Os investidores continuam interessados em adquirir empresas no Brasil. Até setembro, 614 empresas de diversos setores foram compradas ou incorporadas, sendo 43 delas do varejo (7% do total). No ano passado, foram 796 negócios desse tipo, dos quais 51 envolveram varejistas (6,4%). Os dados são de pesquisa da consultoria KPMG e foram apresentados na edição de novembro do Ciclo de Encontros NOVAREJO, evento promovido pelo Grupo Padrão que busca construir conhecimento com base em uma conversa franca com representantes de grandes players do mercado. O ciclo abordou a dinâmica dos processos de fusões e aquisições no mercado brasileiro, um mercado extremamente promissor. ?Poucos mercados no mundo têm 140 milhões de consumidores em potencial. Esse motivo já é suficiente para estimular o apetite dos investidores?, comenta Jacques Meir, diretor de conhecimento e inteligência de negócios do Grupo Padrão e mediador do encontro.
A questão da afinidade entre as culturas de quem compra e de quem é comprado (ou das duas empresas que se fundem) emergiu como um dos fatores fundamentais para o sucesso das transações, mas continua sendo o grande gargalo quando se trata desse tema. Para Luis Motta, sócio da Prática de Corporate Finance da KPMG, quanto mais ativos intangíveis (não palpáveis) a empresa possuir, mais importante será a questão cultural. ?É em cima desse conceito cultural, afinal, que a varejista efetivamente conseguirá gerar valor?, comenta.
Para Marco Tulio Ribeiro, executivo de vendas da XP Investimentos, processos de fusões e aquisições funcionam como uma seleção natural de mercados. ?Eles acabam ?expulsando? as empresas menos preparadas, deixando o setor mais profissionalizado como um todo?, diz. Nesse movimento de profissionalização, outra questão essencial é a governança. ?A empresa adquirida tem de ofertar qualidade?, acredita Luís Motta. ?A transação tem de fazer parte da estratégia de crescimento da empresa e não pode ser uma atitude oportunista?. Assim, antes de fechar negócio é preciso investigar se o alvo da compra é realmente o ideal e analisar, desde o início, as sinergias possíveis.
?Quando se está mapeando o mercado e buscando targets (empresas que são potenciais aquisições), é fundamental analisar qual a rentabilidade daquele negócio que você vai comprar, se ele tem um posicionamento estratégico complementar ao seu, se é competitivo e como o investidor fará dinheiro em cima disso?, avalia.
Uma última, mas não menos relevante questão, que motiva os processos de fusão e aquisição é a sucessão. Para Luís Motta, se a empresa não tiver herdeiros ou se os filhos não estiverem preparados para assumir, não há outro caminho senão o de vender a empresa.
Para Jacques Meir, do Grupo Padrão, ganhar competitividade está no centro dos processos de fusões e aquisições. E as oportunidades são muito grandes no varejo. ?O setor tem muito espaço para consolidação porque, salvo o segmento de supermercados, ainda é bastante desconcentrado. Então tem sido muito comum as empresas ?comprarem market share? para alcançar o posicionamento de mercado desejado?, diz.
No mesmo raciocínio, Luís Motta frisa que a fusão não é somente um caminho possível. ?Eu diria que esse é ?o caminho? para o setor. As margens do varejo são muito apertadas e qualquer escorregão pode provocar perda de rentabilidade. Com fusões e aquisições, o varejista pode conseguir ganho de escala para ter acesso a capital e baratear elementos como funding (obtenção de recursos), logística e sistema de distribuição?, explana. Para ele, não existe alternativa: é crescer ou desaparecer. ?Se a empresa não se consolidar, irá operar em nicho. E isso só enquanto nenhum outro player consolidado estiver ?de olho? nesse nicho?, acrescenta.
Pressões positivas
A pressão exercida pelo mercado financeiro para que as empresas reduzam cada vez mais seus custos, ganhem escala, incorporem tecnologia e inovação são alguns dos motivos que podem culminar em uma fusão ou aquisição. ?Esse tipo de decisão faz sentido para empresas que desejam ou precisam ganhar escala de uma maneira mais rápida. A fusão pode dar à varejista a musculatura para ser uma plataforma vencedora?, acrescenta o consultor da KPMG.
Foi o que aconteceu com a TendTudo cuja fusão com a Casa Show em 2010 gerou a holding BR Home Centers, uma das cinco maiores varejistas de material de construção do País, com 24 lojas em oito Estados. O gerente da TendTudo, Gustavo Moraes, presenciou essa transição. ?A integração das equipes foi muito interessante, já que a Casa Show passava por um momento mais complicado e a TendTudo, pelo contrário, vivia uma curva ascendente?, comentou.
