O País enfrenta uma crise hídrica há dez meses e a Região Sudeste é a mais afetada: 133 cidades, que somam 23% do PIB do Brasil, foram impactadas. Se a produção desses municípios caísse 1%, seria o suficiente para reduzir em 0,23% o PIB nacional. O Estado de São Paulo é o mais atingido pelo cenário de seca: em fevereiro, quando a crise do Sistema Cantareira veio à tona, o reservatório atendia nove milhões de lares; hoje, são 6,5 milhões. 14% dos municípios paulistas (92 de 645) enfrentam algum tipo de dificuldade. Segundo o coordenador de projetos do Consórcio Intermunicipal PCJ, Guilherme Valarini, se o índice de chuvas voltar à média histórica, o Sistema Cantareira levará cinco anos para atingir 70% de sua capacidade de armazenamento de água. De acordo com um estudo realizado pelo consórcio, para chegar à marca de 50% seria necessário chover mais em dois meses do que no ano passado inteiro.
Mas, afinal, o que o varejo tem a ver com isso? Tudo. A escassez desse recurso natural impacta a economia do País como um todo: da mesma maneira que as pessoas têm comprado mais caixas d?água para armazenamento, a loja que comercializa o produto terá um custo mensal maior do que o de costume com a conta de água.
O varejo precisará ser mais eficiente quanto à utilização do recurso, por questões financeiras e de imagem. Práticas sustentáveis que visam o bem comum geram valor à marca. Dessa forma, o consumidor deixa de comprar apenas o produto ou serviço e passa a comprar também a causa. Mostrar às pessoas as ações realizadas no varejo é essencial para que o cliente tenha ideia do que está sendo realizado.
O fato é que o problema da escassez de água interfere na vida das pessoas profissionalmente e pessoalmente. E se existe alguém em contato direto com a população, esse ?alguém? é o varejo. O ato de consumir um produto ou serviço ou entrar na sua loja pode significar muito mais do que adquirir algo novo. Em tempos de crise hídrica, informação e inovação também são parte da experiência de compra.
Dadas as circunstâncias enfrentadas pelos paulistas, a rede de restaurantes Sí Señor instalou um sistema de encanamento que capta toda a água produzida pelos aparelhos de ar-condicionado. ?São cerca de oito litros por dia despejados em um reservatório. Essa água é usada para lavar o piso e os banheiros, além de servir para regar as plantas do jardim de inverno que há no interior dos restaurantes?, explica o CEO da rede, Jorge Maluf.
A primeira loja a adotar o processo foi a do bairro do Tatuapé, na Zona Leste de São Paulo. Mas a ação deu tão certo que a prática será ampliada para as outras 20 unidades da rede. ?Atualmente, pensar de maneira sustentável não é mais uma aposta e, sim, uma necessidade. Financeiramente falando, a economia não é tão significativa assim. Mas se pensarmos no ganho ecológico são 12 mil litros de água economizados por mês, o que é muito representativo, especialmente no momento que vivemos em São Paulo?, conta Maluf.
Segundo o CEO, mesmo antes da crise a rede já orientava seus colaboradores durante o treinamento para que economizassem água durante os processos, desde a limpeza até a cozinha. Nos últimos meses essa rotina tem se intensificado, dada a situação dos reservatórios em São Paulo. ?Estamos instalando comunicações nos banheiros das unidades para estimular os clientes a usarem a água conscientemente?, acrescenta.
Menos água no feijão
Outra iniciativa responsável pela economia no consumo de água, ainda no segmento de restaurantes, foi colocada em prática pela rede Divino Fogão. Em função do alto consumo de água verificado em algumas lojas, a rede decidiu utilizar torneiras de pedal, que param de soltar água quando a peça não está acionada. O projeto começou em 2011 na loja de Caraguatatuba (SP) e o consumo caiu 30%. Com esse resultado, o sistema foi se estendendo às demais unidades. ?Conseguimos economizar de 20% a 30% de água em algumas lojas, após a implementação das torneiras de pedal?, destaca Emiliano Silva, diretor de operações da rede.
