A geração de energia elétrica, proveniente de hidrelétricas, é a principal fonte de eletricidade em todo o mundo. Entretanto, os projetos nesse campo enfrentam desafios. Em primeiro lugar, impulsionada pelas usinas, essa é uma forma de energia renovável e limpa, porém sujeita a elevadas cargas tributárias e extrema dependência climática. Em segundo lugar, está o obstáculo de suprir a demanda de geração de energia. Nesse aspecto, o Brasil vive uma situação curiosa e, ao mesmo tempo, discrepante: mesmo conseguindo produzir energia renovável em demasia, o país ainda precisa ligar as usinas termelétricas (mais caras e mais poluentes) para suprir a demanda em períodos de pico. Por consequência, estão os obstáculos, custos mais altos para o consumidor e dificuldades para a operação do sistema na totalidade.
Para se ter uma ideia do tamanho do problema, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) aponta que em 2028 o Brasil terá uma demanda de 110,98 gigawatts de energia. Contudo, as estimativas do órgão responsável pela coordenação e controle da operação das instalações de geração e transmissão de energia elétrica no Sistema Interligado Nacional (SIN), sob a fiscalização e regulação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), é que a oferta chegue a 281,56 gigawatts no fim de 2027. Em outras palavras, a oferta vai exceder a demanda em 2,5 vezes.
Vertimento de energia
Quando o ONS se depara com essa situação, a solução é restringir a geração de energia. Deve-se limitar a geração nesse caso com base em algumas características específicas, como a liberação de água, sol ou vento. No setor elétrico, chamam esse procedimento de “vertimento”.
Em outras palavras, o vertimento é o nome dado quando o vertedouro, que regula o fluxo de água da usina hidrelétrica, é aberto. Isso permite a passagem da água que não será usada para gerar energia. Também, nas fontes solar e eólica, significa não aproveitar o recurso natural para a produção de energia – seria como desperdiçar a capacidade de geração. No entanto, cada vez mais o ONS precisará ativar usinas termelétricas nos momentos de pico de consumo. Isso se deve ao excedente de energia que ocorre durante o dia, devido à geração de energia renovável, a qual começa a diminuir no início da noite.
Inovação
Esse e outros assuntos estiveram em pauta no Congresso de Inovação na Distribuição de Energia Elétrica (CIDE), que ocorreu em São Paulo nos dias 5 de 6 de junho de 2024. O evento é fruto de uma parceria entre o grupo O Setor Elétrico e a Associação Brasileira dos Distribuidores de Energia Elétrica (Instituto ABRADEE da Energia), e reuniu executivos, autoridades e grandes especialistas do setor que discutiram os temas mais relevantes e urgentes que estão transformando o mercado de distribuição de energia elétrica.
Marcos Madureira, presidente da ABRADEE, e Adolfo Vaiser, CEO do Grupo O Setor Elétrico, abriram o CIDE 2024.
Na oportunidade, Marcos Madureira comentou a importância do evento: “com a abertura do mercado de energia, a crescente adoção de fontes renováveis e a introdução de tecnologias disruptivas, torna-se fundamental um debate aprofundado e consciente para orientar o futuro do setor. Nosso princípio, sobretudo, é garantir a sustentabilidade da distribuição no Brasil. Ou seja, trabalhamos para assegurar a eficiência operacional do sistema”. A ABRADEE reúne 39 concessionárias de distribuição de energia elétrica (estatais e privadas).
Logo após, Adolfo falou do propósito do CIDE: “integrar todos os agentes em prol da inovação e do desenvolvimento sustentável”.
O evento
A fim de tratar com profundidade a inovação e tecnologia, o Congresso contou com apresentação de trabalhos e cases selecionados sobre pesquisa e desenvolvimento; planejamento e controle; e redes de distribuição. Os temas foram expostos em quatro plenárias e na Arena Inovação. Essa última, por analogia do próprio nome, apresentou o que há de novo no universo da energia elétrica.
Entre as novidades, destaque para a Brax, que apresentou sua linha avançada de sensores IoT (Internet das Coisas) projetados especificamente para o monitoramento e gestão eficiente de equipamentos elétricos. Ademais, a Overstory expôs uma combinação de Inteligência Artificial com dados de detecção remota, como imagens aéreas e de satélite. Com isso, a empresa pode ajudar a direcionar os esforços de poda para otimizar os recursos, mitigar o risco da vegetação e preparar as suas operações e programas de manutenção para o futuro.
Já a Liconic apresentou uma redefinição de energia de backup com o Ecogerador® a etanol. Trata-se de uma solução inovadora que utiliza etanol, transformando a forma como as indústrias, hospitais e condomínios gerenciam sua necessidade de energia de emergência. Ao contrário dos geradores a diesel, o Ecogerador® a etanol é eficiente, econômico e tem baixo impacto ambiental, alinhando-se com as metas de sustentabilidade sem sacrificar a performance. Seu modelo de serviço completo inclui instalação, manutenção e reabastecimento, simplificando a transição para uma energia mais verde. Segundo a empresa, é a escolha inteligente para quem procura confiabilidade, redução de custos operacionais e contribuição para um futuro sustentável.
