A Barnes & Noble, maior rede de livrarias dos Estados Unidos, está mostrando na prática que a experiência de consumo de livros físicos é diferente de outros segmentos do varejo. Suas lojas, que com o passar de de 150 anos de história da empresa foram adaptadas de acordo com as diferentes estratégias de negócio, estão sendo reformadas para tornar os espaços mais convidativos e adequados à proposta mais tradicional de uma livraria.
A disposição das prateleiras e dos livros está mudando. Os antigos carpetes e paredes brancas e frias que antes decoravam as lojas estão dando lugar a móveis modulares de madeira, mesas com recomendações de leitura, luzes amarelas e o assoalho de madeira. Trata-se de uma forma a recorrer à estética das livrarias independentes, que possuem uma disposição mais flexível.
Segundo o jornal The New York Times, a nova estratégia da rede é tornar suas quase 600 lojas centradas em seu principal produto: os livros. No entanto, não há uma regra para como essas livrarias devem ser. Não há nem mesmo um arquiteto ou designer de interiores responsável pelas reformas. Enquanto uma loja no Brooklyn hoje revela suas paredes de concreto, outra na Califórnia apresenta cores azuis. É uma estratégia muito individual de personalização.
Para isso, as equipes de livreiros de cada unidade possuem suas responsabilidades na reforma e dão sugestões na forma como as lojas devem ser dispostas. Assim, a experiência que um leitor terá numa unidade da Barnes & Noble será completamente diferente da outra. Depois de mergulhar em um período de crise e passar a ter um novo controlador, a empresa começa uma nova fase para suas livrarias.
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A crise das megastores
No início do mês, a livraria brasileira Saraiva teve sua falência decretada e suas portas, fechadas. Com uma dívida de R$ 675 milhões em uma recuperação judicial que se arrasta há quase cinco anos, a empresa entrou com um pedido de autofalência, atestando sua impossibilidade de quitar suas obrigações. Assim, a Saraiva encerrou uma história de quase cem anos no mercado editorial brasileiro.
Sua principal concorrente, a Livraria Cultura, também enfrenta um processo de recuperação judicial – aberto pouco depois de a empresa comprar a Fnac no Brasil e fechar as 12 unidades da rede francesa no país, assim como sua loja online. A própria Cultura chegou a ter uma de suas principais e mais reconhecidas lojas, localizada no Conjunto Nacional, em São Paulo, fechada em agosto de 2023. Pouco depois, por meio de decisão judicial, foi reaberta e hoje aguarda decisão do Supremo Tribunal de Justiça.
A crise das grandes redes de livrarias teve início em meados da década de 2010, quando o modelo começou a mostrar suas vulnerabilidades diante de reinvenções do setor. Entre elas, o aumento da relevância do e-commerce no Brasil e no mundo e a chegada da Amazon no país, que passou a praticar descontos agressivos, com preços mais baratos do que as livrarias eram capazes de entregar.
Nos Estados Unidos, a rede Barnes & Noble, fundada em 1873, passou por um processo similar. A partir do final da década de 1990, a livraria começou a aderir ao conceito das megastores, com uma grande oferta de livros, álbuns musicais, brinquedos e demais produtos – a empresa teve capital aberto a partir de 1993. Em 1999, chegou a ter 520 lojas e 465 unidades da rede B. Dalton, adquirida em 1987.
Em paralelo, a Amazon, fundada por Jeff Bezos em 1995, rapidamente crescia e se tornava uma forte competidora da Barnes & Noble – em 1997, fez sua estreia no mercado de ações. Em 2007, a futura gigante lançou seu Kindle, dando o pontapé para os livros digitais – ao que a Barnes & Noble respondeu criando seu próprio leitor de e-books em 2009.
Já na década de 2010, as ações da livraria despencaram, assim como as vendas. Entre 2008 e 2018, a Barnes & Noble fechou cerca de 150 livrarias nos Estados Unidos e, somente em 2018 demitiu 1.800 funcionários.
Renovação das livrarias
Um ano depois, a Barnes & Noble foi adquirida pelo hedge fund Elliott Advisors por US$ 683 milhões, e seu capital foi fechado. Além disso, James Daunt, líder da rede de livrarias britânicas Waterstones foi nomeado CEO. Com a chegada da pandemia da Covid-19, a empresa voltou a recuperar seu fôlego com a venda de livros e, então, surgiu a oportunidade de renovar as lojas.
Durante a crise das megastores e seus períodos de maior competitividade com a Amazon, as livrarias da Barnes & Noble passaram a ter um visual mais similar ao de uma grande varejista, com espaços reservados para produtos com desconto para incentivar compras por impulso e caixas registradoras próximas da porta de entrada e saída. Os livros, que deveriam ser o protagonista dessa história, ficavam no final da lista de prioridades.
Agora, as lojas que passaram ou estão passando pelas renovações possuem espaços reservados para produtos que não sejam livros. A organização das livrarias, agora mais flexíveis e que permitem mudanças de disposição, tem como propósito incentivar a busca por livros e o passeio pelas unidades. Não só isso, mas cada loja se torna uma experiência única, já que cada unidade possui sua própria decoração e disposição dos produtos.
Inclusive, uma das livrarias da rede nem o letreiro da Barnes & Noble possui. Em vez disso, a placa na fachada indica uma loja da Dalton e, em seu interior, é possível encontrar os diferentes materiais e indicações que é, na verdade, uma Barnes & Noble. Por outro lado, a empresa não irá reformar a loja da Union Square, em Nova York. Aberta em 1998, a livraria possui prateleiras de madeira embutidas nas paredes, além de um carte verde escuro, remontando ao que eram as livrarias da rede há cerca de 30 anos.
Esteja onde o leitor estiver, a ideia é que a livraria não seja apenas um lugar de compra, mas principalmente de convivência. De forma que apreciadores de diferentes gêneros literários, como uma pessoa que gosta de biografias empresariais e outra que admira romances do século 19, possam se encontrar, trocar ideias e impressões e, assim, ter uma experiência mais rica com os livros.