Na mesa do empresário Marco Stefanini, fundador e CEO da Stefanini, um pequeno quadro se destaca. Nele, uma foto do ator Will Smith no filme “À procura da Felicidade” e a frase “Estude enquanto eles dormem. Trabalhe enquanto eles se divertem. Lute enquanto eles descansam. Depois, viva o que eles sempre sonharam.” É praticamente um mantra na vida de Stefanini.
A frase é creditada a um provérbio japonês que o empresário tenta seguir à risca. A sua rotina de trabalho é incessante. Muito por causa do setor em que ele escolheu trabalhar e no qual criou a sua empresa que faturou R$ 2,8 bilhões no passado. Na tecnologia, tudo é muito rápido e a empresa que não se transforma todos os dias pode ficar no passado.
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Esse é o grande desafio de Stefanini. Segundo ele, a empresa precisa ultrapassar o nível de uma prestadora de serviços de TI para uma integradora digital dos negócios das companhias. Por isso, a sua principal missão é mostrar para as empresas os benefícios de uma transformação digital. Mais: a imprescindibilidade dessa mudança de cultura.
Na entrevista a seguir, Stefanini avalia o atual momento de digitalização dos setores brasileiros e a ameaça estrangeira.
CM – Na sua visão, como está a transformação digital no Brasil? Ainda está muito no discurso?
Marco Stefanini – Na minha percepção, tudo está mudando bastante e muito rápido. Até 2016, as empresas tinham bastante curiosidade sobre o tema, mas ficavam muito na base da conversa. No ano passado, no entanto, começou um foco e até uma execução maior. Claro que se você analisar o número de cases digitais ainda é pouco expressivo. Só que se comparar ao ano de 2016, já tem uma perspectiva muito melhor. Os anos de 2018 e 2019 devem ser o ano de transformação digital e acredito que as empresas vão se dedicar ao tema.
CM – A percepção de transformação digital está muito ligada à melhoria da experiência do cliente. É isso o que as empresas buscam?
MS – O movimento digital, para nós, claro que passa pela experiência do usuário e pela multicanalidade, mas não é única. Essa parte de back office, a indústria 4.0, a logística e toda a mentalidade digital do ponto de vista de eficiência, cadeia produtiva mais estreita e menor, ele vai tomar contornos maiores a partir desse ano.
CM – As empresas estão mudando por vontade de estar à frente do movimento ou por necessidade?
MS – O grande motor das grandes empresas é a necessidade. Elas têm uma certa inércia. Para elas mudarem, elas precisam ser pressionadas. A pressão vem de duas frentes: da crise, mas também da própria digitalização. A crise traz contornos mais dramáticos para o Brasil. Mas, independentemente da crise, as empresas vão precisar se mexer.
CM – E como você avalia o atual momento das empresas no Brasil? Quando a Amazon anunciou a entrada em diversos segmentos por aqui, por exemplo, as ações das varejistas despencaram. As empresas brasileiras ainda estão muito atrás desses grandes concorrentes?
MS – Boa parte dos setores está sendo pressionando por esses competidores, digamos, diferentes. E que incluem gigantes como a Amazon, que também está pressionando o próprio mercado americano. Se você analisar o varejo, a pressão não é só por aqui, mas global. É uma questão de movimento, não de país. A digitalização é uma pressão. Não é por acaso que algumas empresas estão se reposicionando e conseguindo bons resultados, como é o da Magazine Luiza. Enfim, é um novo modelo econômico ameaçando o velho modelo econômico.
CM – Você colocaria setores na frente dos outros no quesito digitalização?
MS – Os grandes bancos realmente vêm fazendo um esforço bastante grande em se reinventarem. É um processo difícil, pois são gigantes. Tudo o que se fala em digitalização pode ser visto como uma busca por leveza, flexibilidade e velocidade e isso não combina com tamanho grande. Mas os bancos estão fazendo um bom trabalho. Do outro lado, acredito que as seguradoras estão um pouco atrás até pelo perfil conservador que o setor possui. Quanto ao varejo, acredito que o setor vai ser movimentar bastante nos próximos dois ou três anos e tanto concorrentes brasileiros quanto estrangeiros.
CM – O varejo está atrasado?
MS – O varejo no Brasil tinha uma característica que era o investimento em tecnologia inferior a países que possuem o mesmo perfil do Brasil. Até por conta disso, o perfil do varejo é menos tecnológico do que em outros lugares, como a China. Então, o varejo tem a oportunidade de dar um salto e se equiparar até a outros países emergentes.
CM – E a questão da indústria 4.0 no País?
MS – O Brasil está atrás e ainda tem a questão da crise, que impactou muito todo o setor. O País vem há muitos anos de forte pressão em cima da indústria, então ela tem um desafio muito grande. A maior parte está descapitalizada. Mas, ao mesmo tempo, recomendo enxergar o meio copo cheio. Às vezes é a grande oportunidade de ser o ponto de virada. Até o nosso setor de tecnologia está tendo que se adaptar, pois os produtos se transformam muito rapidamente.
CM – Na sua opinião, o que segura os investimentos em tecnologia e transformação digital? Falta de dinheiro ou questão de cultura?
MS – A resistência é global, não só Brasil. As grandes empresas têm um status quo e uma inércia, o que traz mais dificuldade na hora de transformar o negócio. É um desafio global: quanto maior a companhia, mais difícil dela mudar. E para que isso aconteça, tem que haver uma mudança de mentalidade na liderança. Os líderes precisam sair da zona de conforto e entender o papel deles nessa transição. Pois você não pode destruir o que você tem para apostar o novo. Como fazer o modelo de transição respeitando a saúde financeira da empresa e, ao mesmo tempo, não sendo lento suficiente para que não permita as inovações.
CM – Como é vender soluções atualmente em comparação ao passado?
MS – Antes, vendíamos somente para pessoas de TI. Hoje, você tem que se relacionar com os negócios, mas quem lidera a transformação digital é a área de negócios. Outra mudança que vem acontecendo é que a tecnologia não é só vista como uma área de redução de custos. Antes, a disputa era focada nos valores. Agora, é o benefício: o que as minhas soluções podem fazer para alavancar os seus negócios? E no Brasil é algo importante, pois no quesito de custos, é o país mais difícil de se operar. Para completar, a tecnologia ajuda as empresas a trabalharem melhor em equipe.
CM – Como vai ser o ano de 2018, tanto para a Stefanini quanto para o Brasil?
MS – No caso do Brasil, com a crise, ainda vai ser um ano difícil. Quando você soma o impacto da crise com a questão da transformação digital, o problema fica ainda maior. Tem as turbulências econômicas e políticas. E a Stefanini tem que se transformar sempre, pois é um mercado que muda muito rápido. Eu diria que 2018 e 2019 vão definir o nosso futuro e o de muita gente. Dependendo de como você se posiciona, vai definir o que vai ser de amanhã. Tanto no mercado, quanto a própria Stefanini.
CM – Como se preparar para isso?
MS – (Marco Stefanini olha para a imagem em sua mesa e sorri).