótipos e preconceitos, e um senso de responsabilidade para que a IA queira cuidar de nós como humanos, de nossa sociedade como um todo”, defende Peter Deng.
O Doutor ChatGPT
Com todos os cuidados éticos, o fato é que a Inteligência Artificial pode ajudar nos diagnósticos e no bem-estar das pessoas. Pode ajudar a escalar informação e permitir diagnósticos mais precisos, tratamentos mais inovadores, difundir políticas de bem-estar.. sim, muitas pessoas poderão ser encorajadas a procurar tratamento médico efetivo ao dialogar com o ChatGPT sobre algo que estão sentindo.
Entender todas as aplicações da IA, todas as possibilidades, usos, curiosidades, experimentações e testes para os quais podemos dar vazão, está, mais do que nunca, ao nosso alcance. Potencializar nossas habilidades criativas, com relação imagens, textos, artes, negócios é agora uma realidade.
Regulação ou novas normas sociais?
Josh Constine manifestou sua preocupação acerca das implicações morais da IA em nossa vida, particularmente na política. Mas a questão passa antes pela revisão de normas sociais. Por que? Temos condições de regular IA a partir das normas sociais vigentes? Não seria importante, decisivo, compreender e estabelecer um novo conjunto de normas e convívios sociais, princípios que façam sentido para a realidade complexa atual para que, então, possam ser adaptados para uma regulação que não abandone o universalismo e que levou a sociedade a evoluir e a vislumbrar ideias civilizatórios?
Exatamente por isso que o ChatGPT sempre terá sua versão gratuita, pois os benefícios da tecnologia devem ser acessíveis a todos, dentro da missão da Open AI. Novamente, estamos diante de um olhar otimista, quase utópico, mas que espelha uma fase de transição entre duas fases da história humana. Essa nova fase, com a presença indelével da Inteligência Artificial em nossas vidas, tem força suficiente para trazer, fazer aflorar o melhor do que o ser humano é capaz.
IA e os dilemas humanos
Estamos diante de uma fase de obsolescência humana? Teremos de viver diante de pessoas que recebam uma renda mínima e sem condições de desenvolver outras atividades e de ver o trabalho como algo para cidadãos mais capacitados? E quando a IA cometer um erro, de quem é a responsabilidade? Podemos culpar sistemas pelos erros que cometem? Claro, essas questões são muito filosóficas. Para Deng, a situação exige parcimônia e lançamentos de forma ponderada e até mesmo lenta diante do tamanho dos riscos que estão vinculados ao uso da IA.
Ainda assim, é necessário olhar para a Inteligência Artificial baseada na aceleração da produtividade. Os estudos da Open AI mostram que, em determinados casos, a IA aumenta a produtividade dos colaboradores em 70%. Mesmo nos casos em que a empresa não tem tanta maturidade, os ganhos de produtividade somam mais de 40%. Então, é possível ver muitos ganhos potenciais no uso da IA.
Por outro lado, há muita discussão sobre as bases de dados que permitem ao ChatGPT ser tão efetivo. Ele deveria pagar os direitos autorais supostamente atrelados aos dados que ele usa para dar uma resposta? Mas, nesse sentido, devemos nós remunerarmos e compensarmos todos aqueles que nos deram o legado de arte, habilidades e práticas que herdamos como humanos?
Sim, há muitas questões em aberto. Estamos na primeira infância da nossa relação com a IA. E ainda iremos que, como boas crianças, desenvolver a plasticidade de nossa mente, para lidar com o que a IA apode nos trazer para o bem ou para o mal. O fato é que temos uma oportunidade inédita de ultrapassar barreiras, de termos melhor ambições e ideias que nos tornem melhores como espécie. Depende mais de nós do que dos sistemas. O que faremos com a Inteligência Artificial em benefício das nossas vidas depende do nosso legado, do letramento digital, da nossa disposição para incluir e ensinar, aprender e evoluir.
Josh Constine considera que devemos nos apoderar da ideia de que abraçar a Inteligência Artificial, pode estabelecer uma nova cultura, onde ela seja um parceiro e não um assistente. Mais do que nunca, podemos abraçar a incerteza e sermos generosos com a nossa curiosidade. Mantendo a mente aberta e os vieses sob controle, o nosso futuro será brilhante.
Insights adicionais
- Adaptação Humana: Com o avanço da inteligência artificial, os seres humanos precisam se adaptar a novos papéis e responsabilidades na sociedade. Isso inclui a transição de criadores e solucionadores para curadores e questionadores, onde a habilidade de fazer perguntas relevantes e discernir informações torna-se crucial.
- Coexistência com a IA: Embora a IA possa automatizar muitas tarefas, ainda há espaço para a criatividade humana e o pensamento crítico. Os humanos podem complementar as capacidades da IA, aproveitando sua criatividade, intuição e empatia para resolver problemas complexos e gerar insights únicos.
- Reflexão Ética: O avanço da IA levanta questões éticas importantes sobre privacidade, viés algorítmico e controle humano sobre as máquinas. Os seres humanos precisam considerar cuidadosamente os impactos sociais e éticos da inteligência artificial e garantir que seu desenvolvimento e implementação sejam guiados por princípios éticos e humanitários.