A transformação digital de nosso momento levou a cultura de dados a um verdadeiro reinado. Enquanto isso, a régua de exigência dos clientes alcança novos níveis e apresenta cada vez mais desafios paras marcas que buscam proporcionar uma experiência relevante. “Em um ambiente em que os algoritmos ditam muito a relação dos consumidores, gerar uma jornada personalizada é uma ação essencial”, introduz Larissa Godoy, editora on-line do portal Consumidor Moderno, ao mediar o painel “Chegou a minha vez de decidir! A jornada personalizada do cliente”, do Conarec 2021.
Na edição 267, a Consumidor Moderno trouxe a tendência do consumidor hackeado, que questiona o ambiente de escolha a partir da influência de tantas ferramentas digitais. “Até que ponto essa terceirização da escolha pode ser um problema para as marcas?”, questiona Godoy.
Para Daniel Moretto, CSO e executive director da CSU, de fato o poder de decisão está totalmente na mão do consumidor – ele escolhe onde, como e quando quer ser atendido. O grande ponto de atenção para as empresas é o fato de que as tendências se desenvolvem com cada vez mais agilidade. “Vejo muita gente colocando como inovação o atendimento via WhatsApp, mas já é algo dentro da normalidade para o consumidor”, analisa. “Vejo dentro da minha casa, por exemplo, meu filho de 10 anos já acha o WhatsApp ultrapassado, ele se comunica pelo Fortnite”, complementa. Uma criança de 10 anos de hoje já é o consumidor do futuro e é preciso estudá-lo para conhecer as próximas tendências.
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Os canais de relacionamento são apenas uma das influências que os consumidores sentem. Como lembra Ana Szasz, data & insights director da Rappi, sempre existiram fatores influenciadores nas escolhas de consumo, mesmo no mundo offline. “Mesmo que eu fale que a escolha é toda minha, a loja tem um cheiro, por exemplo, que me acalma e aquilo influencia minha decisão. Se eu vejo um lugar cheio, posso me interessar mais”, exemplifica. Claro que, no mundo digital, o número de influenciadores é maior e hoje é possível que as marcas orquestrem os dados.
Ao mesmo tempo, como lembra a executiva, se uma experiência ou produto se mostrar ruim na prática, não existe sustentabilidade, independente de influenciadores. “Se a empresa consegue escolher um lugar de destaque, adiciona um botão que vai direto para a sua marca, mas não funciona, aquilo cai. Existem sim formas de melhorar e aparecer, mas o negócio tem que se provar”, garante. “O consumidor não volta só porque o botão estava lá ou porque recebeu desconto, volta porque o uso foi realmente bom”.
Proximidade diferenciada
Na visão de Eric Baravelli, customer relationship & experience director da 99, todo o cenário atual traz grandes oportunidades. Com a integração entre físico e digital, as empresas têm mais espaço para fazer diferente. “Vivemos uma tendência forte de trazer mais conveniência, acessibilidade, mais experiência, e tudo isso tem capacidade de convergir por algo melhor”, analisa. Existem, claro, os cuidados com as informações pessoais, uma pauta importante trazida pela Lei Geral de Proteção de Dados, que faz cada vez mais parte do mercado. “É uma possibilidade de evolução, nós tomamos muito proveito disso e usamos a favor da conveniência”, complementa.
Outro ponto importante relacionado aos dados é uma possibilidade de observar melhor os indivíduos e não categorizar os consumidores simplesmente em grupos. “As pessoas são diferentes e é a diferença que faz evoluir o mercado”, destaca Uribe Teófilo, head de produtos e design da Youse Seguros. Esse diferencial será beneficiado, por exemplo, pelo open finance – ou, no caso da seguradora, pelo open insurance. “Essa prática dá o poder para cada pessoa decidir o que quer compartilhar em relação aos dados dela, e esse compartilhamento melhora a sua própria experiência, gerando ofertas mais coerentes para ela”, diz.
O poder de decisão do consumidor é ainda mais significativo quando o assunto é atendimento. O desafio, como lembra Ricardo Pena, diretor de pré-vendas da Avaya, passa por compreender que, na prática, as empresas não conseguem dar infinitas escolhas para o cliente. “Hoje existe chat, SMS, bot, mas quando a empresa escolhe o canal, nem sempre leva em consideração a persona”, explica. “O momento exige entender quem é atendido, que personalização quer, não ver o canal mais cômodo e qual personalização mais barata”, complementa. É um aprendizado diário, que exige entender o que o cliente espera, tanto com relação ao produto quanto ao atendimento. Só assim é possível entregar o que faz diferença.
