O fim prematuro do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) é uma realidade que preocupa organizações e profissionais envolvidos na indústria de turismo e eventos. Mas não só. Isso porque o Ato Declaratório Executivo RFB nº 2/2025 impactará em cheio o consumidor final. A Receita Federal do Brasil publicou o Ato no dia 24 de março de 2025.
As mudanças nas obrigações fiscais levarão a um aumento nos custos operacionais, afetando diretamente o valor final dos ingressos e pacotes turísticos. Com a limitação dos benefícios fiscais anteriormente concedidos, as empresas do setor precisam reavaliar suas estratégias financeiras. Isso pode resultar em um acréscimo nos preços dos serviços oferecidos. Por consequência, pode desestimular a demanda em um mercado já fragilizado pela pandemia e pela inflação. A expectativa é que muitos consumidores sintam o efeito dessas modificações. Isso porque o acesso a lazer e eventos pode se tornar menos viável do ponto de vista econômico.
Quem elucida melhor esse cenário é Thais Matallo e Fernando Munhoz. Ela é sócia da área de Direito das Relações de Consumo do Machado Meyer. Já Munhoz é sócio da área tributária do escritório. Em entrevista à Consumidor Moderno, eles afirmam que as empresas do setor precisam estar atentas às mudanças nas legislações e às expectativas dos consumidores. Confira na íntegra.
A interrupção abrupta do Perse
Consumidor Moderno: A interrupção abrupta do Programa, pela ADE RFB nº 02/2025 é inconstitucional?
Thais Matallo e Fernando Munhoz: O Perse foi uma iniciativa do governo brasileiro, lançada em 2022, com o objetivo de apoiar um setor de eventos severamente impactado pela pandemia de Covid-19. Instituído pela Lei nº 14.148/2021, o programa oferecia auxílio financeiro, incentivos fiscais e outras formas de suporte para auxiliar na recuperação econômica de empresas e profissionais da área. Entre os benefícios, destacava-se a isenção de Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) por um período de 60 meses, com término previsto para 2027.
No entanto, em 2024, a publicação da Lei nº 14.859/2024 trouxe uma nova diretriz, estabelecendo que, apesar da isenção ser garantida por 60 meses, o benefício poderia ser revogado antecipadamente caso os contribuintes, ao utilizarem a isenção, gerassem uma “renúncia” fiscal de R$ 15 bilhões. Se esse limite fosse alcançado, a isenção seria cancelada. A interrupção abrupta do programa, que extinguirá o benefício fiscal a partir de abril de 2025, confirmada em 24 de março de 2025, através do Ato Declaratório Executivo RFB nº 2/2025 publicado pela Receita Federal, suscitou diversas questões jurídicas.
O Perse e a Constituição Federal
CM: Vocês poderiam explicar os aspectos jurídicos dessa interrupção?
Para entender os aspectos jurídicos dessa interrupção, é essencial considerar o princípio constitucional da segurança jurídica, que é fundamental para a proteção de outros direitos. Este princípio está consagrado na Constituição, no inciso XXXVI do artigo 5º, que afirma que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito”.
O abrupto aviso em março de 2025 sobre a interrupção fiscal a partir de abril do mesmo ano viola a garantia de segurança jurídica, princípio fundamental do direito tributário, assim como compromete a confiança legítima dos contribuintes. O estabelecimento de um prazo de fruição tinha como objetivo permitir que as empresas do setor se reestabelecessem e organizassem suas atividades, considerando a carga tributária a que estariam sujeitas nos próximos anos.
Planejamento por água abaixo
CM: As empresas confiaram nas condições estabelecidas quando o Perse foi lançado, e se planejaram para isso. E agora?
As empresas confiaram nas condições originalmente estabelecidas e realizaram investimentos planejando suas atividades para o período de cinco anos de vigência do Perse, passam a enfrentar a perda dos benefícios fiscais. Essa situação desestabiliza o ambiente econômico e prejudica a competitividade das empresas que contavam com esses incentivos para superar os desafios impostos pela pandemia de Covid-19.
Dessa forma, do ponto de vista jurídico, os contribuintes tinham a expectativa de usufruir do benefício até março de 2027. A interrupção do programa, portanto, compromete o princípio da segurança jurídica dos contribuintes que contavam com a isenção até essa data.
Organização empresarial
CM: O que as empresas devem fazer diante dessa incerteza?
Os contribuintes precisaram se adaptar às exigências do Perse, uma vez que contavam com a continuidade desse benefício por mais dois anos. Agora, é provável que a interrupção repentina do programa gere um impacto significativos às empresas. Essas, por sua vez, precisarão adotar medidas organizacionais para tentar minimizar eventuais impactos, especialmente de ordem econômico-financeira. Essa mudança implica na reavaliação dos orçamentos e estratégias de negócios, uma vez que a isenção tributária que lhes proporcionava um alívio financeiro será removida.
CM: Tais impactos podem se refletir para os clientes dessas empresas?
Sim, os impactos decorrentes do retorno da carga tributária integral para as empresas poderão ser refletidos nos clientes dessas organizações. À medida que as empresas enfrentam a necessidade de reajustar suas operações e equilibrar suas finanças, é possível que busquem maneiras de compensar o aumento dos custos operacionais resultantes da carga tributária.
Alternativas em vista
CM: Quais alternativas estão disponíveis para as empresas afetadas pelo término do Perse?
Sem dúvida, o setor de turismo está ativamente em busca de alternativas para mitigar os efeitos adversos da revogação do Perse. Uma das estratégias que está sendo considerada é a implementação de medidas de transição. A ideia é permitir uma adaptação gradual à nova realidade tributária, evitando assim um impacto abrupto nas finanças das empresas. Essa abordagem poderia incluir a redução progressiva dos benefícios fiscais até 2027, proporcionando um tempo adicional para que as empresas se ajustem às novas condições. No entanto, até o momento, não houve qualquer sinalização por parte do governo em relação a essa possibilidade. Isso gera incertezas para os empresários do setor.
Além disso, um planejamento tributário eficaz se torna uma ferramenta essencial para as empresas que desejam minimizar os impactos financeiros da revogação do Perse. Por meio de uma análise detalhada de suas obrigações fiscais e da identificação de oportunidades de otimização, as empresas podem desenvolver estratégias que ajudem a reduzir a carga tributária e a melhorar sua saúde financeira.
Direitos e deveres sobre o fim do Perse
CM: O que as empresas precisam saber sobre os direitos e deveres após o fim do Perse?
Com o fim do programa, as empresas voltarão a arcar com a carga tributária integral. Por consequência, isso implica a necessidade de retomar o cumprimento de suas obrigações fiscais habituais. O Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, destacou que, a partir de abril, as empresas começarão a recolher os tributos normalmente. Ele também mencionou que uma auditoria está prevista para o fim de maio. E, caso as projeções da Receita não se confirmem, o governo estará disposto a discutir formas de garantir que o valor de R$ 15 bilhões, relacionado à renúncia fiscal, seja atendido.
Além disso, Haddad enfatizou que a auditoria será conduzida de maneira rigorosa. A Receita Federal assumirá um papel de controle para assegurar a transparência dos números apresentados e a correção dos valores pagos. Assim, é fundamental que as empresas mantenham registros precisos e organizados de suas operações financeiras e tributárias. A ideia é facilitar o processo de auditoria e garantir a conformidade com as exigências legais. A transparência e a colaboração com a Receita Federal serão essenciais para evitar complicações futuras. Elas também ajudarão a assegurar que os direitos das empresas sejam respeitados.