No Espaço Eletromobilidade, o participante do CIDE 2024, no ExpoTransamerica, puderam ver o que há de novo na transição da era do motor de combustão interna para o motor de propulsão elétrica.
Expansão e melhoria
Vale destacar que nos últimos 25 anos, a distribuição de energia elétrica foi universalizada no Brasil. Hoje, são mais de 89 milhões de unidades consumidores com acesso à energia. O número equivale a 99,8% dos lares brasileiros. Para manter as luzes acesas, as concessionárias investem cerca de R$ 31 bilhões por ano.
Para o período de 2024 a 2026, os recursos usados na expansão, renovação e melhoria na rede vão se manter neste patamar. Os dados, já informados pelas distribuidoras para a Aneel, preveem investimentos na casa de R$ 100 bilhões.
Em setembro de 2022, o Ministério de Minas e Energia (MME) divulgou a Portaria n.º 50/2022, que autoriza os consumidores do mercado de alta tensão a adquirirem energia elétrica de qualquer fornecedor. A flexibilização marcou um avanço em relação ao limite de 500kW estabelecido pela Lei n.º 9.427/1996, ao possibilitar que qualquer consumidor atendido pela Tarifa do Grupo A, independentemente de seu consumo, tenha a liberdade de escolher seu provedor. Neste ano, a partir de janeiro de 2024, a abertura do Mercado Livre de Energia foi estendida a todas as empresas de média e alta tensão (Grupo A). Isso permitiu que pequenas indústrias, supermercados, hotéis, hospitais e outros setores economizem significativamente em suas contas de eletricidade, sem a necessidade de realizar investimentos.
Mercado Livre de Energia
Reduzir os gastos com energia é um fator de competitividade.
É importante destacar que em janeiro de 2024, 2.168 empresas comunicaram a sua saída do mercado cativo. A informação é da ABRACEEL (Associação Brasileira de Comercializadores de Energia Elétrica), com base em informações da Aneel. A liberalização do mercado de energia no Brasil é um processo que aumentou a liberdade de escolha dos consumidores. Atualmente, existem dois mercados para a comercialização de energia: o regulado, no qual as tarifas são definidas pela Aneel e os consumidores são atendidos pelas distribuidoras de sua região; e o livre, no qual os consumidores negociam diretamente com as geradoras ou comercializadoras e podem buscar as melhores condições em diferentes fornecedores.
A abertura do mercado livre aumentou o número de consumidores que potencialmente podem atuar nesse mercado. A Portaria n.º 690/2022 do MME está realizando uma consulta pública visando avaliar a viabilidade de permitir a entrada dos consumidores de baixa tensão (Grupo B) no Mercado Livre de Energia a partir de janeiro de 2026, com exceção das categorias Residencial e Rural. Dessa forma, a abertura para todas as categorias está programada para janeiro de 2028.
O MME espera que a abertura do Mercado Livre de Energia para todos os consumidores seja concretizada até 2030. Uma pesquisa de opinião conduzida pelo Datafolha, a pedido da ABRACEEL, revelou que 8 em cada 10 brasileiros anseiam pelo direito à portabilidade da conta de energia, à semelhança do que ocorre na área da telefonia. Outra pesquisa realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) indicou que 56% dos industriais têm interesse em migrar para o Mercado Livre de Energia até 2024.
Os desafios da transição energética
Outro tema de destaque no CIDE 2024 foi a transição energética.
Na oportunidade, Ana Carolina Ferreira da Silva, assessora de regulação da ABRADEE, levantou a seguinte questão: “nós ainda temos dificuldade em conciliar inovação com transição energética, um dos temas mais discutidos no momento. O objetivo da transição é aumentar o potencial de energia renovável no sistema. Quando trazemos isso para o sistema de distribuição, o maior exemplo disso são os recursos energéticos distribuídos, tanto de MMGD (micro e mini geração distribuída) quanto de carros elétricos ou híbridos. Como esses dispositivos impactarão o consumo, vez que demandarão infraestrutura e novos recursos?”.
Em 2023, o Brasil vivenciou o ano mais quente da história, devido ao aquecimento global combinado com condições climáticas extremas, juntamente com os efeitos do El Niño. Esse fenômeno afetou a temperatura média dos oceanos e teve múltiplos impactos no clima. A população passou a reconhecer a urgência de ações para mitigação e a compreender de forma mais clara o conceito de transição energética. De acordo com Ana Carolina, a transição energética ainda é um conceito em debate, frequentemente entendido como a mudança dos combustíveis fósseis para fontes renováveis. Ela considera a transição como necessária, pois a ciência aponta as emissões provenientes do uso de combustíveis fósseis como a principal causa das mudanças climáticas de origem antropogênica.
