Na abertura do 36º Encontro Estadual de Defesa do Consumidor, que celebrou os 49 anos do Procon-SP, Luiz Orsatti Filho, diretor-executivo da Fundação Procon São Paulo, tratou os desafios do endividamento, e as diversas ações para que a lei “saia do papel”, e realmente beneficiem o consumidor.
Em sua fala, ele tratou do aniversário do Procon-SP e da “contagem regressiva” para os 50 anos em 2026. “Sendo o primeiro Procon do Brasil e uma referência nacional, estamos em um processo de retomada do protagonismo técnico. Esse é o foco do nosso trabalho. Já realizamos a mudança de sede, que é um dos muitos passos que estamos tomando nessa trajetória de resgatar esse protagonismo. E os 50 anos certamente marcarão um momento histórico, não apenas aqui no Estado, mas em todo o País. Sempre com a intenção de reverter a atenção para o consumidor.”
Acessibilidade/Inclusão
Marcos da Costa, secretário de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência, também compareceu à abertura do 36º Encontro. Em seu discurso, Marcos enfatizou que, somente no Estado de São Paulo, existem 3 milhões e 200 mil pessoas com deficiência. O número equivale à população do Uruguai. “Essas pessoas são consumidoras. Além dos direitos consagrados no nosso Código de Defesa do Consumidor, a Lei Brasileira de Inclusão estabelece direitos adicionais que se aplicam aos consumidores.”
Segundo ele, esses direitos possuem duas vertentes:
- A acessibilidade, que assegura que o consumidor tenha acesso aos serviços públicos e privados de natureza pública;
- E a inclusão, que se refere ao conceito de cidadania. Essa tem o objetivo de preparar a sociedade para acolher todas as pessoas, independentemente de terem ou não algum tipo de deficiência.
Consumidores vulneráveis?
“Muitos dos problemas do Brasil são reflexos do CDC tratar todos os consumidores como hipossuficientes e vulneráveis. Essa abordagem é uma das coisas mais prejudiciais que ocorreram no Brasil nos últimos 30, 40 anos”. Foi com essa declaração que o secretário de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo, Fábio Prieto, enfatizou a problemática de uma legislação que, em vez de empoderar o cidadão, o reduz à condição de dependente. Em sua visão, essa percepção distorcida dentro do CDC leva à perpetuação de uma cultura de paternalismo.
Ou seja, nela, o Estado assume um papel de provedor, limitando a autonomia dos indivíduos e, consequentemente, a própria capacidade de escolha.
Segundo Fábio Prieto, é como se a burocracia do Estado tivesse a prerrogativa de declarar que o consumidor é insuficiente, vulnerável e que precisa de assistência. “A situação chegou ao ponto em que, para supostamente proteger nossos aposentados e pensionistas, o Estado intervém em suas contas e toma seu dinheiro ‘em nome da proteção'”.
CDC: o que é vulnerabilidade e hipossuficiência?
No contexto do CDC, a vulnerabilidade refere-se à condição de fragilidade em que o consumidor se encontra em relação ao fornecedor. No Brasil, o legislador considera a vulnerabilidade um “princípio essencial”, o qual justifica a proteção ao consumidor. Diversos aspectos identificam a vulnerabilidade, incluindo a falta de informação, o acesso limitado a produtos ou serviços, e a assimetria de poder entre o consumidor e o fornecedor, por exemplo.
Já a hipossuficiência é uma situação específica em que o consumidor enfrenta dificuldades para apresentar provas no processo, funcionando como um critério para a inversão do ônus da prova.
A hipossuficiência, portanto, reconhece que nem todos os consumidores possuem os mesmos recursos ou conhecimentos para lidar com questões jurídicas e contratuais. Em situações em que a hipossuficiência é demonstrada, o juiz pode determinar, por exemplo, que o fornecedor prove que não houve falha na prestação do serviço ou que o produto fornecido era adequado, em vez de caber ao consumidor essa prova.
CDC: consumidores e fornecedores
Para o secretário, é crucial refletir sobre como essa abordagem afeta a relação entre consumidores e fornecedores. Afinal, ao rotular todos os consumidores como vulneráveis, o legislador ignora a diversidade de perfis e experiências entre os cidadãos. Isso resulta em um sistema que, embora vise proteger, acaba por engessar o mercado e inibir a competitividade.
“Vivemos a absurda realidade de transformar o cidadão em um dependente, vulnerável e insuficiente. É essencial que isso seja revertido. Devemos contestar toda lei que afirma que o cidadão brasileiro é vulnerável. O cidadão pode ter direitos variados e necessidades diferentes em determinadas questões, mas não se pode rotulá-lo como insuficiente. Essa noção abre espaço para a intervenção do Estado, que se mostra excessivo e caro para todos nós. Estamos diante de um cenário em que a proteção se transforma em invasão, como o exemplo da conta do aposentado”, afirma Fábio.