As torneiras estão sendo substituídas gradualmente e hoje todas as novas lojas são inauguradas com o sistema de pedal. Além disso, há cinco anos o restaurante utiliza um redutor de pressão de água dentro da tubulação, o que contribuiu para uma diminuição adicional de 3% a 8% no consumo. ?As empresas já estavam se conscientizando da importância de desenvolver iniciativas mais sustentáveis e de preservação do meio ambiente. A crise hídrica acabou acelerando esse processo?, comenta Silva.
Além da água, o Divino Fogão também está investindo na redução do consumo de energia elétrica, com o planejamento de medidas mais sustentáveis. Três lojas ? Shoppings Tietê (São Paulo), Golden (São Bernardo do Campo/SP) e Cuiabá (MT) ? foram inauguradas com lâmpadas de LED. A ideia é substituir as tradicionais, o que deve reduzir o consumo de luz entre 9% e 12%.
Lava roupa todo dia, sem agonia!
Desde o início da crise hídrica, a 5àsec, rede de lojas especializadas no tratamento de roupas e produtos têxteis, registrou um aumento de 18% nas vendas. ?As pessoas começaram a trazer mais peças de roupas do dia a dia para lavar nas nossas lojas e não apenas aquelas mais caras ou delicadas?, conta Sérgio Carvalho, diretor de marketing da rede.
?As pessoas estão sem opção de uso da água e precisam priorizá-lo para fins como higiene e alimentação. Assim, usam a água para esses fins e terceirizam a limpeza das roupas em nossas lojas?, explica. As unidades têm utilizado o processo de lavagem a seco nas peças que permitem a ação. ?Nossa tecnologia proporciona uma economia de 80 litros para cada dez quilos de roupas processadas em nossas máquinas, em relação à mesma quantidade lavada numa máquina doméstica?, diz o executivo. Essa economia se deve ao fato de as máquinas da 5àsec reutilizarem a água em seus ciclos de lavagem, usando filtros de grande capacidade.
A empresa adotou uma prática para reciclar os insumos químicos utilizados nas lavagens a seco em 98% da sua utilização nas máquinas. Isso permite economizar ainda mais água, pois esses resíduos não são despejados na rede de esgoto, como acontece com o sabão e o amaciante das máquinas caseiras. ?Temos um projeto de instalação de um reservatório adicional em cada loja, que serve para receber a água usada nas máquinas e reutilizar após uma super filtragem?, comenta Carvalho.
Além das ações internas, a companhia divulga aos consumidores as vantagens de usar os serviços de lavanderia e as promoções para dar acessibilidade financeira a quem tem poucos recursos para lavar as roupas em lavanderias. ?Há uma grande preocupação também em mostrar os benefícios de as pessoas lavarem as roupas em lavanderias pelo aspecto de sustentabilidade, em vez de gastar água e energia e jogar sabão e amaciante no esgoto?, finaliza o executivo.
Reforma consciente
A rede de materiais de construção Leroy Merlin, com 32 lojas em oito Estados, é considerada a empresa mais consciente do varejo de construção, segundo pesquisa da Shopper Experience para a revista Consumidor Moderno (do Grupo Padrão, que edita NOVAREJO). As lojas e a matriz utilizam mictórios a seco, torneiras automáticas e válvulas de descarga de três e seis litros nos banheiros. ?Realizamos um programa de conscientização de uso da água internamente. Os colaboradores se engajaram mais nesta questão e procuram no dia a dia reduzir o consumo?, conta Pedro Sarro, diretor de projetos e obras da varejista.
Além disso, existem sistemas de aproveitamento da água da chuva, água cinza (água residual de processos não industriais) e estação de tratamento de esgoto. ?No caso da chuva, a água do telhado é coletada e direcionada a um reservatório que abastece uma caixa de reuso, que por sua vez alimenta as válvulas de descarga dos banheiros e torneiras de lavagem. No caso de água cinza e da estação de esgoto, a água é tratada e direcionada a um reservatório de reaproveitamento, para seguir o mesmo destino?, explica Pedro Sarro.
Esses processos acontecem na matriz e nas lojas que possuem a certificação Aqua (Alta Qualidade Ambiental) da rede. O selo, concedido pela Fundação Vanzolini, foi elaborado com o intuito de oferecer às empresas brasileiras um referencial técnico para construções sustentáveis, adaptadas à nossa realidade.
