O Brasil possui cerca de 500 mil varejistas de vizinhança espalhados por todas as regiões. São aqueles pequenos mercados responsáveis por atender ao bairro, aos quais as famílias recorrem para abastecer suas casas e para buscar itens de maior urgência. Esses comércios possuem diferentes formatos e tamanhos – desde pequenas lojas com apenas um vendedor – muitas vezes, o próprio dono do negócio –, até mercados mais robustos, com até oito pontos de check-out (ou caixas) e que podem ter vários funcionários.
A diversidade do segmento também é representada em seus desafios. Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva, algumas das maiores dificuldades encaradas por proprietários e funcionários dos varejos de vizinhança são a gestão financeira e de negócio (71%), a concorrência (52%), e estrutura e logística (44%).
Os principais desafios dos varejistas de vizinhança, segundo pesquisa do Instituto Locomotiva |
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Gestão financeira e de negócio (71%) Concorrência (52%) Estrutura e logística (44%) Clientes (34%) Capital e crédito (33%) Marketing digital (16%) |
A pesquisa, que entrevistou mais de mil pessoas sendo 81% proprietários e 19% funcionários desses comércios, também aponta que 75% dos varejos de vizinhança precisam fazer a reposição de estoque de maneira frequente devido à falta de espaço das lojas. Outro motivo para a alta frequência é o alto giro de mercadorias, citado por 70% dos entrevistados.
Enquanto 21% dos respondentes afirmaram fazer compras de reposição por meio de marketplaces, 61% concordam que resolver essa necessidade pela internet seria uma solução mais prática para esse desafio. O Compra Agora, plataforma B2B que nasceu com o objetivo de ajudar na digitalização do varejo de vizinhança e responsável por encomendar a pesquisa ao Instituto Locomotiva, é o marketplace mais conhecido entre os entrevistados.
Apesar do negócio, que já conta com mais de três anos de estrada, ter como cliente o “varejinho” – como internamente são chamados os varejos de vizinhança –, ainda tem como importantes stakeholders as indústrias fabricantes e as distribuidoras. Enquanto os varejos de vizinhança conseguem abastecer seus estoques com mais praticidade por meio do marketplace, as distribuidoras possuem uma nova ferramenta de vendas nos mais diversos cantos do país, enquanto as fabricantes conseguem levar seus produtos a mais clientes.
Trata-se de um ciclo virtuoso no qual as três pontas recebem um serviço melhor, de forma simplificada e totalmente digital. Para fazer esse malabarismo acontecer – afinal, atender três clientes tão diferentes entre si demanda uma grande orquestração –, compreender as dores é mais do que essencial.
Digitalizando o varejo de vizinhança
O Compra Agora nasceu como piloto em 2019 como uma ferramenta dentro da gigante Unilever. A idealização do projeto, que teve início três anos antes, tinha como objetivo ajudar a melhorar a distribuição no varejo indireto – no qual a fabricante não consegue chegar com sua frota carregada de produtos e depende de outros meios de distribuição. Essa modalidade representava, à época, cerca de metade do negócio da Unilever.
Assim, a solução encontrada foi a criação de um marketplace digital no qual as distribuidoras estariam integradas e, assim, seria possível garantir que a loja do varejo de vizinhança não dependesse da visita de um vendedor das distribuidoras. Uma vez que esses comércios estão espalhados nas diferentes regiões do país, incluindo cidades distantes dos grandes centros metropolitanos e financeiros – e das equipes de distribuição –, dificilmente recebem a mesma qualidade de serviço.
“Os varejos de vizinhança localizados no Nordeste, por exemplo, recebiam em média uma visita a cada dois ou três meses”, explica Thaise Hagge, fundadora e diretora executiva do Compra Agora. “Isso não quer dizer que esses comércios ficavam sem o produto, mas precisavam comprá-lo por meio de outro canal que não era tão vantajoso. Montamos a plataforma com o objetivo de garantir que as lojas tenham mais autonomia, sem depender tanto da visita de um vendedor – o que também é bastante custoso para as distribuidoras”.
Ao longo da construção e do aperfeiçoamento da nova ferramenta, a equipe identificou uma importante dor dos varejos de vizinhança: crédito. Muitos dos comércios acabavam utilizando créditos oferecidos pelas distribuidoras, mas esta não era uma realidade universal. Uma vez que grande parte dessas empresas são bastante avessas ao risco, apesar de terem taxas de inadimplência bastante baixas, acabavam deixando bons compradores passar. Assim, 40% das lojas não tinham recursos para comprar na plataforma do Compra Agora.