Jornada aprimorada
Com tantas possibilidades apresentadas pelo digital, como as empresas aproveitam essa onda? No painel, algumas das empresas presentes já nasceram com a essência digital, o que balizou os modelos de atuação desde o início. É o caso do Rappi, como conta Ana. “Sempre tentamos entender a necessidade do usuário. Antes nosso app tinha dois botões – supermercado e restaurantes. A essência do negócio já era deixar um botão de “qualquer coisa” para entender o que os consumidores iriam buscar”, detalha a executiva. A partir do entendimento das buscas dos consumidores, a plataforma foi ganhando novas verticais, como lojas e viagens. O que surge como mais pedido do “qualquer coisa” se torna um direcionamento.
“Para atuar com dados tem que ser incansável para entender o que o usuário quer e fazer adaptações”, destaca Ana. O comportamento pode mudar a qualquer momento, impactando a jornada do cliente. Como no caso da pandemia – antes, delivery era algo que movimentava à noite, as vezes no almoço com a popularidade dos cupons de desconto, mas a concentração maior era no final de semana. “Isso mudou radicalmente. Primeiro, todo mundo virou cozinheiro por causa da preocupação. Depois, o movimento aumentou muito, os clientes queriam café da manhã. Os estabelecimentos não estavam prontos, muitos não faziam delivery”, recorda.
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Nesse cenário, a empresa foi estudando para entender as necessidades dos usuários. Muitos entravam pela manhã e não tinha nada disponível. Assim, houve a necessidade de entender com os parceiros porque não estavam abrindo mais cedo e o Rappi chegou a montar um call center específico para auxiliar os restaurantes parceiros.
No caso da Youse, o plano foi iniciar a caminhada como uma seguradora disruptiva no mercado. “Tiramos a decisão do corretor e demos para o consumidor, ele tem a liberdade de ver as coberturas que quer na apólice e define o que é melhor”, exemplifica Uribe. “Em 2016, isso era informação consumida para aprender e gerar ofertas. Hoje com dados começamos a entregar ofertas dinâmicas, entendendo as características dos indivíduos”, detalha o executivo. A empresa procura testar hipóteses isoladas com alta frequência. Se o resultado for interessante, passa a dar escala. A pandemia também trouxe grandes aprendizados, principalmente porque muitos consumidores desistiram de seus planos por problemas de dinheiro. A companhia, então, buscou aumentar as opções para atender ao comportamento do momento.
Desafios
As possibilidades digitais são inúmeras, mas, como lembra o executivo da CSU, é preciso levar em consideração a complexidade do Brasil. Uma das questões que a empresa precisou lidar em decorrência da pandemia foi a falta de chips para a emissão de cartões de crédito. A solução foi criar o cartão digital, mas tal ação exigiu atenção. “Nosso país é complexo, nem todo mundo tem condição financeira para ter um celular que atua com carteira digital e precisamos cuidar desse público também”, lembra. “Cada estado ou cidade tem diferenças na evolução tecnológica. As empresas precisam ter cuidado para não normalizar o consumidor levando em consideração mercados como São Paulo, é preciso entender as diferenças”, complementa. Além de diferenças financeiras, existem variações de idade preferências de atendimento.
As mudanças do mercado também exigem adaptações. Quando o Pix foi lançado, por exemplo, a empresa ficou preocupada com o caminho que os cartões poderiam levar. “No primeiro momento, o pensamento foi – somos uma processadora, como não virar uma Kodak? Olhamos de frente e percebemos que é mais um meio, como se fosse uma bandeira. Então, além de processar cartões, passamos a processar o Pix e fazer mudanças, como aderir ao cashback”, conta Moretto. “O cliente diz por onde caminhar, aprendemos isso analisando os dados. E o Brasil é muito grande, ainda tem muita gente que prefere boleto”, exemplifica.
No fim das contas, o ponto chave da personalização está sempre com o cliente. Acompanhar tantas transformações exige jogo de cintura. Na Avaya, as equipes de atendimento compartilham conhecimento com todas as outras áreas que cuidam da jornada, assim os detalhes passam a fazer parte da rotina. “O cliente hoje em dia ele não compara mais sua empresa com uma concorrente, mas com quem dá a melhor experiência”, finaliza Ricardo Pena.
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