Continue a nadar
A iGUi Piscinas, presente em 15 países com mais de 600 franquias, tem uma relação intensa com a questão hídrica. Entretanto, segundo Filipe Sisson, diretor geral da rede, a intenção de compra pelos produtos do segmento veio diminuindo de 2011 a 2013, mas teve uma melhora em 2014. ?Na verdade, estamos trabalhando diferente desde 2012, quando sentimos que o negócio ia mudar. Então começamos a tomar várias medidas, fazer algumas ações para reverter o quadro de queda que tínhamos.? Em 2013, quando comemorou 20 anos de mercado, a iGUi teve seu primeiro resultado negativo. ?O faturamento subiu cerca de 7%, mas, quantitativamente, as vendas caíram. Neste ano [2014], devido às ações e todo o trabalho que feito, estamos novamente aumentando as vendas e devemos fechar acima de dois dígitos?, comenta Filipe. Com relação ao atual cenário de crise hídrica, Sasson garante que piscina não consome muita água, por incrível que pareça. ?Só para encher, na instalação. A média de consumo de água da piscina é muito baixa, então a crise não atinge diretamente nosso negócio. Não chegou nesse nível ainda?, afirma. O diretor da rede conta que o sistema que a iGUi utiliza para limpar as piscinas é o mais econômico possível. ?O consumo de água na nossa piscina em relação à retrolavagem é infinitamente menor do que os produtos utilizados em equipamentos de filtragem. A filtragem tradicional gasta entre 500 e mil litros para fazer a retrolavagem da areia e jogar a sujeira para fora. Nosso filtro gasta apenas 20 litros de água. E, em longo prazo, isso vai nos favorecer bastante, pois somos a única empresa que trabalha com essa tecnologia?, finaliza o executivo.
Melhores práticas
Sí Señor
A rede de restaurantes instalou um sistema de encanamento que capta toda a água produzida pelos aparelhos de ar-condicionado.
A ação gerou uma economia de 12 mil litros de água por mês.
Divino Fogão
O restaurante decidiu utilizar torneiras de pedal, que param de soltar água quando a peça não está acionada. O resultado foi uma diminuição de 30% no consumo do recurso. A rede utiliza há cinco anos um redutor de pressão de água nas tubulações, o que gerou economia de 3% a 8%.
5àSec
A lavanderia recicla os insumos químicos utilizados nas lavagens a seco em 98% da sua utilização nas máquinas. Como os insumos não vão para o esgoto, a prática permite mais economia de água.
Leroy Merlin
As lojas com certificado Aqua e a matriz utilizam mictórios a seco, torneiras automáticas e válvulas de descarga de três e seis litros nos banheiros, que permite que o usuário escolha conforme achar necessário. Sistemas de aproveitamento da água da chuva, água cinza (água residual de processos não industriais) e estação de tratamento de esgoto.
Parceria pela água limpa
O Brasil tem 77 milhões de pessoas sem acesso à água potável. Olhando para este cenário e para a atual crise enfrentada pelo Sudeste do País, varejo e indústria se uniram. A rede de hipermercados Walmart fechou uma parceria com a P&G pelo Programa Água Pura Para as Crianças. Por meio dela, cada produto da marca adquirido nas lojas equivale a um dia de água limpa. Até o dia 13 de novembro, 1.418.775 dias de água limpa já haviam sido doados. ?Somos o canal de varejo que dará grande visibilidade à campanha: cada produto P&G comprado no Walmart é mais um dia de água limpa para as pessoas. A ação vai ao encontro do nosso trabalho de sustentabilidade e responsabilidade social?, enfatiza Marcelo Mendes, vice- presidente comercial do Walmart Brasil. Trata-se de uma campanha criada pela Procter&Gamble por meio do P&G Sachet, que torna potável, com apenas 4 g e 30 minutos, dez litros de água imprópria para uso. O trabalho do programa teve início em 2004 e transformou, no mundo, 7,8 bilhões de litros de água imprópria para uso em água potável. Isso equivale a aproximadamente 43 mil vidas salvas. No Brasil a ação terá início no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais.