O Brasil começou a testar o Real Digital, a tokenização da moeda brasileira emitida pelo Banco Central, e terá, em breve, o Open Capital Market, mais uma fase de descentralização da economia promovida pelo BC, que já capitaneou duas mudanças importantes para os serviços financeiros e os consumidores: o Pix e o Open Finance. O anúncio foi feito por Fábio Araújo, diretor do Banco Central, responsável por coordenar o projeto Real Digital.
Araújo estava acompanhado do presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), João Pedro Nascimento; de Leandro Vilain, diretor-executivo de Inovação, Produtos e Serviços Bancários da Febraban e de Jefrey Santos, CTO da Capitual, em evento da Casa Lide para discutir as inovações digitais para os mercados e a economias.
O projeto prevê que o Real Digital passe a circular em 2024, mas a moeda já é, de algum modo, realidade. Apenas 3% das transações realizadas no país são feitas com dinheiro vivo. Pix, cartões e transferências bancárias respondem aos outros 97%.
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“O Real Digital é uma inovação que vai trazer mais agilidade para as transações através dessa tokenização e da tecnologia de blockchain. Nosso papel como BC não é barrar a inovação, mas absorver essa inovação e regular para que ela seja bem aproveitada e possa chegar bem ao consumidor final”, explica Araújo.
Leandro Vilain ressalta o pioneirismo e o protagonismo do Brasil em inovação. “Somos líder em digital, os brasileiros absorvem tecnologia muito rápido, e o setor bancário entendeu comportamento do consumidor”, indica. “A tendência é que aconteça o mesmo com o Real Digital, que vai otimizar diversas operações e pode ser revolucionário, assim como aconteceu com o Pix e está acontecendo com o Open Finance”, afirma o diretor-executivo da Febraban.
Real Digital, a criptomoeda brasileira
Mas para que serve na prática o Real Digital? Em uma transferência, seja uma negociação entre empresas ou a venda de um carro usado de uma pessoa para outra, em vez de precisar de um intermediário – como bancos e cartórios – a transferência é autenticada por um sistema totalmente digital que garante que depois que a transferência for feita, o valor saia de uma carteira para a outra.
“É uma democratização dos serviços, que permite reduzir custos e aumentar eficiência, e para além das transferências, gerir processos financeiros de forma mais barata e ágil”, aponta o diretor do BC. A moeda digital também ajuda a combater fraudes, corrupção e financiamentos ilegais, ao promover uma maior rastreabilidade do dinheiro.
Jefrey Santos, CTO da Capitual, explica o que são esses contratos inteligentes tokenizados. “Eles são uma espécie de software que calcula de forma descentralizada, e se o resultado for igual, a operação é confirmada, assim não é preciso de fiadores e as transações acontecem imediatamente”.
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Com o Real Digital, o consumidor, seja ele uma indústria, um pequeno negócio ou um indivíduo, não ficarão presos a provedores – no caso bancos, que tendem a focar suas operações serviços financeiros, como crédito. “Mais do que uma moeda, o Real Digital é uma nova plataforma para negociação de ativos digitais. O BC tem acompanhado a velocidade de evolução da tecnologia para colaborar com mercado e reguladores”, destaca Araújo.
“O Brasil dá show de bola no uso de tecnologia em bancos”, elogia Vilain, que lembrou que o Pix não reduziu significativamente o uso de cartões, transferências online e nem mesmo de boleto. Só no primeiro ano do Pix, foram 2 bilhões de transações com o sistema de pagamento instantâneo. “Acreditamos que o era feito com dinheiro em espécie hoje é feito com o Pix. Ele canibalizou dinheiro vivo”, avalia o diretor-executivo de Inovação, Produtos e Serviços Bancários da Febraban.
Lei das Criptos é boa, mas precisa avançar
Para João Pedro Nascimento, advogado especialista em direito comercial e presidente da CVM, a legislação recém aprovada foi um avanço importante, e muito bem-sucedida em prever a necessidade de autorização para as criptoexchanges, mas deixou pontos em aberto. “É preciso elaborar mais questões como a segregação patrimonial, como os recurso de clientes com exchanges e o debate sobre os requisitos mínimos de governança”.
Nascimento destacou a harmonia entre os entes que estão discutindo as inovações, CVM, Banco Central, executivo e mercado. “É um common rail, como Roberto Campos Neto, presidente do BC gosta de dizer. Estamos em um trilho comum indo em direção ao mercado de capitais, e nem sempre a gente precisa de muitas leis pra tudo, a criptoeconomia vai funcionar um pouco como economia, com divisão de áreas de competência”.
