Pode parecer uma tarefa difícil, mas manusear as informações dos clientes de modo a cumprir com privacidade, questões legais e ética começa ao trazer o cliente e a construção de um relacionamento baseado em confiança para o centro da estratégia de dados. Recentemente, a Deloitte realizou um estudo com 7.500 consumidores e colaboradores que identificou quatro sinais que formam a base da confiança: humanidade, transparência, competência e consistência.
No contexto de experiências de dados confiáveis, os fatores que se destacam são: humanidade – definida como a crença que a organização se importa genuinamente com a experiência e bem-estar de seus públicos de relacionamento – e transparência – a avaliação que a empresa comunica seus motivos e escolhas de forma aberta e em linguagem simples.
“De maneira prática, é necessário ir além de prover alternativas de opt in e opt out e de apresentar políticas de dados diretas e escritas em linguagem inteligível pelo cliente, e estabelecer uma experiência de captura de dados que conta para o cliente como este dado será usado e o valor que receberá em troca da informação capturada”, explica Guilherme Evans, sócio-líder da Deloitte Digital.
“O que descobrimos foi que quando as empresas demonstram transparência e humanidade, os clientes têm uma disposição 2,5 vezes maior de prover dados pessoais que entendem que ajudarão a melhorar o produto e tem uma percepção 1,7 vez maior de receber um valor adicional no relacionamento”, acrescenta.
A competência, neste contexto, está relacionada com a cibersegurança. “Mesmo que iniciemos com as mensagens mais transparentes e com as melhores intenções, a confiança é perdida se não mantermos estas promessas demonstrando que temos a capacidade de manter seus dados em segurança. Neste caso, clientes que percebem marcas como confiáveis são 1,6 vez mais propensos a compartilhar suas informações digitais”, quantifica o profissional.
Diante disso, o executivo esquematiza um passo a passo com quatro etapas imprescindíveis para o desenho de experiências de dados centradas no cliente como ser humano:
1. Comece com o relacionamento
Construa uma relação de confiança antes de considerar utilizar dados que podem ser percebidos como intrusivos (ex.: localização).
2. Empodere seu consumidor
Proveja opções e escolhas para que o cliente tenha controle de sua experiência de dados.
3. Envolva os times de privacidade e segurança de dados
desde o princípio
Incorpore a cibersegurança no planejamento dos programas de marketing.
4. Assuma que “se é muito longo, ninguém lê”
Apresente, em linguagem simples, os porquês de a informação pessoal específica ser necessária, como será utilizada e qual valor será entregue como resultado. E sempre dê a opção para o consumidor realizar o opt-out.
Em consonância com tudo isso está André Miceli, coordenador do MBA de Marketing e Negócios Digitais da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “Para ser uma empresa data-driven de fato, é primordial a construção de cultura organizacional analítica. Isso tem muito mais a ver com pessoas e transparência do que com a tecnologia. Assim, o cliente irá entender para o que seus dados serão usados e a companhia poderá agregar valor na experiência”, salienta.
“A longo prazo, esse pensamento irá se sustentar, porque o consumidor irá notar uma melhoria no relacionamento e receber propagandas com produtos mais relevantes, ou seja, é útil para os dois lados”, esclarece.
“Como a empresa vai usar esses dados também está diretamente relacionado ao quanto ela vai ser capaz de capturar a atenção das pessoas. Então, se a companhia usa a informação para entregar conteúdos mais bem direcionados e permite que os usuários decidam o futuro dos seus dados em relação a isso, me parece justo”, detalha André Miceli.
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Transparência e privacidade são essenciais nos negócios
Muito se duvida dos aparelhos, aplicativos e softwares que utilizam o controle de voz como principal ferramenta de comando, como o Google Assistente e a Alexa. Afinal, se há a captação de áudio, até que ponto as informações coletadas podem ser usadas para fins indesejados, ao invés de sua intenção inicial?
De acordo com o docente da FGV, é uma ilusão imaginar que todos esses equipamentos estão coletando informações o tempo inteiro. “Pense no custo de processamento e de análise de dados 24h. Além disso, há um problema sério em alguns idiomas, inclusive o português, com uma perda de performance no processo de captação de linguagem natural, em que uma palavra pode ter diversos sentidos a depender do contexto”, pontua.
