“O varejo pré-Real ensinou muito pouco para a gente”, disse Eduardo Terra, presidente da SBVC (Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo), durante a plenária que encerrou o BR Week 2017, o maior congresso de varejo do País, que aconteceu em São Paulo, entre os dias 27 e 28 de junho. Ao lado dele, grandes nomes do varejo analisaram o que está por vir para o setor e as ações que os executivos podem alinhar para construir um crescimento pós-crise. “Alguns erros foram cometidos durante o período pós-Real. O compromisso com a produtividade era zero e quase todos os custos cresceram mais do que a inflação sistematicamente. E quando a economia deu uma freada brusca, o setor precisou rever tudo”, disse Terra.
Neste ponto, o varejo estava, literalmente, em uma encruzilhada. “O varejo pós-crise começa a ver elementos de crescimento e a enxergar uma nova janela de oportunidades. A ideia é como trabalhar neste novo ciclo”, diz. “O varejo teve de tomar decisões difíceis e vamos colher os frutos dessas decisões apenas em um ciclo de expansão. O varejo brasileiro que virá é muito diferente do varejo do boom de consumo, que estava calcado em estruturas frágeis”, avalia Terra.
Olhar para o Brasil pós-crise e enxergar essas oportunidades é a busca de grande parte dos varejistas. “Vamos ter um ano e meio de crescimento lateral, mas o cenário ainda é de dúvidas”, avalia. “Se a gente entende mesmo que é um ciclo e se não entendermos que é passageiro, a gente perde essa nova onda”, afirma Altino Cristofoletti, diretor da Casa do Construtor e presidente da ABF (Associação Brasileira de Franchising). “Esta é a grande oportunidade para crescer novamente”, disse.
“Quando temos ciclos, a gente corre o risco de não enxergar os novos ciclos”, afirmou Marcus Vinicius Gonçalves, sócio-líder de National Tax e Varejo da KPMG no Brasil. A companhia fez estudos com os CEOs brasileiros e verificou pontos que chamaram a atenção: 96% disseram que a empresa vai crescer ou crescer fortemente nos próximos três anos. “Esse resultado me fez perguntar se isso é um excesso de otimismo ou se estamos ficando loucos. A economia vive de ciclos e a gente vai sair dessa crise naturalmente e por isso vou crescer de forma natural”, afirma o executivo.
O curioso, segundo o especialista, é o fato de 50% desses mesmos CEOs afirmarem que o setor deles vai crescer. “Isso não faz sentido e a conta não fecha. De um lado, 96% acreditam que a empresa deles vai crescer, mas de outro apenas 50% afirmam que o próprio setor vai crescer. A conta não fecha”, afirma. Outro ponto curioso do estudo da KPMG é que entre as ações que as empresas estão adotando para crescer a produtividade simplesmente não aparece na lista das cinco maiores preocupações.
Sem euforias
“Há um exagero de euforia no ciclo de expansão e um exagero de desespero na recessão e precisa manter o sangue frio. Quem cresce, sabe disso”, afirma Terra. A Panvel é uma dessas redes que sabem bem manter o sangue frio durante o sobe e desce da economia. A rede, com 380 lojas próprias, é uma das maiores do Sul do País e seguiu os planos de expansão para São Paulo, mesmo diante da tempestade. “Estamos antecipando nossa expansão em São Paulo em função do novo ciclo e devemos inaugurar mais quatro unidades agora e outras dez no ano que vem”, afirmou Julio Mottin Neto, presidente do Grupo Dimed, grupo que detém a Panvel.
“Esse novo ciclo que se desenha agora tem um momento de incerteza, mas vamos ter inflação baixa e juros baixos e esse é um momento de oportunidade grande para a gente buscar uma eficiência e uma produtividade maior”, disse o executivo. “O Brasil é um País cíclico e temos dificuldade de olhar para o ciclo seguinte, ou por um excesso de otimismo ou desespero. Fica claro que temos de entender quais são as alavancas estratégicas do varejo para o ciclo que vem”, avaliou Terra.
Na Telhanorte não é diferente. Parte de um grupo com 352 anos de vida, a Saint Gobain, que soma mais de 4.300 lojas pelo mundo, a Telhanorte conseguiu criar oportunidades durante a crise. A marca adquiriu a Tumelero, do Sul do País, e agora soma 70 lojas. “Ainda estamos em um ciclo de baixa, de quatro anos seguidos de baixa no segmento de Materiais de Construção. Em volume, estamos falando em 20% na comparação com 2013 e isso fez com que o setor sofresse muito – foram mais de 22 mil lojas fechadas”, disse Manuel Corrêa, diretor-geral da Saint Gobain Brasil.
“O setor ainda é muito fragmentado e isso fez com que todas as empresas fizessem a lição de casa, como olhara produtividade de pessoas, do custo de ocupação e do custo por metro quadrado e olhar com mais profundidade os estoques. Essa tem sido uma jornada de olhar para dentro e ao mesmo tempo sem perder de vista os drivers de crescimento, como o cliente e a eficiência logística”, disse.
Experiência
O Bob’s, marca do Grupo BFFC, sabe bem quais são esses drivers. A companhia, que também detém as marcas Pizza Hut e KFC, somou um faturamento de R$ 1,3 bilhão em 2016. Marcello Farrel Silva, diretor-geral do Bob’s, divide a história da empresa em três etapas: a primeira muito próspera; uma segunda pós-investimento de um fundo; e a terceira quando o Grupo BFFC adquiriu a marca, em 2008. “A marca estava saudável novamente e começamos um novo processo de crescimento”, contou. “A gente refez todo processo que culminou para o modelo da Nova Oferta, para entrar no digital de forma agressiva nos últimos três anos”, disse. Esse processo, contudo, não foi simples. “Existia muita coisa que precisava ser purificada e esse é um momento mais propício para fazer isso, porque no ápice da economia é muito difícil fazer isso”, disse.
O que o Bob’s fez e o que muitas marcas estão fazendo é focar para a experiência do consumidor. Segundo dados da KPMG, 36% dos executivos tem como prioridade mudar a experiência do consumidor e fidelizá-lo. O estudo questionou o quão bem os executivos oferecem experiência para o cliente e apenas 23% disseram que fazem isso bem e outros 35% afirmaram que não sabem fazer. “A gente pensa que não adianta criar experiência, inovar e criar novas ofertas se continuo sendo ineficiente, se o site está fora, se não tem produto, se ele demora para ser atendido”, afirma Marcos Vinicius, da KPMG. “Muitas vezes a gente acha que produtividade é cortar custos, mas não é só isso. Se eu partir dessa premissa, comecei errado e as empresas percebem que a demanda do cliente é a premissa, elas querem criar uma experiência diferente, ma não conseguem”, explicou.