“O Brasil dá show de bola no uso de tecnologia em bancos”
O entendimento da CVM sobre essas normas é que é preciso separar o que são os criptos que se caracterizam dos valores mobiliários, e a lei do Real Digital é um começo importante para de trazer previsibilidade, combate à corrupção, lavagem de dinheiro. Em mais uma analogia com automóveis, Nascimento relembra que a regulação das leis de trânsito, de condução e produção não aconteceram antes do carro ser inventado, mas à medida em que ele se popularizava e se transformava no principal meio de transporte no mundo.
Quanto ao receio das criptomoedas serem um ambiente inseguro, principalmente depois dos casos de esquemas de pirâmide e estelionato registrados principalmente fora do Brasil, Nascimento reflete que a Comissão é um regulador de conduta, que não faz juízos de mérito, mas Nascimento faz uma crítica ao mercado cripto: a clareza e a transparência das informações relacionadas a esse mercado.
“Proibir inovação é algo malsucedido, é preciso criar valores para ela. Fraudes existem em todas as tecnologias, inclusive em boletos. Nosso papel é estimular a tecnologia e punir as fraudes e crimes”, ressalta o presidente da CVM.
Como afirma Jefrey Santos, CTO da Capitual, os CDBCs (Central Bank Digital Currency)– nome técnico das moedas digitais emitidas por bancos centrais, como o Real Digital – são um pouco diferente do conceito de criptomoedas exatamente por serem reguladas pelo governo, que dá mais garantias. Ainda assim, ele vê as criptos como passaportes para economia do futuro.
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“Elas podem ser usadas em qualquer lugar do mundo que aceite essa forma de pagamento. O principal é que a natureza das moedas proporciona mudança relevante na forma como as transações são realizadas. O verdadeiro benefício vai além dos transacionais práticos. A redução de intermediários agiliza, reduz custos e traz mais segurança, e as criptomoedas como o Real Digital podem ser a ponte para conectar economias internacionais de forma mais rápidas, mais baratas e mais fáceis”, avalia o CTO.
Sobre isso, Nascimento faz uma ponderação. “É importante diferenciar a tokenização, como é o caso do Real Digital, das criptomoedas de mercado. Mesmo para quem tem conhecimento técnico, ele é excessivamente complexo”, opina. “Às vezes parecer haver a intenção de dificultar a percepção sobre o que é cripto, e acredito que é preciso valorizar a transparência com uma linguagem acessível que alcance o público, para dar informações de forma clara e que o destinatário possa formar seu próprio juízo, isso dá respeitabilidade para a transação”, sugere o presidente da CVM.
Mercado de Capitais Aberto
No evento da Lide também foi feito o anúncio do lançamento do Open Capital Market, terceiro bloco das finanças descentralizadas para os mercados de capitais, que permitirá a portabilidade de fundos. O Brasil não tem regras de transferências de custódia. “Estamos chamando de Pix do mercado de capitais”, revela o diretor do Banco Central, Fábio Araújo. Isso porque esse novo passo pode trazer mudanças profundas na relação entre corretoras e consumidores – que ganharão mais autonomia para decidir onde e como gerir seu dinheiro, em vez de ficar “presos” às instituições onde iniciaram seus investimentos.
Hoje para um investidor trocar de banco ou corretora, ele precisa resgatar seus valores e fazer uma nova negociação. “Isso empodera o consumidor e dá mais poder de barganha. Temos visto como um mantra a proteção do varejo, para que ele cresça. Por exemplo, o ESG é uma pauta defendida por grandes investidores, do atacado, mas os pequenos, não conseguem impulsionar muito, a portabilidade permite e cobre aderência a valores importantes”, ressalta João Pedro Nascimento.
O BC responde às principais dúvidas sobre o Real Digital
O Real Digital e o dinheiro em papel moeda são a mesma coisa?
Sim. Qualquer transação feita em dinheiro vivo pode ser feita com o Real Digital. O BC garante a interoperabilidade entre essa nova forma do Real e os meios de pagamento hoje disponíveis, inclusive Pix, boleto, transferências.
Como ter acesso ao Real Digital?
Em uma carteira virtual de um agente autorizado pelo BC – como um banco ou uma instituição de pagamento.
Será possível realizar pagamentos offline com o Real Digital?
O BC está trabalhando para isso, mas por enquanto as tecnologias para garantir que pagamentos offline sejam feitos com segurança e integridade do sistema ainda estão em desenvolvimento.
O Real Digital é seguro?
Ele tem os mesmos níveis de segurança e privacidade quanto qualquer transação financeira feita no sistema bancário e de pagamentos.
O Real Digital pode ser convertido em dinheiro vivo?
O uso do Real Digital será transparente, e poderá ser convertido para qualquer outra forma de pagamento existente – como depósito bancário convencional ou em real físico – e também poderá ser utilizado para pagamentos do dia a dia.
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