Ele ainda traçou uma comparação entre Brasil e Estados Unidos, onde tratam o consumidor com excelência. Por lá, ele é o protagonista. Em sua visão, se alguém deve ser considerado insuficiente, que seja o Estado, o governador ou o legislador, e não o cidadão, que está acima de todos nós. “Nossa luta diária é contra esse conceito equivocado que permeia nossa abordagem.”
O quanto somos consumidores?
Por sua vez, o deputado federal Celso Russomano falou da importância do consumo e do CDC na vida de todos nós. Isso porque nós somos consumidores o tempo todo. Quando estamos dormindo, estamos utilizando os alimentos que estão em nosso sistema gastrointestinal. Se passamos mal por conta de algo que consumimos durante o dia, fazemos uso de medicamentos, produtos e serviços de médicos e profissionais de saúde. Ao acordarmos e nos olharmos no espelho, também estamos utilizando recursos. Ao acender a luz, consumimos um bem material que, embora invisível, está presente em nosso cotidiano. Imagine ficarmos sem energia elétrica. Ao abrirmos a torneira, há toda uma cadeia de trabalho e serviços que garante que a água chegue até nossas casas com qualidade.
“Ao colocarmos os óculos, estamos consumindo, assim como as cadeiras, o som e o equipamento que temos ao nosso redor. Estamos em constante consumo, 24 horas por dia. Portanto, se não temos direitos, não temos cidadania.”
Na oportunidade, Celso Russomano destacou a importância da inclusão e acessibilidade para pessoas com deficiência, enfatizando que qualquer um pode se tornar deficiente a qualquer momento. Ele também pontuou o quanto é fundamental que a sociedade reconheça a necessidade de adaptar seus espaços, serviços e oportunidades para acolher a diversidade. Afinal, o acesso à informação, transporte, educação e emprego deve ser garantido a todos, independentemente de suas limitações físicas ou mentais.
Estiveram ainda presentes na abertura do 36º Encontro Estadual de Defesa do Consumidor as seguintes autoridades:
- Deputada estadual Carla Morando;
- A juíza Claudia Maria Reberte Campaña;
- O defensor público Luiz Fernando Baby Miranda;
- A coordenadora do Procon Paulistano, Cristiane Pereira;
- E a presidente da Comissão Permanente de Defesa do Consumidor da OAB SP, Ellen Cristina Gonçalves Pires.
36º Encontro do Procon-SP
O 36º Encontro Estadual de Defesa do Consumidor considerou, em um dia inteiro de atividades, as preocupações de todo o setor em relação aos impactos sobre a vida dos consumidores. O Encontro também focou nas estratégias para enfrentar esses desafios, incluindo a busca por parceiros fora da estrutura formal de defesa do consumidor. O tema “Jogos e Apostas Online e a Proteção e Defesa do Consumidor” foi apresentado pelo Diretor de Projetos e Pesquisas do Instituto Brasiliense de Direito, Ricardo Morishita, que compartilhou dados de uma pesquisa realizada pelo IPESPE, a qual revelou que quase metade da população já está jogando diariamente.
A presidente da Comissão de Concorrência do Instituto dos Advogados de São Paulo, Juliana Oliveira Domingues, abordou a temática “Concorrência e Direito do Consumidor – faces da mesma moeda”. Ela traçou um panorama da concorrência empresarial e seus impactos diretos nas relações de consumo. Por consequência, o procurador do Estado de São Paulo e professor Valter Farid, juntamente com a Gerente de Normas e Relacionamento com o Consumidor e Autorregulação da Febraban, Alessandra Camargos, discutiram o “Novo Crédito Consignado e Superendividamento”.
CDC e inovação
Por analogia, para tratar sobre Inteligência Artificial, o professor Renato Opice Blum demonstrou a dinâmica da ferramenta nas relações de consumo. No último painel, “Direito do Consumidor Comparado – europeu, norte-americano e brasileiro”, o advogado Luciano Timm destacou problemas que levam à judicialização.
Por fim, o secretário-executivo de Estado da Justiça e Cidadania de São Paulo, Raul Christiano, ressaltou a importância e a relevância dos temas discutidos para a defesa do consumidor. Ele destacou a oportunidade de os Procons, como vetores de cidadania, participarem dos debates sobre questões que afetam a vida dos cidadãos consumidores. “O Procon, em São Paulo, é sinônimo de defesa do consumidor. E neste evento iniciamos a contagem regressiva para comemorarmos, no ano que vem, os seus 50 anos de existência.”
O evento contou com tradução simultânea em libras e está disponível na íntegra na TV Procon (canal do Procon-SP no YouTube).