O cartão de crédito é um dos meios de pagamentos mais utilizados no varejo hoje em dia. Ele superou o débito e foi a solução que movimentou R$ 324 bilhões em transações nos seis primeiros meses do ano, sendo R$ 59 bilhões na modalidade e-commerce. Só no primeiro semestre de 2015, compras realizadas com cartões de crédito e débito movimentaram cerca de R$ 509 bilhões revelando um aumento de 10% em relação ao mesmo período de 2014. Os dados são da a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviço (Abecs).
Mas o que acontece quando uma compra é questionada pelo titular do cartão? No geral, o valor é estornado imediatamente, mesmo que já tenha sido debitado para o lojista. É nessa hora que a forma de pagamento considerada tão simples no comércio eletrônico traz um problema complexo chamado chargeback.
O que é o chargeback
Também conhecido como o terror das lojas virtuais, o chargeback nada mais é do que o cancelamento da compra que pode ocorrer basicamente por dois motivos: o titular do cartão não reconhecer a compra efetuada em seu nome ou a transação não obedecer a regulamentações previstas. O mecanismo de defesa pode ser ativado pelo titular nos casos de cartões clonados, roubos ou furto de dados. Em alguns casos, o próprio consumidor pode estar agindo de má-fé, cancelando o pagamento de compras que já usufruiu. Porém, em boa parte daqueles que ficamos sabendo, o maior prejudicado acaba sendo o empresário que não recebe o valor da venda e fica com o prejuízo. Mas será que o chargeback sempre tem que terminar assim?
Autorizar é diferente de autenticar
Percival Jatobá, vice presidente de produtos da Visa do Brasil acha a questão legal e justa, na medida em que existe diferença entre autorizar e autenticar uma compra. ?Porque autorizar não significa que você esta validando, que é o próprio cliente quem está fazendo a compra. Alguém pode estar de posse do número do meu cartão e fazer a transação. Já a autorização, conjuntamente com a autenticação, garante a veracidade da pessoa, ou pelo menos pretende?, explica.
Quando o consumidor faz uma compra no mundo virtual, o lojista on-line não tem como saber de fato se as informações estão sendo inseridas pelo titular do outro lado da tela, defende Juan Fuentes, diretor do PagSeguro. ?É diferente quando você vai à farmácia e compra o remédio, apresenta seu cartão no caixa e faz o procedimento de autenticação. Você está ali na frente da pessoa. Agora como é que vou saber se é o cliente de fato que está atrás da tela do computador??, indaga.
?Você tem as soluções de facilitadores, subadquirentes que trouxeram uma proposta de valor, principalmente para os pequenos e-commerces?, lembra Ronaldo Varela, presidente da Stelo. Por outro lado, ?trazer um cliente novo sem cadastro para a loja e dar a garantia de chargeback é uma novidade no mercado.?
Segundo Fuentes, quando o chargeback acontece, o varejista on-line precisa de um outro esquema de proteção, porque a operadora considera que o chargeback é o lojista sempre. ?O ônus não fica para o lojista: num processo de chargeback a gente cobre. Por isso que a gente é diferente de uma operadora de cartão de crédito. O mecanismo é esse: somos o intermediário.?
Lojista assume risco no contrato de adesão
E se o consumidor fica de cabelos em pé ao se deparar com um lançamento equivocado na sua fatura de cartão de crédito é porque ele geralmente não enxerga o lado do lojista. ?Se o volume de chargebacks for significativo, pode até comprometer o funcionamento da empresa. Conforme dados do Serasa Experian, este é um dos principais motivos para o fechamento de lojas on-line no país, e representou, só no ano passado, aproximadamente 500 milhões em prejuízos?, esclarece Elisa Mombelli, advogada especialista no estudo de viabilidade de novos modelos de negócios e análise de questões regulatórias e tributárias no ambiente virtual na Assis e Mendes Sociedade de Advogados.
?O faturamento de um e-commerce pode ser comprometido se o índice de Chargeback atingir proporções irreversíveis. Na maioria das vezes, o consumidor aciona o recurso quando há falta de contato com o responsável pela comercialização do produto ou quando o lojista não entrega ou envia o produto no prazo pré-determinado, seja por problemas com fornecedores ou transportadoras?, destaca Ricardo Gomes, analista antifraude da Gerencianet.
Vale lembrar que o faturamento líquido das empresas varejistas brasileiras ainda tem de abrir mão de 2,89% de seu total por conta de roubos, furtos e problemas operacionais, aponta estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Varejo e Mercado de Consumo (IBEVAR) e pelo Programa de Administração de Varejo (PROVAR).
Segundo Gomes, por contratos, as próprias credenciadoras dos cartões de créditos definem que os riscos das transações são de responsabilidade do lojista. ?Se não houver qualquer tipo de documentação que confirme que a compra foi realizada pelo próprio cliente e que o produto foi entregue no endereço correto, os prejuízos são direcionados para os lojistas. Geralmente, os documentos aceitos para comprovação são notas fiscais e recibos de entregas dos Correios / transportadoras?, conta.
Para Elisa, na forma como está estipulado nos contratos de credenciamento, o lojista é que fica sem proteção, pois é ele quem deixa de receber o pagamento. ?Em geral o lojista não tem capacidade técnica para identificar e evitar fraudes. As próprias credenciadoras é que se incumbem de analisar e autorizar a transação. Na maioria dos casos, o produto já foi entregue, representando prejuízo para o e-commerce. ?
A advogada explica que o ônus financeiro não é assumido voluntariamente pelo lojista, e sim imposto no contrato de adesão ao sistema de credenciamento. ?Para usar o serviço de intermediação, o lojista fica obrigado a aderir aos termos do contrato, sem que possa discutir ou afastar cláusulas. Por isso são chamados de contratos de adesão. Nestes contratos está previsto que as compras não reconhecidas pelo titular não serão repassadas ao estabelecimento, mesmo que o produto tenha sido entregue e já não seja mais possível reverter o prejuízo.?
Contestando o risco
De acordo com a especialista, as atividades de concessão de crédito (emissão de cartões) e de processamento de pagamentos remotos (entidades credenciadoras e meios de pagamento) são atividades de risco, conforme o artigo 927, parágrafo único, do Código Civil. Diante disso, os riscos envolvidos nestas operações ? tais como fraudes, roubos e clonagens de cartões ? devem ser assumidos pelas entidades que operam e autorizam as transações, e não pelos lojistas. Ou seja, Elisa defende que, se o contrato padrão da operadora atribui ao estabelecimento a responsabilidade por uma compra cancelada ? o prejuízo ?, é possível contestar esta cláusula no Judiciário e obter o pagamento dos valores retidos.
?No entanto, o sistema é criado e gerido pelas credenciadoras. A intermediação de pagamentos ? a comunicação entre o lojista e as administradoras de cartões ? é o serviço pelo qual elas são remuneradas, é a sua atividade-fim. Portanto, assim como os lucros, devem assumir também os riscos?, argumenta. ?O risco de fraudes é inerente à atividade desempenhada pelas credenciadoras, e somente elas são dotadas de capacidade e conhecimento para minimizar a sua incidência. Transferir os riscos e as responsabilidades para os lojistas é evidentemente abusivo. Porém, dada a impotência do lojista frente à credenciadora, a única forma de invalidar esta cláusula será pela via judicial?, conclui a advogada.