Crescentes preocupações relacionadas a demissões injustas e comentários discriminatórios com base na idade, estão levando especialistas e ex-Executivos a começarem a abordar a questão do etarismo corporativo com maior atenção e responsabilidade.
O tema tem justificativa: de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a expectativa de vida dos brasileiros é de 76,8 anos, ou seja, temos uma população cada vez mais longeva e com mais pessoas passando pela envelhescência, processo que acontece entre a vida adulta e o tornar-se uma pessoa idosa.
Para Anna Érika, especialista em geriatria e proprietária do CAIPREL (Centro de Atendimento ao Idoso e Pessoas com Restrições Locomotoras), existem diversas maneiras de passar pela envelhescência, situação que acontece entre os 45 aos 65 anos: “Durante esse processo, a pessoa pode escolher como vai ser a vida idosa dela. Se vai ser uma vida de senilidade com várias patologias, ou se será uma pessoa idosa com saúde e disposição”, explica Anna.
Desde que o candidato tenha realizado essa análise, e feito boas escolhas na sua envelhescência, a fisioterapeuta que trata diariamente pessoas idosas relata que a partir disto visa priorizar dentre suas contratações pessoas +40. Além disso, ela percebe que há soluções para o mercado corporativo acolher melhor pessoas em processo de envelhecimento: “A melhor forma de eliminar o etarismo e as exclusões será agindo nas potencialidades internas do colaborador, fortalecendo a sua identidade. Mesmo porque uma pessoa que sabe do seu potencial se sobressai facilmente e não se abala com situações etaristas”, pontua Anna.
24% dos trabalhadores enfrentaram perda de emprego devido a preconceitos ligados à idade
Vale mencionar que uma pesquisa recente no Brasil, conduzida pelas consultorias de recursos humanos Vagas.com, Colettivo e Talento Sênior, intitulada “Etarismo“, revelou que 24% dos trabalhadores enfrentaram perda de emprego devido a preconceitos ligados à idade.
Para a VP da BNI Brasil e PhD em Psicologia, Mara Leme Martins, é preciso que as empresas reconheçam os sinais de etarismo e atuem proativamente para combatê-los: “As empresas devem estar vigilantes quanto aos indícios de etarismo, tais como comentários depreciativos sobre a idade dos colaboradores. Embora possam parecer inofensivas, essas observações escondem preconceitos. Também é aconselhável que, aqueles que enfrentam essas situações, a abordem com os colegas e mostre como tais comentários podem ser prejudiciais”, ressalta a psicóloga.
Esses são os indícios mais visíveis e comuns, porém a exclusão de funcionários devido à idade também é uma forma de etarismo, podendo levar a insatisfação e problemas de saúde mental. Assim como a prática de limitar a progressão de um colaborador com base na idade é considerado parte do preconceito: “Em casos como esses, os colaboradores devem manter o diálogo aberto com seus gestores, discutindo suas perspectivas de carreira e mantendo-se atualizados para evitar a estagnação. Buscando até mesmo explorar novas oportunidades, como o empreendedorismo”, comenta Mara.
Empresas de “cultura jovem” trazem mais desafios
Há também no mercado um outro aspecto agravante: muitas empresas justificam a não contratação de pessoas mais velhas com base em uma cultura jovem. Segundo Mara Leme, este é outro desfio sobre o etarismo corporativo. “É crucial demonstrar aos departamentos de Recursos Humanos que a juventude da cultura organizacional não está limitada à idade dos colaboradores, mas sim, à experiência e ao entusiasmo que eles trazem. Nesse momento, também é extremamente importante o diálogo e networking como meios para abordar esses desafios de maneira construtiva”, ressalta.
Além disso, Anna Érika, do CAIPREL, abre parênteses para que candidatos e colaboradores se autoavaliem sempre que pretenderem concorrer a cargos de trabalhos, buscando entender, antes mesmo de se candidatar, se conseguirão atender com a maestria desejada pela empresa as especificações da vaga.
“Além da empresa contratante avaliar cada perfil, também é muito importante que esse candidato +50 analise se a vaga pretendida lhe cabe. Temos empresas que realmente precisam de um perfil mais jovem para lidar, por exemplo, com esforço físico continuado, entre outras especialidades. Em contrapartida, existem outros setores que necessitam de uma maturidade e estabilidade emocional maior, pessoas que tenham facilidade em lidar com relacionamentos interpessoais, como no caso de hospitais, clínicas, e de empresas e setores que lidam com pessoas”, avalia Anna.
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A visão de ex-C-Level
Para Daniel Moretto, (45), ex-C-Level, com experiência em cargos de liderança, “a idade não define exatamente a energia nem o momento profissional de cada pessoa”, da mesma forma que a idade “não define a maturidade de um indivíduo”.
Moretto explica: “Já conheci muitos profissionais com 18 anos que eram muito mais maduros que profissionais de 65 e vice-versa. O mesmo acontece com o momento profissional e o nível de energia do profissional. Já conheci profissionais +60 muito mais ativos que jovens profissionais de entre 20 e 30 anos de idade. Eu entendo que o que define um profissional é sua preparação técnica e sua energia focada nos resultados os quais as empresas buscam”.
“Muitas empresas fazem o mínimo para que sejam reconhecidas no universo do valuation
de suas ações por seus investidores do que realmente vivem uma cultura de inclusão”
Sobre empresas de “cultura jovem”, Daniel avalia que a empresa que menciona buscar uma cultura jovem deveria “focar na energia de seus profissionais e nos seus potenciais resultados”. “Defino uma cultura organizacional consistente vista como vantagem competitiva, afinal, os costumes, valores, comportamentos dos colaboradores e atividades que são desenvolvidas, fazem com que a empresa se destaque no mercado, mas idade deveria definitivamente não ser um critério, pois não define o quão jovem é sua empresa e sim a energia de seus colaboradores”, comenta Moretto.
Moretto também percebe que muitas empresas utilizam ESG “para inglês ver”. “Muitas empresas fazem o mínimo para que sejam reconhecidas no universo do valuation de suas ações por seus investidores do que realmente vivem uma cultura de inclusão”, frisa. “Faça o seguinte exercício: visite uma empresa que tenha um certificado ESG ou se defina em acordo com as características de uma empresa com tais valores, peça os nomes dos componentes do conselho. Se somente homens estiverem no conselho, já foi por terra. Entenda a composição da Diretoria, existem profissionais diversos? Diferentes idades? Gênero? Um exercício ainda melhor é andar pelas operações e verificar se existe um padrão de profissionais. Somente profissionais até 30 anos? Somente profissionais homens? Somente mulheres?”, provoca Moretto.
Um alerta também para refletirmos sobre uma expressão norteamericana que executivos adoram bradar: “Walk The Talk”. No entanto, a incongruência do “andar de acordo com suas palavras” é evidente quando olhamos a maioria das empresas brasileiras pela lente do etarismo.
“Com certeza focar nas potencialidades, conhecimentos e desempenho do colaborador são sempre a melhor opção e parece até mesmo óbvio. Mas o preconceito com os profissionais +40, +50 e +60 ainda é gritante e são inúmeros os casos que vemos no dia a dia do mercado de trabalho”, complementa Moretto.
Talvez, os primeiros passos para uma empresa e lideranças iniciarem uma desconstrução de uma cultura corporativista etarista e excludente é realmente vivenciar e praticar o “Walk The Talk”.
“A primeira coisa a fazer é remover o fator idade, sexo, cor e etc de todas as descrições de vaga e do vocabulário do RH, no entanto, é extremamente importante que o CEO e outros C-Levels estejam engajados e se possível parta deles tal iniciativa”, diz Moretto.
Moretto entende que essa consciência não é só interna, da organização, mas de todo o mercado. “O cliente B2B tem uma força muito grande que talvez nem mesmo ele conheça, que é influenciar o mercado através de seus valores”, ressalta.
Por fim, ela alerta para uma percepção que muitas vezes é desprezada pelas organizações, a de que “as empresas são formadas por pessoas” e que é extremamente importante “a conscientização massiva através de campanhas internas e externas”. “Quanto mais tocamos no assunto e damos a oportunidade de discussão é onde podemos evoluir”, conclui Daniel Moretto.
Um desafio cultural
Como vimos, o etarismo corporativo precisa ser tema central dentro das empresas. Mais do que acompanhar os comportamentos de consumo e as inovações tecnológicas, com o aumento da expectativa de vida das pessoas, as empresas precisam também ter atenção ao enfrentamento de apoiar uma força de trabalho cada dia mais madura.
Não basta promover bons negócios hoje. Existe uma responsabilidade social e corporativa que deve ser encarada pelas empresas o quanto antes. Ela precisa urgentemente ir para a mesa de planejamento e de estratégias. Isso também definirá seus próximos passos como uma organização de sucesso. o Etarismo é um desafio cultural e de negócios. É, sobretudo, como planejar a empresa do amanhã.
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