Regulação e Inovação
Assim, no painel “Regulação e Inovação: como promover a modernização sustentável”, Renata de Oliveira e Silva, gerente corporativa de regulação econômica do Grupo Equatorial; Alessandra Amaral, diretora-executiva da Associação das Distribuidoras de Energia Elétrica Latinoamericanas (Adelat); Evelyn Mendes Reis, gerente de regulação da Amazonas Energia; e Fabiane Horongoso, gerente de regulação da Celesc, debateram os desafios da transição energética. Ficou claro, entre as debatedoras, que, para o Brasil, os desafios são numerosos e praticamente todos de alta prioridade: desde a incorporação de novas fontes de energia, ajustes regulatórios, segurança jurídica, e alta carga tributária. Alessandra Amaral então destacou que a Inteligência Artificial está entranhada nas nossas vidas.
Contudo, por outro lado, há a transformação digital atrelada a crescente preocupação em relação aos desafios associados ao aquecimento global. “E, assim, a busca pela transição energética se transformou em uma corrida contra o tempo de alcance global, impulsionada por acordos internacionais como a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas”, ressaltou Evelyn Mendes.
Apesar de a matriz energética brasileira ser mais limpa do que a média mundial, com quase metade de sua energia proveniente de fontes renováveis, o país também está engajado nesse movimento de mudança. Decerto, isso se deve tanto à consagração do direito fundamental a um meio ambiente equilibrado, quanto ao comprometimento com a redução das emissões de gases de efeito estufa até 2030. A ideia é alcançar a neutralidade climática até 2050, vez que o país é signatário de acordos internacionais.
Investimentos
Em resumo, no painel, ficou claro que a transição energética é crucial para alcançar tais objetivos. No entanto, a mudança enfrenta desafios significativos, especialmente no que diz respeito aos investimentos necessários. “Em outras palavras, a transição energética requer pesquisa e tecnologia para lidar com desafios técnicos. Em primeiro lugar, destaque para a integração de diferentes fontes renováveis à rede elétrica. E, em segundo lugar, não menos importante, está o desenvolvimento de projetos inovadores, demandando investimentos consideráveis”, ressaltou Fabiane Horongoso.
O evento contou com palestras e painéis de discussão com nomes de destaque. Em síntese, marcaram presença:
- Nizan Guanaes, publicitário e empresário;
- Ricardo Tili, diretor da Aneel;
- Michael Spoor, consultor e ex-VP da Florida Power Light;
- O especialista Paulo Radatz, do Epri, instituição norte-americana de pesquisa no setor elétrico;
- Rosana Santos, diretora-executiva do Instituto E+ Transição Energética;
- Tatiane Pestana, gerente executiva de Relacionamento com Agentes e Assuntos Regulatórios da ONS;
- e Guilherme Arantes, gerente setorial de energia elétrica do BNDES.
Treinamento de eletricistas
Um óculos de Realidade Virtual é colocado no usuário. E ele, em um passe de mágica, é transportado para o ambiente de trabalho de um eletricista da Celesc na rua. Lá, ele se encontra em uma cesta aérea. Esse é um equipamento acoplado em veículos que eleva o eletricista a até 12 metros de altura para realizar procedimentos no sistema elétrico. Primordialmente, o cenário foi complementado pela roupa antichamas, botas, luvas isoladoras, talabarte e cinto de ferramentas, proporcionando uma experiência o mais próxima possível da realidade.
Desse modo, a Celesc inovou no CIDE 2024, transportando o consumidor para o cotidiano de um eletricista. O ambiente imersivo, uma mistura elementos físicos e virtuais, simulava 14 cenários distintos. Dessa maneira, era permitido a configuração de condições climáticas, desafios técnicos e uso de equipamentos em cada um deles.
Um computador de alto desempenho podia controlar toda a simulação de maneira surpreendente. Isso era possível graças ao óculos de Realidade Virtual, que reproduzia uma situação em que o eletricista em treinamento precisa realizar um procedimento operacional. No espaço físico, estavam os acessórios de campo e a cesta aérea isolada. Analogamente, postes, redes de distribuição e veículos eram criados diretamente no ambiente virtual.
Em prol do consumidor
Câmeras instaladas capturam os movimentos do usuário durante a execução da operação. O sistema de Realidade Virtual transmitia as ações das luvas e da vara de manobra. E, por consequência, eram projetadas, juntamente com o cenário, em duas telas dispostas no ambiente. Dessa forma, o instrutor e os demais profissionais em treinamento podem acompanhar e compartilhar informações sobre as tarefas.
O objetivo é que o treinamento em Realidade Virtual complemente o presencial, oferecendo uma variedade de condições personalizáveis que enriquecem a experiência do usuário. Afinal, a principal diferença entre os tipos de treinamento está na flexibilidade que o ambiente mais confortável e controlado proporciona aos profissionais.
“O treinamento de eletricistas com o uso de Realidade Virtual é uma inovação. E, em suma, a Celesc está comprometida em oferecer soluções que tragam benefícios tangíveis para os consumidores. Essas vantagens estendem-se aos profissionais e à sociedade com um todo. Acreditamos que o futuro da distribuição de energia está na integração de tecnologias disruptivas que promovam a eficiência, segurança e sustentabilidade”, destacou Tarcísio Rosa, presidente da Celesc durante o evento.
*Fotos: CIDE/Consumidor Moderno.