No Brasil, as instituições públicas são vistas como “desequilibradas”. Em outras palavras, o governo é visto como muito menos competente e ético do que empresas. A informação consta no estudo Edelman Trust Barometer, da Edelman, multinacional americana de relações públicas e consultoria de marketing. Com cerca de 1.500 entrevistados brasileiros, o levantamento mostra que o governo é 64 pontos menos competente que as empresas.
A questão de as pessoas confiarem mais nas empresas do que no governo é um reflexo de uma crise de confiança que se instaurou entre a população e seus representantes. A percepção de que as empresas, muitas vezes, operam com padrões mais altos de ética e eficiência em comparação ao setor público, gera um ambiente propício para o crescimento de iniciativas privadas e a desvalorização do papel governamental. Essa realidade pode ser analisada sob diversos ângulos.
Em primeiro lugar, a transparência é um fator crucial. Enquanto muitas empresas adotaram práticas de governança corporativa que incluem auditorias externas e relatórios de responsabilidade social, o governo frequentemente enfrenta críticas por sua falta de clareza em processos e decisões. Isso resulta em uma imagem pública negativa, que afeta a credibilidade das instituições estatais.
Além disso, a questão da corrupção também desempenha um papel central nesse cenário. Casos recorrentes de desvio de recursos e escândalos relacionados a figuras políticas impactam diretamente a percepção da população. Empresas, por outro lado, podem ser vistas como mais responsáveis ao apresentarem medidas de compliance robustas, buscando prevenir práticas ilícitas e promover uma cultura ética em seus ambientes.
Empresas na linha de frente
Os brasileiros também não acreditam que “líderes tradicionais” lhes contarão a verdade. Assim, 72% dos respondentes falaram que as autoridades governamentais estão tentando enganar as pessoas de propósito. Eles acham que o governo está dizendo coisas que sabem ser falsas ou grosseiramente exageradas. Na sequência, 68% atribuem esse fato à mídia e à imprensa. Por último, os líderes empresariais (64%).
No que diz respeito a saber das inovações e tecnologias, 80% acha que saberá a verdade de pessoas comuns. As autoridades governamentais, com 44%, ficaram em último lugar da lista.
Desconfiança de fontes “tradicionais”
Essa desconfiança em relação às fontes tradicionais de informação reflete uma mudança significativa na dinâmica da comunicação e no papel que os indivíduos atribuem a instituições consagradas. A preferência por ouvir pessoas comuns, que muitas vezes compartilham experiências e perspectivas do cotidiano, aponta para uma busca por autenticidade e transparência.
Além disso, esse fenômeno pode ser interpretado como uma resposta ao cenário de crise de credibilidade que afeta vários setores da sociedade. A percepção de manipulação e desinformação gera um ambiente de ceticismo, onde as pessoas se sentem mais inclinadas a valorizar relatos pessoais e informações de origem menos institucionalizada.
A crescente influência das redes sociais e das plataformas digitais também contribui para essa mudança. O acesso à informação se tornou democratizado, permitindo que vozes antes marginalizadas ganhem espaço e influenciem a opinião pública. Nesse sentido, a comunicação boca a boca, impulsionada por essas plataformas, tem o potencial de criar correntes de confiança que desafiam a narrativa dos líderes tradicionais.
Medos da população
Outro dado interessante da pesquisa da Edelman diz respeito ao medo da população. E ficou evidente que os medos relativos à sociedade se igualam aos medos pessoais relativos à economia. Dessa forma, 91% dos entrevistados têm medo de ficar desempregado. E 76% dos respondentes têm medo da inflação, cuja estimativa subiu de 5,51% para 5,58% na décima sétima alta seguida.
Essas preocupações econômicas refletem um clima de incerteza. A instabilidade do mercado de trabalho e o aumento dos preços afetam diretamente o dia a dia das pessoas, levando a uma percepção geral de insegurança. Assim, muitos indivíduos sentem que suas condições de vida estão ameaçadas, e essa ansiedade pode refletir-se em diversos aspectos, desde o consumo até a saúde mental.