Mesmo tendo se valido dessa prática para crescer em 2010, hoje a fusão não é uma estratégia prioritária da empresa. ?Sempre estamos abertos a propostas, mas atualmente preferimos a expansão orgânica por conta da liberdade de podermos montar os pontos onde preferirmos e da maneira que quisermos?, acrescenta.
Na outra ponta estão dois exemplos de grandes empresas brasileiras que estão desde o início nas mãos de seus fundadores: Hope e Tyrol, ambas no setor vestuário e com mais de 40 anos de história. Com 126 lojas e mais de sete mil pontos de venda, a Hope nasceu como uma indústria, se reinventou, foi ao varejo, transformou seus produtos e agora, com grande conhecimento dos consumidores, tornou-se basicamente uma gestora de marcas embebida em cultura fashion.
O diretor da marca, Sylvio Korytowski, explica que a inovação é uma característica essencial para uma empresa que deseja manter-se atualizada sem que seja necessária uma fusão para alcançar esse fim. ?Nosso fundador tem 78 anos e é a pessoa mais moderna da empresa. Ele sempre diz: ?vocês precisam fazer diferente? e brinca: ?vocês podem errar mas, por favor, errem barato. Saímos do formato tradicional e nos reformatamos, agregamos valor à nossa marca?, diz.
Para Korytowski, O Boticário é uma referência de sucesso no Brasil.
?A partir deles é que o franchising passou a ser sério no Brasil. Antes tínhamos um histórico de ?picaretagem?. O Boticário trouxe um conceito de franquear não apenas pelo direito de usar a marca, mas também pelo empreendedorismo?, comenta.
Presidente da confecção infantil Tyrol, Rony Dayan se espelha na Farm e na Zara no modo como dirige suas 30 lojas e na gestão do fornecimento de produtos para os 200 pontos de venda multimarcas que atende. Por enquanto, Dayan prioriza o crescimento orgânico e não cogita fusões ou aquisições.
A varejista atende o público classe A e, a exemplo da Hope, também precisou se reinventar para manter-se competitiva. ?Diminuímos a presença em grandes magazines, inovamos na mistura de tecidos, incorporamos tecnologia e buscamos formas de antecipar as tendências de mercado, pois em varejo de moda, o que se fabrica hoje é o que estará nas lojas nos próximos meses?, diz.
PARTICIPANTES DO CICLO DE ENCONTROS
Tendência natural
Fernando Vidal, da Intermed Seguros, acredita que as fusões são uma tendência natural imposta pelo mercado nos últimos anos. ?De maneira geral, vemos que em diversos segmentos estão ocorrendo fusões, como no farmacêutico, financeiro e vestuário, criando grandes grupos econômicos cada vez maiores, para que sejam obtidos ganhos de escala e reduzidos os custos?, diz. Para Vidal, os maiores desafios em um processo de mudança organizacional estão na reestruturação nas linhas de produção, na reengenharia da gestão como um todo e no conceito dos novos processos a serem adotados, além da gestão das pessoas e cultura entre as partes envolvidas.
Luís Motta, da KPMG, explica que a motivação para as transações também varia de acordo com a fase pela qual a economia do País passa. ?Quando se vive um ciclo de baixa, as transações ocorrem muitas vezes mais por necessidade de sobrevivência do que por estratégia empresarial. Além disso, essas fusões apresentam, em sua maioria, valores menores?, observa. Já quando a situação financeira melhora, as aquisições normalmente voltam a ter como objetivo principal a expansão e aprimoramento de processos.
Nesse panorama, unir operações pode ser uma alternativa interessante para otimizar os processos e aumentar a rentabilidade no varejo. ?Considerando que a palavra de ordem em 2015 será ?eficiência?, poderemos ver mais empresas partindo para fusões e aquisições?, analisa Jacques Meir.
No entanto, os investidores precisam ter cuidados especiais quando partirem para esse caminho. Para Marcelo Gonçalves, sócio da KPMG, não existe uma receita de sucesso para atenuar as turbulências existentes no processo de incorporação de culturas depois da fusão. No entanto, uma dica que vale para qualquer aquisição é o respeito ao trabalho que foi feito durante tantos anos pelos fundadores da empresa.
?Uma questão fatal para acirrar os ânimos entre as partes é quando o investidor manifesta o desejo de se desfazer rapidamente do negócio. Aquele tipo de pergunta ?Será que dá para vendermos a empresa daqui a cinco anos?? acaba com as chances de negociação, porque ofende a trajetória do empreendedor?, diz.
Opinião semelhante tem Marco Tulio, da XP Investimentos. ?Argumentamos com os investidores que criticam empresas familiares e dizemos que se eles chegaram até aqui, merecem ser respeitados. Por isso, priorizamos os compradores que mostram culturas empreendedoras e não apenas a busca do lucro?, conclui.