O caminho foi oferecer uma solução de crédito integrada ao marketplace, oferecendo o pagamento a prazo. Ou seja, conforme o comércio vendia os produtos adquiridos aos seus consumidores finais, conseguia pagar pela reposição de estoque feita pela plataforma. Com um ano e meio, o Compra Agora se tornou bastante representativo dentro da Unilever, chegando a equivaler a 20% do negócio.
Mas para que o Compra Agora pudesse atender o varejo de vizinhança da melhor forma possível, ainda faltava incrementar as categorias e marcas de produtos oferecidos no marketplace. Para que essa intenção fosse viabilizada, foi necessário sair da Unilever.
Caminhando sozinho
Em 2020, o Compra Agora se tornou uma empresa independente – no início, com uma equipe de 17 profissionais de diferentes áreas. “Começamos a fazer um grande movimento de captação de outras indústrias, sempre com o olhar daquilo que fazia mais sentido para o varejo de vizinhança ter um único lugar para comprar grande parte da sua cesta de produtos”, conta Thaise Hagge.
Para isso, o Compra Agora – que hoje já conta com uma equipe de mais de 140 pessoas – também constrói, junto às fabricantes e distribuidoras, ofertas cruzadas e benefícios para que o marketplace siga como um canal vantajoso de reabastecimento. Do outro lado, a indústria e a distribuição recebem mais pedidos e recorrência. “Hoje, o Compra Agora representa 30% da cesta de produtos do varejinho”, explica a executiva. “Nosso objetivo é atendê-lo cada vez mais com as categorias mais relevantes, além de oferecer promoções e oportunidades cruzadas entre as indústrias, de forma que a plataforma seja sempre atrativa”.
Ao captar uma indústria, pode ser que já tenha sua própria rede de distribuição. Caso não, o Compra Agora é capaz de conectá-la a uma rede de parceiros que já estão integrados à plataforma para atender aos diferentes pontos de venda.
No início, os distribuidores receberam o Compra Agora com certa desconfiança, uma vez que temiam que a nova plataforma buscasse substituir sua função ou então se tornar uma distribuidora futuramente – em um movimento semelhante realizado pela Amazon, no Estados Unidos. No ano passado, a loja que vende tudo alcançou a posição de maior negócio privado de entregas no país em volume de encomendas, deixando para atrás outras gigantes do setor, como a UPS e a FedEX. No entanto, essa nunca foi a intenção, o que logo foi percebido por esses stakeholders, que hoje já somam cerca de 60 na plataforma.
Na outra ponta do espectro, uma vez que o objetivo do Compra Agora era colaborar para a digitalização do varejo de bairro, a equipe seguiu buscando novas soluções para facilitar a experiência de compra desses comércios. Durante um workshop de uma semana, desenvolveram um aplicativo próprio por meio do qual poderia ser feito tanto o reabastecimento de estoque quanto solucionar dúvidas.
Ao criarem o MVP (Minimum Viable Product) e apresentarem a ideia aos donos e gerentes das lojas, receberam uma surpresa: não queriam o aplicativo. “Os varejistas nos disseram que, por mais que o aplicativo fosse bom, não conseguiam instalar em seus celulares”, conta Cauê Vahamonde Rangel, gerente de e-commerce do Compra Agora. “Para instalarem o app, precisariam desinstalar outros, como as redes sociais e o WhatsApp, que usavam para se comunicar com suas famílias. Entendemos que não adiantava fazer um super aplicativo. Voltamos para casa em choque. Mas foi importante para entendermos que não era aquilo o que os varejinhos precisavam”.
O aprendizado foi um dos motivadores para desenvolver uma solução robusta para os varejistas por WhatsApp – aplicativo onipresente na vida dos donos e gerentes dos mercados de vizinhança. Trata-se de ferramenta de atendimento – inicialmente, por chatbot e, se necessário, por meio de uma comunicação humana –, tanto para os vendedores dos distribuidores quanto para os lojistas. É também por meio do app que são divulgadas novidades, cupons exclusivos e campanhas, além de funcionar como um fluxo de compra entre o lojista e o vendedor da distribuidora.
A moda pegou e, hoje, o WhatsApp se tornou um canal de grande relevância entre os parceiros do Compra Agora – mais de 111 mil clientes estão conectados por lá. Com um índice de satisfação por volta de 85%, a ferramenta está mostrando que veio para facilitar a vida e o trabalho dos varejinhos.
A empresa formou uma parceria com a Yalo, principal plataforma de comércio conversacional do mundo, para integrar o aplicativo com a solução Engagement Suite. No último trimestre de 2023, o Compra agora registrou um aumento de 118% no ticket médio das compras feitas pelo app, além de um crescimento de 224% no sellout e de 43% no número de pedidos feitos. A comparação é feita com o trimestre anterior.
