O IACX 2025 mostrou que, com o uso de dados cada vez mais em evidência, o Customer Experience (CX) passa a ser sobre tocar, sentir e lembrar. Como, então, o racional pode encontrar o encantamento na jornada do cliente? Essa pergunta foi discutida no painel “Da razão à sensação: a nova realidade do CX impulsionado pela IA“, mediado por Juliana Feitosa, fundadora do Laboratório de Criatividade.
“Para mim, as experiências têm, basicamente, três pilares. O primeiro é a autenticidade. O segundo pilar é o cuidado. E, por fim, o pertencimento. Vamos evoluir, a Inteligência Artificial vai evoluir, mas nós ainda somos humanos. Está no nosso DNA querer pertencer, fazer parte de um grupo. Boas experiências geram esse sentimento de pertencimento”, inicia a mediadora. “O desafio que trago para a nossa conversa é: como levar isso para o dia a dia das operações, com o apoio e o potencial da IA?”, questiona.
Pablo San Martín, Country Manager na Sprinklr, comenta que a transformação digital vai além da tecnologia: ela é cultural. “A transformação precisa vir de fora para dentro. Se estamos falando do cliente, primeiro precisamos entender quais são as razões e emoções que ele sente no momento da interação com a nossa marca, seja consumindo um produto ou um serviço. Esse é meu ponto de partida: olhar para a experiência do consumidor usando diversas tecnologias para entender os gatilhos emocionais do consumidor”, pontua.
IA: moldando a jornada do consumidor
Para Bruno Penha, CDO da AlmavivA Experience, o segredo está em hiperpersonalizar a jornada do cliente. Ele pontua que a IA oferece uma nova alavanca, uma nova ferramenta para analisar e moldar essa jornada do consumidor. Assim, antes do atendimento já é possível entender o histórico do cliente por meio de análises.
“Durante o atendimento, conseguimos apoiar o operador com informações relevantes ou oferecer canais digitais com chatbots que criam experiências personalizadas. E no pós atendimento, conseguimos usar o histórico do cliente para oferecer interações cada vez mais inteligentes. Essa conexão entre razão e emoção vem justamente do uso inteligente dos dados: usar a razão para construir uma jornada que mova o cliente, que gere pertencimento, fidelização. A IA é uma alavanca que potencializa isso”, frisa.
Presente em 99% dos lares brasileiros, com muitos produtos diferentes, a Nestlé tem usado a IA para entender hábitos e perfis. “Conforme vamos conhecendo esses formatos de consumo, conseguimos personalizar e entregar uma experiência cada vez mais adequada em cada ponto de contato”, destaca Daniela Marques, head de Produtos Digitais e Experiência do Consumidor na Nestlé Brasil.
No passado, a experiência era naturalmente mais personalizada. Vivíamos em cidades menores, e os donos de comércios conheciam os clientes pelo nome”, relembra Tulio Prado, head de Customer Service no Banco PAN. Porém, ele comenta que, com a massificação, perdemos isso em troca da escala. “Agora, com a IA, temos a chance de unir os dois mundos: escalar e, ao mesmo tempo, personalizar com base nos dados que temos. Do ponto de vista da razão, o cliente quer conveniência e efetividade”, pontua.
Sair do piloto
Para o representante do Banco PAN, hoje, um dos principais desafios dentro do atendimento personalizado é equilibrar a estruturação com o uso de ferramentas disponíveis. “Acho que o desafio é equilibrar essas duas coisas: velocidade e estrutura. Então, como faremos isso? Eu vou definir os passos, decidir por onde começo, o que priorizo, quais indicadores vou acompanhar para saber se estou tendo sucesso, e como buscar esse sucesso. Acho que esse talvez seja o maior desafio que as empresas estão enfrentando agora, e a gente tem que fugir dessa imagem de piloto eterno”, explica.
Pablo acrescenta que a IA é a pauta do momento, porém, uma parcela muito pequena dos investimentos tem uma aplicação na experiência do consumidor. Olhando para essa questão de qualidade versus produtividade, é necessário democratizar a Inteligência Artificial.
