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Por que os comerciais de televisão não são acessíveis?

Por que os comerciais de televisão não são acessíveis?

Recursos de acessibilidade nas propagadas televisivas podem ajudar as marcas a alcançarem mais consumidores, mas falta legislação que assegure a obrigatoriedade de comerciais televisivos acessíveis.

Alguém aí consegue me explicar por que os comerciais de televisão no Brasil (e no mundo, na verdade) não têm recursos de acessibilidade? A ideia não é se comunicar com o maior número de pessoas para que, de alguma forma, conheçam e/ou consumam determinado produto ou serviço? Então, por que não são veiculados na TV aberta ou a cabo com legenda, janela de Libras (Língua Brasileira de Sinais) e audiodescrição?

Estranhamente, vejo empresas postarem comerciais com todos os recursos de acessibilidade em seus sites ou redes sociais, mas na telinha eles continuam não acessíveis plenamente para pessoas com deficiências auditivas ou visuais!

Não é um total contrassenso?

Lembro-me com grande satisfação da primeira audiência que, como secretário municipal da pessoa com deficiência, tive com Bruno Covas, logo depois de que assumiu como prefeito da cidade de São Paulo. Apresentei as ponderações acima! Sem hesitar, ele pegou o telefone, ligou para o secretário de comunicação e determinou que, dali em diante, toda a publicidade em vídeo da Prefeitura de São Paulo deveria ser acessível.

Com essa medida, não só ampliamos os públicos potencialmente impactados, mas, também, nos tornamos o primeiro grande anunciante no Brasil a, sistematicamente, veicular comerciais com acessibilidade comunicacional, servindo como referência para outros governos e para o mercado em geral!

É certo que, infelizmente, a legislação brasileira não estabelece de forma peremptória a obrigatoriedade da publicidade ser acessível. A LBI – Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) determina, em seu artigo 67, que as emissoras de televisão devem assegurar um mínimo de acessibilidade na programação regular, o que não se estende aos comerciais, até porque deveria ser óbvio o interesse do anunciante em falar com mais gente.

Já estamos acostumados a ver acessibilidade no contexto das eleições, que têm legislação específica e fiscalização da Justiça Eleitoral exigindo que a propaganda gratuita seja acessível, garantindo que pessoas com deficiência tenham acesso pleno às informações. Deveria servir de exemplo!

Mesmo quanto à publicidade de órgãos públicos, não existe obrigatoriedade! O Decreto nº 9.674/2019, por exemplo, estabelece que as comunicações do Governo Federal devem observar princípios de acessibilidade, estimulando, mas não obrigando, a inclusão de recursos que ampliem o acesso da população.

Nessa mesma linha do descaso e da discriminação, é emblemática a obrigatoriedade de acessibilidade em filmes e audiovisuais produzidos com recursos de incentivos fiscais. As normas da Agência Nacional do Cinema (ANCINE), por exemplo, obrigam os produtores a depositarem uma cópia totalmente acessível na Cinemateca Brasileira, mas ainda é muito limitada a exibição desse enorme acervo ao público com deficiência.

As situações ora descritas evidenciam um grande paradoxo: apesar da existência de conteúdo acessível, sua disponibilização é restrita, desperdiçando oportunidades de comunicação, de inclusão de segmentos historicamente excluídos, de ampliação da oferta de produtos e serviços e, muito grave, de fomento do acesso à cultura.

Segundo o IBGE, cerca de 9% da população brasileira, algo como 19 milhões de pessoas, possuem deficiências moderadas ou severas. Isso significa que o total dos brasileiros com alguma deficiência é significativamente maior, provavelmente entre 12% e 15%, já que os números oficiais, por falha metodológica, não computam as pessoas com deficiências leves. É muita gente sendo desconsiderada, apesar de um poder aquisitivo estimado em pelo menos R$ 25 bilhões, sem considerarmos familiares, cuidadores e entorno, somando um impacto econômico ainda maior.

Ignorar essa quantidade de gente e esse nicho de mercado não é apenas uma potencial violação constitucional e uma grave falha ética, mas, sobretudo, um equívoco estratégico para governos que precisam se comunicar com idealmente todos os cidadãos e para empresas que buscam comercializar seus produtos e serviços.

Feitas as considerações acima, volto a perguntar: por que, no Brasil, governos e empresas não investem em acessibilidade nos seus comerciais?

De bate pronto, eu apontaria o preconceito estrutural, o capacitismo, que ainda grassa entre nós! A partir de uma perspectiva mais idealista, podemos alegar que é a falta de informação e conhecimento sobre as pessoas com deficiência. Uma desculpa usual, mas improcedente, é que acessibilidade custa caro! Os mais sem-noção vão insistir que a janela de Libras atrapalha a estética do comercial.

O que pega, mesmo, é a ausência de exigência legal específica e explícita, estabelecendo que todos os comerciais, sem exceção, devam ser plenamente acessíveis em termos comunicacionais! Enquanto não houver legislação imperativa, difícil mudarmos significativamente o quadro atual.

E o que podemos fazer para acelerar esse processo?

Como militantes, podemos pressionar nossos valorosos deputados federais e senadores para conscientizá-los sobre a causa e pedir que legislem. Ainda na linha do advocacy, vale, também, enviar mensagens às empresas e tentar convencê-las a serem mais inclusivas. Buscar ativar o Ministério Público também pode ser uma opção. Mas, talvez, mais eficaz seja entrar logo com uma ação judicial por discriminação contra quem não tem publicidade acessível e deixar o Judiciário decidir, inclusive se cabem danos morais a favor de quem viu seus direitos violados!

Ou seja, vai ser pelo amor ou pela dor?

Cid Torquato é advogado e CEO do ICOM. Foi Secretário Municipal da Pessoa com Deficiência de São Paulo entre 2017 e 2021 e Secretário Adjunto de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência entre 2008 e 2016. É autor do livro “Empreendedorismo sem Fronteiras – Um Excelente Caminho para Pessoas com Deficiência”.

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