A iniciação dos chatbots na difícil tarefa de cobrar clientes inadimplentes foi feita de maneira um tanto atribulada. A robotização da voz e as interações nada fluídas pioravam a já cansativa tarefa de criar um consenso entre devedor e cobrador. Hoje, a tecnologia já permite que as máquinas conversem com consumidores de maneira muito mais natural e eficiente, mas até onde as empresas realmente têm humanizado o contato para além de uma voz mais amiga e fluída?
“O uso da tecnologia artificial não pode servir de justificativa para a estupidez natural, não pode ser incorporada apenas por modismo”, provocou Jacques Meir, diretor-executivo de conhecimento do Grupo Padrão durante o painel “Bots e Chatbots: criando personalidades amigáveis e capazes de se adaptar ao contexto do cliente”. O executivo ressaltou a importância de as empresas desenvolverem com consciência seus processos internos para além do uso das novas tecnologias, não só humanizando máquinas, mas melhorando a jornada do consumidor.
Na esteira da interação entre máquinas, homens e processos, Cristiano Santos, diretor de gestão de clientes da Algar Tech, disse, com convicção, que os bots não vão ser capazes de substituir os humanos e que a implementação da personalidade nos robôs de atendimento precisa ser um trabalho feito a quatro mãos. “Nós temos a plataforma, mas o conhecimento do negócio é do cliente. A gente constrói junto dele as estratégias, e o bot, como parte dos canais que oferecemos, precisa ser personalizado conforme as demandas da empresa”, destaca.
Eduardo Galo, CEO da Mutant, afirma que, apesar do desenvolvimento da tecnologia e da demanda dos consumidores por praticidade, o aspecto humano ainda é essencial. “Entendemos que o sistema de interface digital precisa estar pronto para se comunicar com o lado humano, afinal das contas, estamos falando com gente. E a emoção sempre faz parte”, afirma.
Bots que conquistam
A Mutant foi responsável pela implementação dos bots na Net ainda em 2005, na gênese do processo de humanização do atendimento automatizado. Mylena Maurutto, diretora financeira da Lendico, conta, em tom de brincadeira, que, como cliente da Net à época e usuária do serviço de atendimento da empresa, foi apaixonada pelo Paulo, o primeiro bot da Net. “Meu primeiro amor agora tem nome”, brinca a executiva quando soube o nome do robô da empresa de telecomunicação.
Para Mylena, os bots precisam ter, obrigatoriamente, a identidade da empresa para manter coerência no trato com o consumidor. “A comunicação que eu tenho com o cliente não pode ser diferente no digital. Há uma linguagem em nossos canais digitais de concessão de empréstimo, por exemplo, que é muito própria. Nós sabemos que foi com aquela linguagem que cativamos o cliente”, explica Mylena.
Eduardo Braz, COO da Bom Pra crédito, conta que a empresa, por já ter nascido digital, consegue ter uma comunicação eficiente na internet, e de maneira natural. “A gente nasceu de forma digital e hoje temos mais de 2 milhões de visitas no site por mês. Trabalhamos com apenas 30 pessoas e nosso atendimento é todo digitalizado. Temos quase 30 parceiros que estão do outro lado da tela, dentro do nosso marketplace, fazendo contato com o consumidor final”, detalha Braz.
A Bom Pra Crédito acompanha toda a jornada do consumidor e tem o que Braz chama de “fábrica de testes A/B” que permitem acompanhar com exatidão o caminho traçado pelo consumidor e saber onde ele abandonou o processo. “Consigo ver onde ele parou exatamente, consigo ver toda jornada e todo o status do meu funil de vendas para conversar e recuperar aquele cliente”, diz o executivo.
O olhar transcendental
Bernardo Carneiro, sócio-diretor da Stones Pagamentos, afirma que a empresa se notabilizou no mercado depois que deixou de seguir parâmetros. Foi criado um modelo de atendimento em única tela que facilitou a operação no backoffice e que reduziu o número de transferências de ligações, derrubando os níveis de fricção. “Toda vez que a gente consegue reduzir o tempo, o nosso NPS aumenta consideravelmente. Junto com isso, investimos muito em treinamento para atender sem script e ser capaz de resolver de maneira eficiente”, conta Carneiro.
Para ser eficiente no atendimento, a Stones teve que transcender o elementar. A empresa passou a acompanhar de perto problemas externos e de infraestrutura para poder antecipar as reclamações de clientes na ponta. “O principal problema do nosso encantador (atendente) era não saber porque o cliente estava ligando e se por ventura havia alguma dificuldade na operação, algum fator externo, como problemas de telecom ou nos chips dos cartões”, aponta. Hoje, a empresa dinamiza o atendimento ao levar para a tela de atendimento esses problemas externos.
Jacques Meir, do Grupo Padrão, destacou que, diante do avanço das máquinas, torna-se urgente ser transparente com as pessoas sobre o tipo de atendimento que elas estão recebendo. “O digital está chegando num momento em que ele é tão presente quanto o ar que respiramos”, instiga o executivo.
Para ele, nessa busca de colocar as máquinas para interagir com os humanos de maneira tão natural, pode ser um problema quando os consumidores já não perceberem a diferença e encaram de maneira maliciosa o contato robotizado, impessoal. “A malícia está em não perceber a fronteira, que possa fazer com que ele (consumidor) se sinta ludibriado porque a empresa não se digna a colocar uma pessoa para falar com ele”, alerta Meir.
Esse campo, apesar de espinhoso, com questões filosóficas e práticas, deve, de fato, ser trilhado pelas empresas que querem oferecer um atendimento eficiente e transformar o pós-compra, momento de maior atrito, em algo que engaje o consumidor para novas experiências.