“Cada departamento tem seu projeto, seu piloto. Mas chegou o momento de isso virar um projeto da empresa como um todo, um projeto transversal, que quebre barreiras e silos. Hoje, o principal desafio é que os projetos estão fragmentados: marketing, publicidade, atendimento ao cliente. Todos separados. O que vejo é que, a partir do momento em que realizarmos uma atuação transversal e holística na organização, ganharemos muito mais agilidade nessa transformação”, defende o representante da Sprinklr.
Para Bruno Penha, da AlmavivA Experience, o principal desafio é equilibrar o uso da IA entre apenas “usar porque está na moda” e, de fato, trazer personalização e eficiência. Ele pontua que, muitas vezes, é uma pauta executiva, mas os projetos não avançam.
“Por quê? Porque há milhões de pilotos sem aplicabilidade real, sem retorno financeiro? Você está fazendo, mas o ‘estou fazendo’ é só um piloto. Por que não sai do piloto? Porque não há prioridade ou aplicabilidade clara que gere eficiência. E isso vale para qualquer solução, inclusive IA. Sempre temos que olhar para três vertentes: o operador, o gestor e o cliente final”, frisa.
Diante desse cenário, dentro da Nestlé foi criado um processo – um business case – que mostra o resultado esperado. Um grande avanço, olhando para o consumidor, foi a centralização de data lake, há dois anos. Isso permite uma visão única do consumidor em diferentes projetos.
“Hoje, na área de mídia, por exemplo, que é fundamental, conseguimos ter essa visão em comum com CRM, SAC, marketing… Não importa a área que ative o consumidor, estamos olhando para o mesmo dado. Então, se ele ligou para reclamar, sabemos disso e não vamos oferecer uma promoção do produto que ele acabou de reclamar. Isso traz coerência ao atendimento”, relata Daniela.
O vínculo emocional com o consumidor
A IA já conquistou seu espaço quando o assunto é agilidade e conveniência no atendimento. No painel do IACX, foi discutido como criar experiências imersivas que realmente gerem sensações e conexão emocional com os clientes. É desafiador, mas essencial para o futuro das relações entre marcas e pessoas.
Tulio reforça que, mesmo em interações apenas por texto, ao usar voz, imagem ou linguagem natural, é possível transmitir sensações. Muitas vezes, numa experiência de atendimento, o cliente não se sente acolhido. Mas quando é colocado um tom de voz mais empático, uma preparação, um roteiro mais humano, isso já gera uma percepção diferente. Além disso, ao agregar uma persona à interação, isso leva a experiência a outro nível.
Daniela traz um exemplo prático: “Criamos um modelo chamado ‘Moça GPT’, inspirado na marca Leite Moça. Subimos todo o conteúdo e todas as receitas do blog da marca e começamos a pedir que ele criasse receitas com toques regionais e de brasilidade”, relata. “Isso nos permitiu ampliar nossa base de receitas já testadas e padronizadas pelos nossos culinaristas, mas agora com um toque regional. Hoje, também trazemos o consumidor para esse ecossistema.”
A AlmavivA Experience também tem um case voltado para o setor de vestuário. Um cliente queria atrair pessoas para a loja com campanhas específicas, mas a experiência era incompleta: o cliente clicava numa peça de marketing, ia para o site, procurava a loja mais próxima, e se perdia no processo.
“Transformamos isso colocando rastreabilidade em toda a jornada. Quando o cliente clica, ele é direcionado para um chatbot, que entende sua localização e já direciona para a loja mais próxima e para um atendente daquela loja. Além disso, o chatbot, com base na campanha, mostra as peças da coleção. Se o cliente tem uma foto de referência, por exemplo, ele pode enviar e o chatbot busca na base peças semelhantes”, explica Bruno.
Na Sprinklr, há tecnologias de visão computacional que reconhecem rostos e expressões, assim como logotipos de produtos. “Um cliente do setor esportivo usa isso para identificar quando um consumidor publica uma foto usando seus produtos, por exemplo, um tênis ou camiseta, durante uma corrida. Após autorização para uso da imagem, a marca pode integrar esse conteúdo ao ponto de venda, criando displays com fotos reais de clientes utilizando os produtos”, finaliza Pablo.