Nesse sentido, Guilherme Evans diz que a consolidação de dados é feita através de cookies e outros mecanismos e se estende para as diferentes fontes do “third-party-data”.
Leia mais: É o fim dos cookies. O que promete entrar no lugar deles?
A expansão nas últimas décadas da internet como canal de informação, socialização e transação, juntamente com os avanços em processamento na nuvem (cloud), big data e analytics, mudou a forma com que o marketing interage com seus consumidores e clientes – partindo de dados para melhorar targeting de conteúdos e ofertas, e buscar oferecer uma experiência mais relevante e contextualizada.
“Atualmente, o ambiente de negócios está se movendo na direção da privacidade e proteção de dados, tanto pelo lado regulatório com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), como pela expectativa do cliente. E isso gera um desafio importante para o marketing, pois, ao mesmo tempo que o cliente espera maior personalização e relevância, também tem preocupações sobre como seus dados pessoais estão sendo coletados, armazenados e utilizados. Soma-se a este desafio a descontinuidade dos cookies, que foi adiada momentaneamente, mas que já se aproxima em 2023”, exemplifica.
Dessa forma, o que o especialista tem acompanhado é a migração para uma estratégia de first-party data com foco nos dados gerenciados pelas próprias empresas (e em alguns casos seu ecossistema e parceiros de negócios).
“Melhor ainda é o zero-party data, que é o dado gerenciado com transparência, consentimento e empowerment do cliente. Em nossa pesquisa anual Global Marketing Trends 2022, realizada com 1.000 executivos globais, identificamos que 61% das empresas de alto crescimento estão investindo nesta estratégia fortemente versus somente 40% daquelas com crescimento negativo”, afirma.
Segundo o sócio-líder da Deloitte Digital, o sucesso desta estratégia vai além da internalização dos dados e considera exatamente os cenários de uso destes dados no contexto do relacionamento e da experiência do cliente, para que seja percebido como algo útil e que entrega um valor adicional, e não como algo incômodo ou invasivo.
“A conclusão segue sendo que estabelecer o relacionamento baseado em confiança, com humanidade e transparência na coleta e uso dos dados, e sempre manter as necessidades e expectativas do cliente em mente, conduz a empresa para melhores decisões e se traduz em uma percepção progressivamente positiva da experiência de marca”, coloca Guilherme Evans.
O cenário atual e a LGPD
Um elemento fundamental no debate acerca de defesa do consumidor, uso de dados e privacidade no Brasil é a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Hoje, depois da prorrogação de sua vigência por conta da pandemia de covid-19, não é mais aceitável que uma empresa não esteja em conformidade com a legislação.
Aliando isso aos negócios, Emílio Bartolomeu, sócio de cyber risk services da Deloitte, conta que a experiência com os consumidores se inicia com atividades de adequação à LGPD nas empresas.
Esse tipo de trabalho envolve o estabelecimento de disciplinas de privacidade que tem o objetivo de prover mecanismos para uma coleta de dados pessoais e sensíveis, que respeita os limites da necessidade (mínimo necessário para operar) e que cumprem as respectivas finalidades de uso permitidas pela lei.
“Esse tipo de prática estabelece, mesmo que indiretamente, uma boa relação de confiança entre os consumidores/titulares dos dados e as organizações, pois demonstram boa estrutura de governança e cuidados especiais na proteção dos dados. Esse é o primeiro passo para prover uma excelente experiência com os consumidores”, revela.
“No que tange o contato direto com o usuário final, as disciplinas de privacidade que podem melhorar as experiências dos consumidores – e que são fundamentais para prover transparência e responsabilidade na interação dos consumidores com os meios digitais disponibilizados pelas empresas – são a gestão de cookies e gestão de consentimentos”, reforça o especialista.
Logo, deve haver uma boa relação entre o chief marketing officer, o data protection officer e o chief information security officer, a fim de aprimorar ainda mais a experiência final dos clientes.
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