O barulho é uma preocupação crescente nas áreas urbanas. O aumento do tráfego, a expansão dos eventos ao ar livre e a falta de planejamento urbano adequado são fatores que contribuem para esse cenário. Fato é que o barulho gera desconforto. E, não raras vezes, pode afetar a qualidade de vida das pessoas, causando estresse e ansiedade, e interferindo em atividades diárias, como descansar ou trabalhar.
Não é à toa que a crescente poluição sonora tem gerado preocupações. Estudos têm mostrado que a exposição constante a níveis elevados de ruído pode levar a problemas auditivos, aumento da irritação, distúrbios do sono e uma série de outras complicações de saúde. Em algumas áreas urbanas, os níveis de barulho ultrapassam o limite recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que sugere que a exposição a sons acima de 55 decibéis durante o dia e 40 decibéis à noite pode ser prejudicial.
No Brasil, esses limites raramente são cumpridos. Para se ter uma ideia, somente no ano de 2023, o Programa de Silêncio Urbano em São Paulo – Capital, conhecido como Psiu, aplicou R$ 9,1 milhões em multas. De acordo com a Prefeitura, foram mais de 32 mil atendimentos de reclamações de barulho no período. Os dados oficiais indicam ainda que este ano as reclamações seguem em alta: só no primeiro bimestre, foram 4197 solicitações que resultaram em 85 termos de orientação e 56 multas.
Barulho em bares e restaurantes
Muitos desses atendimentos, segundo a Prefeitura de São Paulo, englobam queixas sobre a operação de bares e restaurantes. Nessas empresas, as conversas dos clientes, as apresentações musicais e o funcionamento dos equipamentos de cozinha podem facilmente ultrapassar os limites definidos pela legislação. E isso independentemente do horário.
Esse panorama, a nível nacional, tende a ser ainda mais abrangente, considerando que existem cerca de 1,5 milhão de estabelecimentos registrados nessas categorias, de acordo com a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel).
Mas, afinal, o que é barulho? E o que define o que é e o que não é barulho?
“Ruído é o som que incomoda”, define o engenheiro acústico Marco Aurélio de Paula. O problema, segundo ele, é que, para quem está comemorando nas mesas ou na pista de dança, o barulho não faz diferença. “Pelo contrário, é sinal de que a festa está divertida”. Mas para quem quer descansar na residência ao lado a percepção é bem diferente.
Barulho e convívio
A situação evidenciada ressalta o dilema entre o prazer do convívio social e a necessidade de um ambiente tranquilo. Em áreas urbanas, onde a densidade populacional é alta, a coexistência de atividades festivas e residenciais demanda um planejamento adequado que minimize conflitos sonoros. O engenheiro Marco Aurélio, fundador e CEO da GRM Acústica e do Instituto da Acústica, destaca a importância de soluções acústicas. Como, por exemplo, o uso de materiais absorvedores de som e o planejamento da disposição dos espaços, para criar um ambiente harmonioso que atenda a diferentes necessidades.
“Independentemente do tamanho do estabelecimento, é possível incluir na sua estrutura a preocupação com a acústica e evitar não só as multas, mas também os atritos com vizinhos”, salienta Marco.
Incômodo: o que fazer?
E você? Já se sentiu incomodado pelo barulho excessivo de estabelecimentos comerciais na sua vizinhança?
Se sim, o primeiro passo a ser tomado é notificar os responsáveis pelo estabelecimento sobre a reclamação de barulho. Isso pode ser feito através de uma uma ligação ou um e-mail, onde é possível descrever as queixas e solicitar a redução do nível sonoro. Em alguns casos, é desejável buscar uma solução amigável através de mediação. A aproximação entre os moradores e os responsáveis pelo barulho pode, muitas vezes, levar a um entendimento mútuo, evitando prolongar o problema.
Ademais, é fundamental que os cidadãos estejam cientes da legislação municipal acerca da poluição sonora. Muitas cidades possuem normas que regulam os horários e os limites de decibéis permitidos, especialmente em áreas residenciais. Informar-se sobre essas leis é essencial para fundamentar a reclamação.
Caso o estabelecimento ignore as notificações ou a situação não melhore, é possível fazer uma denúncia formal às autoridades competentes, como a Vigilância Sanitária, a Secretaria do Meio Ambiente ou até mesmo a Polícia Militar, dependendo da gravidade da situação.
Acesso à Justiça
Se todas as tentativas anteriores falharem, os cidadãos têm o direito de buscar medidas legais através de um processo judicial. Um advogado especializado pode ajudar a avaliar a situação e decidir se é viável entrar na Justiça para exigir a cessação do barulho. Por fim, coletar testemunhos de outros moradores que também sejam impactados pelo barulho pode fortalecer a reclamação. Uma mobilização comunitária, com encontros e protestos pacíficos, pode aumentar a visibilidade do problema e pressionar o estabelecimento a adotar medidas que minimizem o ruído.
Além de apontar o problema, é interessante propor soluções ao estabelecimento, como a instalação de isolamento acústico, a mudança de horários de funcionamento, ou mesmo a limitação do volume do som. Assim, mostra-se uma disposição para cooperar em busca de uma convivência harmoniosa. Após a implementação de qualquer medida, é importante acompanhar a evolução da situação. Isso envolve relatar se houve redução do barulho e, se necessário, continuar a buscar soluções, utilizando os canais adequados para registro de novas reclamações.
O que as empresas devem fazer?
Do ponto de vista das empresas, para evitar problemas de acústica, é importante que o local tenha um projeto que leve em conta todos fatores que podem causar eco ou reverberação acústica. Em outras palavras, é importante impedir que o som interno se alastre para a vizinhança e que o barulho externo atrapalhe o ambiente. Quem explica melhor é o engenheiro acústico Marco Aurélio de Paula. “Para isso, é necessário que as paredes sejam construídas ou adaptadas de forma que se tornem barreiras contra o som. Paredes duplas, forradas com material adequado para isolamento acústico – como a lã de vidro, a espuma acústica ou revestimentos de drywall – são soluções fundamentais nesse sentido”.
Ademais, é importante considerar a redução do ruído que pode se infiltrar por meio das aberturas, como esquadrias, portas e janelas, um aspecto essencial para garantir a qualidade de um projeto acústico. “Todas as aberturas devem ser devidamente especificadas, levando em conta todos os seus componentes, como esquadrias, portas, janelas, caixilhos e vidros, assim como as guarnições dimensionadas de acordo com o ambiente acústico em que estão inseridas”, complementa Marco.
No que tange às instalações e equipamentos, como os exaustores de cozinhas, recomenda-se uma atenção especial à necessidade de medidas de controle, como enclausuramentos e barreiras acústicas. Adicionalmente, deve-se dar um cuidado especial às atividades de manutenção dos equipamentos, a fim de assegurar a eficácia das medidas de controle do ruído. “Em todos os casos, o engenheiro acústico é o profissional que vai ser capaz de entender quais as necessidades específicas daquela operação, bem como do ambiente no qual ela está inserida, fazendo as medições precisas e indicando quais as ações mais adequadas”, finaliza o especialista.