“Entendemos que precisávamos olhar de forma mais processual para esse cliente final”, explica Thaise Hagge. “Antes, nossa perspectiva era menos estruturada e mais reativa aos feedbacks dos varejistas. Depois que formalizamos nosso propósito, entendemos que devíamos ser guiados pelo varejo. Construímos os pilares focados no varejo, na indústria e nos distribuidores, e criamos atividades recorrentes e estruturadas para, cada vez mais, conhecermos nossos clientes, entender suas dores e endereçá-las”.
Cultura de CX
O aprendizado que a equipe do Compra Agora teve com o aplicativo foi um de diversos outros que passaram a fazer parte do dia a dia de trabalho. Tendo como objetivo apoiar o varejo de vizinhança em sua jornada de digitalização e facilitar sua vida, a proximidade, as perguntas e o constante acompanhamento são essenciais. Assim, o Compra Agora desenvolveu uma série de rituais e práticas de cultura que se tornaram processos do negócio.
Um deles é o Dia V, realizado uma vez no ano, no qual todas as pessoas da organização vão para as ruas para conversar com seus clientes com a intenção de ouvir e aprender sobre suas experiências com o Compra Agora. A beleza da coisa é que, mesmo os profissionais de áreas de backoffice – como a equipe de TI, o time jurídico e financeiro – têm a possibilidade de estar mais próximos dos clientes e, assim, conectar suas tarefas e atribuições diárias ao impacto direto no varejo de vizinhança.
Já os Trade Visits Técnicos seguem a mesma lógica, mas em vez de todas da organização, times específicos vão conversar com donos e gerentes de varejos de vizinhança para tirar dúvidas, testar novas soluções e saber mais sobre suas experiências com determinado produto ou com o marketplace.
Há pouco mais de dois anos, o Compra Agora lançou também o chamado Clube de Testadores, no qual um pool de clientes é acessado para testar novas soluções e ferramentas. Até hoje, cerca de 500 clientes já foram contatados para fazer parte do grupo para experimentar os diferentes produtos antes que sejam finalizados e disponibilizados para o varejo de vizinhança atendido pelo Compra Agora. “De acordo com o que precisamos testar, damos alguns benefícios, como cupons de desconto no marketplace”, explica Cauê Vahamonde Rangel. “Recebemos uma resposta absurda, porque nossos clientes querem se engajar e participar desse processo de construção”.
O desafio é tornar todos esses aprendizados em soluções práticas na plataforma e nos diferentes serviços oferecidos. “Qualquer coisa que vamos lançar, seja um serviço, um produto ou uma feature nova, antes de colocar na rua, enfrentamos nosso ‘achismo’ e testamos com nossos clientes para entender se é isso mesmo o que querem”, explica o executivo. “Já tivemos vários cases de sucesso e insucesso, mas dessa forma não precisamos implodir um projeto, e economizamos tempo, energia e recursos”.
Para retroalimentar a operação com essa imensidão de feedbacks – que somente em 2023, somaram mais de 90 mil – um time da área de e-commerce está dedicada aos índices de satisfação dos clientes, como Net Promoter Score (NPS) e Customer Satisfaction Score (CSAT), para retroalimentar os aprendizados nos processos e na cultura da organização.
Um dos desdobramentos é uma espécie de checklist feita (e refeita) durante o desenvolvimento de novas soluções. “Para qualquer funcionalidade que quisermos colocar na rua, precisamos fazer três checks mentais: 1) isso faz sentido para o varejo de vizinhança? Isso faz sentido para a indústria? 3) E isso faz sentido para os distribuidores?”, explica Vahamonde Rangel. “Se a resposta for sim para todas essas perguntas, podemos seguir em frente. Senão, vamos esbarrar no mesmo problema que tivemos com o aplicativo do Compra Agora, que não fazia sentido para o nosso cliente”.
Outra solução foi a criação do Comitê de Clientes, criado há pouco mais de um ano, do qual fazem parte um representante de cada time – como as equipes de varejo, do financeiro, de compras e demais. As reuniões mensais têm como objetivo analisar feedbacks dos stakeholders do Compra Agora e gerar um brainstorming de soluções práticas e próximos passos para sanar dores e fazer melhorias nas diferentes ferramentas.
Muito se fala sobre centralidade no cliente, o difícil é colocá-la em prática. O Compra Agora, que possui um grande desafio à sua frente em digitalizar o varejo de vizinhança, está mostrando, desde o primeiro dia, que as respostas estão num objetivo bem definido, rituais de cultura e processos estruturados para colher feedbacks e extrair soluções concretas para retroalimentá-las no negócio.