A palavra “empreendedorismo” geralmente evoca imagens de startups inovadoras, tecnologias de ponta e histórias de sucesso corporativo. No entanto, para Edu Lyra, empreendedorismo é sinônimo de propósito e transformação social. Em palestra no CONAREC 2023, Lyra, fundador da ONG “Gerando Falcões”, destacou seu objetivo de “derrotar a pobreza” através de um ecossistema integrado que combina tecnologia, políticas públicas e participação ativa das comunidades.
“Não há muito o que fazer com o passado, mas temos como escolher o que faremos com o futuro”, disse Edu Lyra na abertura do segundo dia do CONAREC, em um dos painéis mais esperados do dia. “Por isso criamos um ecossistema que trabalha para derrotar a pobreza, gerar desenvolvimento econômico e cidadania para enfrentar a miséria e a falta de estrutura”.
“Não importa de onde se vem, mas para onde se vai”
“Nasci na favela em Guarulhos, aprendi que ninguém escolhe como vem pro mundo, onde vai morar, mas vai ganhar um sobrenome, uma cor, uma família – estruturada ou não”, disse Lyra, lembrando sua própria trajetória. “Isso me ajudou a diminuir minha taxa de preconceito”. O empreendedor recordou, com emoção, os desafios enfrentados em sua infância: “nasci em um barraco de terra batida, em uma comunidade sem saneamento básico, sem estrutura e sem dignidade”.
No entanto, a adversidade não foi a única marca de sua origem. O amor e a determinação de sua mãe foram catalisadores essenciais para sua jornada. “Tive uma coisa extraordinária, minha mãe, que sempre manteve a cabeça erguida. E ela sempre foi líder, porque líder não lidera só na bonança, é na crise”.
CONAREC 2023
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Gerando Falcões e a visão de transformação
A combinação de sua experiência pessoal e seu desejo de criar um impacto fez nascer a “Gerando Falcões”, fundada há 12 anos, que atualmente tem presença em “6 mil favelas do Brasil”.
A ONG começou antes mesmo de ter sido pensada com esse propósito, pelos tantos ‘nãos’ que Edu se recusou a aceitar enquanto batalhava para lançar um livro que escreveu durante a faculdade – e que gostaria que servisse de inspiração para jovens de periferia perceberem que existem alternativas além da pobreza e do crime.
Já que nenhuma editora e nenhuma livraria se interessaram, com o dinheiro da venda de porta em porta, junto de 50 amigos, nas comunidades, ele fundou a Gerando Falcões.
A Gerando Falcões se tornou um ecossistema de desenvolvimento social, idealizada por Edu Lyra, para acelerar o poder de impacto de líderes de favelas de todo país. O mote é simples: tirar pessoas da extrema pobreza e transformar as favelas em lugares dignos para se morar, empreender e viver.
Simples, não?
Para Edu Lyra, o ‘não’ parece combustível. “Há quem diga que não é possível, mas somos treinados para sonhar todos os dias com o impossível”. Essa é a escolha que Edu define como uma atitude, de interagir com os desafios, as oportunidades, os nãos e os sims. “Só assim para saber vai ser um bundão para fazer peso na Terra, ou se vai fazer diferença, e dizer crise – pode vir quente que estou fervendo”.
Foi com essa mentalidade que o trabalho de levar dignidade às favelas através do empreendedorismo, promovendo a autonomia da população que vive nas comunidades, e transformando o ambiente em torno – saneamento, asfaltamento, infraestrutura, educação e saúde – apoiado por pequenas, médias e grandes empresas para empreenderem junto.
A busca por parcerias com grandes empresários do país faz parte da ambição de alcançar ainda mais comunidades. “Ser pequeno é bonito, é importante, mas ser grande é uma necessidade, é preciso ganhar escala para atingir mais pessoas”.
Empreendedorismo traz dignidade
O ativista, que lida com bilhões de reais para o desenvolvimento das ações de transformação, fez uma analogia poderosa sobre o poder de mudar essa realidade:
“A pobreza é uma bomba-relógio. Tic-tac, tic-tac. É preciso desarmá-la. O desarmador precisa ter três habilidades: técnica para não cortar o fio errado; ternura, não pode ser uma atitude atabalhoado ou brabo demais; e coragem, porque é uma bomba, e pode ser perigosa”.
E como um hábil desarmador, está com um novo projeto. O fundador da Gerando Falcões revelou estar trabalhando no “Favela 3D”: D de Digno, D de Digital e D de desenvolvido.
A inspiração é o urbanismo social como as transformações de Medellín, na Colômbia, que em 20 anos deixou de ser sinônimo de narcotráfico para se tornar uma cidade vibrante e menos desigual.
O diferencial do sucesso dos projetos da Gerando Falcões, que já estão em mais de seis mil comunidades em todo o país, envolve participação. O que Edu Lyra define como decisões que não são tomadas de cima para baixo. A autenticidade e a genuinidade na conexão com as comunidades são fundamentais. “Ninguém entende mais a favela do que o próprio favelado”.
Se no geral os serviços sociais, os serviços públicos são decididos por pessoas completamente distantes da realidade, de cima pra baixo, explica, o empoderamento promovido por discussões das mudanças da comunidade dentro da própria comunidade serve para empoderar e promover a cidadania.
“A favela tem que participar, ser integrada, participando da gestão dos recursos e da decisão do orçamento”, insistiu.
Em seguida, é feito um trabalho de trilhas individuais e personalizadas para superação da pobreza de cada família, para que em um ano elas consigam ter emancipação social.
“É importante deixar claro que o contrário de pobreza não é riqueza, é dignidade”, afirmou.
Empreendedorismo e propósito
Em um mercado saturado, Lyra destaca que o verdadeiro diferencial é a autenticidade. “Uma coisa que o dinheiro das empresas não pode comprar: engajamento”, afirmou. Para ele, o desafio não é apenas construir um negócio bem-sucedido, mas construir um que gere impacto real e transformador.
“Empresas com propósito social tendem a cultivar lealdade e confiança”, porque, como ele explicou, os clientes se conectam não apenas com o produto ou serviço, mas com a missão.
Lyra, com sua abordagem única, inspira e desafia. Ele argumenta que é necessário “teimar diante dos nãos”, pois a inovação nem sempre é facilmente aceita.
“Vivemos numa grande encruzilhada, ambiental e social, que pode levar ao colapso. Quanto mais demorarmos a resolver os problemas, mais chegamos perto do ponto de não-retorno”. Por isso, ele defende que todos precisam ser parte dessa solução, e estimular o empreendedorismo, a dignidade, para uma transformação social que realmente diminua as desigualdades – não só porque é o certo a ser feito, mas porque a sociedade inteira se beneficia.
“Todos precisam ser parte dessa solução. Todo mundo quando voltar aos seus espaços de trabalho, precisam pensar em formas de atuar pela mudança, inserir o favelado, pensar como a tecnologia pode contribuir para a reduzir a desigualdade, o desenvolvimento social ou humano. A única forma de sobrevivência nesse país é através da colaboração. O único jeito de chegar lá é inovar, recriar. É preciso ser ousado”, provoca Lyra.
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