Inovações, nas mãos das empresas
Sobre as inovações, os brasileiros também acreditam que as empresas estão mais aptas a integrar inovações na sociedade. Assim, 63% das pessoas veem as pessoas jurídicas como: seguras, compreendidas pelo público, benéficas e acessíveis. De novo, o governo ficou em último lugar, com 46%.
No que tange à aceitação das inovações, 60% quer energia limpa. A Inteligência Artificial (IA) e a medicina genética ficaram com 32% dos aceites, contra 15% dos alimentos modificados geneticamente, não aceito por 56% dos respondentes. Esse cenário revela um pano de fundo onde a sustentabilidade se torna um critério essencial na adoção de novas tecnologias. A demanda por energia limpa, sendo a preferência de 60% da população, reflete uma crescente conscientização sobre as questões ambientais e os impactos das fontes de energia convencionais. Essa mudança de perspectiva sugere uma mudança de comportamento dos consumidores, que cada vez mais priorizam soluções que promovam a preservação do meio ambiente.
Por outro lado, a aceitação da Inteligência Artificial e da medicina genética mostra uma disposição significativa da sociedade em abraçar avanços que podem melhorar a saúde e o bem-estar, sugerindo que os indivíduos veem valor na inovação tecnológica quando percebem benefícios diretos para suas vidas. A resistência, no entanto, em relação aos alimentos modificados geneticamente (GMOs) pode ser atribuída a preocupações com a segurança alimentar, a saúde e a ética, o que indica que a difusão de inovações na área de alimentos ainda enfrenta barreiras significativas.
Governo e Ciência
O brasileiro está bem preocupado que o governo exerça muita influência sobre a ciência. Para 57% dos respondentes ao estudo da Edelman, a ciência se tornou polarizada no país. E, para 61%, o governo e as organizações que financiam pesquisas têm muita influência sobre como a ciência é feita. E quase todos os países tendem a acreditar que as inovações estão sendo mal gerenciadas, do que bem gerenciadas.
Essa percepção negativa sobre a gestão das inovações pode refletir uma desconfiança em relação às motivações por trás do financiamento e da condução das pesquisas. Em um cenário ideal, a ciência deveria ser um campo de livre investigação, onde a busca por conhecimento prevalece sobre influências externas. No entanto, o que se observa é uma crescente articulação entre interesses políticos e econômicos que pode comprometer a integridade científica.
Inovações
Por consequência, no Brasil, preocupação de que inovações estejam sendo mal gerenciadas é generalizada em todas as faixas etárias, renda e gênero. E mais: o estudo aponta que, nas democracias ocidentais, a resistência à inovação é política. Em outras palavras, embora a inovação seja frequentemente considerada um motor vital para o progresso econômico e social, muitos desafios estruturais e culturais impedem sua adoção plena. Assim, os entrevistados acreditam que instituições tradicionais, incluindo governos, frequentemente hesitam em adotar práticas inovadoras, preferindo manter o status quo, o que pode limitar a competitividade e o desenvolvimento.
Sobre a acessibilidade da ciência, o Brasil ficou em penúltimo lugar da lista, só à frente de Coreia do Sul e Japão.
Você já parou para pensar no impacto que uma colaboração entre empresas e governos poderia ter? Se unirem forças, 60% das pessoas confiam mais nas mudanças impulsionadas pela tecnologia.
Uma colaboração eficaz entre empresas e governos pode não apenas fomentar a inovação, mas também garantir que essa inovação atenda às necessidades da sociedade. E os entrevistados acreditam que, se ambos os setores trabalham juntos, teriam a capacidade de alavancar recursos e conhecimentos, resultando em soluções mais robustas para desafios sociais, econômicos e ambientais.
Ademais, no Brasil, as pessoas esperam que os CEOs tratem das mudanças que estão ocorrendo na sociedade, e não só das que estão ocorrendo em suas empresas. Assim, 88% querem que os CEOs falem abertamente das habilidades para o trabalho do futuro. 86% almejam que eles tratem do uso ético da tecnologia, enquanto 82% desejam que os CEOs falem publicamente dos impactos da automação nos empregos.
Por fim, os pesquisadores chegaram às seguintes conclusões: