Pense no seu dia a dia. Você acorda e decide pedir um carro por aplicativos como Uber e 99 para não precisar dirigir até o trabalho. No caminho, lembra que precisa pagar algumas contas no banco e logo abre o aplicativo da instituição financeira da qual você é cliente e começa a resolver tudo por ali. Chegando ao escritório, decide pedir algo para comer por um aplicativo como o iFood. Tudo isso enquanto escolhe a música que você bem entender por um programa de streaming.
Agora, imagine essa rotina há um pouco mais de uma década. Nada disso poderia ser feito sem o auxílio de vendedores, atendentes e muitos números de telefone em sua agenda. E essa evolução não vai parar por aí. Estamos na era do autosserviço – cada vez mais consumiremos produtos ou serviços sem nenhum contato humano. E a digitalização vem sendo a peça-chave dessa mudança.
Confira a edição online da revista Consumidor Moderno!
O cliente não quer mais ruídos. Ele não quer ter trabalho para fazer uma compra, ele precisa de algo que seja rápido, prazeroso e, de certa forma, imperceptível. Peguemos o exemplo da Netflix: é debitado todos os meses do nosso cartão de crédito e nem lembramos que estamos pagando por aquele serviço. Esse tipo de atendimento é muito bem explicado por um estudo da KPMG. A consultoria identificou os seis pilares fundamentais para as empresas melhorarem a experiência do consumidor com as suas marcas e produtos.
A personalização é o primeiro deles – e o que mais impacta na venda. De acordo com o estudo, para 22% dos entrevistados, a personalização do atendimento (mesmo que não tenha humanos envolvidos diretamente) é fundamental para a compra. O Spotify tem mais de 1 milhão de assinantes e cada um tem a sua lista semanal personalizada. Na sequência, em ordem de importância, vem integridade (18%), tempo de atendimento (17%), expectativas alcançadas (15%), capacidade de resolver problemas (16%) e empatia (12%).
E se as empresas conseguem equilibrar bem todos esses pilares, o resultado é um cliente mais satisfeito e que vai gastar mais. E para que tudo isso aconteça, segundo Paulo Ferezin, sócio-diretor da KPMG, uma transformação digital precisa acontecer.
“O consumidor quer cada vez mais resolver os problemas de forma objetiva, rápida, prática e no menor atrito possível”, diz Ferezin. “E a digitalização já é uma realidade e um processo irreversível, porém ainda não é uma realidade plena para algumas empresas”.
Esse autosserviço com tecnologia não necessariamente precisa ser algo de outro mundo, como uma tecnologia totalmente disruptiva. Pode ser algo simples – e muitas vezes é exatamente isso o que o consumidor procura.
Segundo dados levantados pela consultoria PwC, um site simples de navegar e com informações claras é muito mais importante do que notificações e atendimentos proativos das empresas: 50%, ante 19%. O problema é que existem companhias que esquecem do básico para focar na dificuldade. Daí, não conseguem atingir resultados positivos.
Existem momentos que o cliente pode resolver todos os problemas sozinho, sem gerar custos adicionais para a empresa. “O autosserviço enquanto frente de atendimento ao consumidor, ainda é uma tendência no Brasil e não uma realidade”, diz Ricardo Neves, sócio da PwC Brasil. “Durante muitos anos os modelos predominantes eram o call center e a resolução na loja por meio do vendedor”.
Um caminho longo
O varejo físico, aliás, ainda patina no autosserviço. De acordo com a pesquisa Global Consumer Insights 2018, também feita pela PwC, 24% dos brasileiros nunca tiveram uma experiência com tecnologia auxiliar na loja. Outros 20% até tiveram, mas ficaram bem decepcionados com elas.
“O Brasil ainda precisa vencer algumas barreiras, dentre elas as estruturais digitais, tributárias e logísticas, mas também o poder de investimento dos varejistas que ficou retraído nos últimos anos em virtude da crise”, diz Neves.
De fato, o nosso País ainda carece de investimento na área. Levantamentos feitos pela ONG Batelle apontam o Brasil como o décimo maior investidor em tecnologia no mundo, com cerca de US$ 30 bilhões anuais. Mas ao analisar a porcentagem do Produto Interno Bruto dispendida, cerca de 1,3%, o Brasil cai para a 36ª posição. E isso cria um cenário de disparidades.
Enquanto países como Cingapura caminham rapidamente para o 5G, o Brasil mal tem uma cobertura de 4G que funcione perfeitamente em grandes capitais. Isso acaba atrasando muito o desenvolvimento tecnológico brasileiro.
Alguns exemplos dessa lentidão são medidos na velocidade que serviços são implementados no Brasil. Um dos mais recentes e notório foi a estreia da Apple Pay em terras canarinhas.
Enquanto o serviço de pagamentos da empresa fundada por Steve Jobs foi lançado em 2014, juntamente com o iPhone 6, a tecnologia só chegou no Brasil em abril deste ano, por meio de uma parceria entre a gigante da maçã e o Banco Itaú.
O País foi o primeiro da América Latina a receber o serviço e o 31º do planeta – um alento pensando regionalmente, mas é de se esperar que a oitava maior economia do mundo estivesse mais à frente nas pretensões da Apple. “O Apple Pay é um passo importante que estamos dando na jornada dos pagamentos digitais no Itaú Unibanco. Queremos fornecer soluções inovadoras que agreguem a experiência do cliente com o banco”, diz Marcelo Kopel, diretor executivo de Cartões do Itaú Unibanco.
As empresas correm atrás
Lá fora, temos muitos exemplos bem-sucedidos de autosserviço. A inauguração da Amazon Go este ano em Seattle, nos Estados Unidos, é um dos mais emblemáticos. Basta que o cliente entre no supermercado e retire o produto da prateleira para que o sistema reconheça a ação e adicione o item à lista de compras.
O pagamento é feito na saída, de forma automática. Sem caixas. Sem filas. “A gente tem nas empresas a cultura de ‘eu tenho um produto para procurar um cliente’, e hoje o conceito ‘eu tenho um cliente para encontrar para ele um produto’”, diz Ferezin.
A Amazon, diz ele, parte justamente desse conceito. “Ela oferece ao cliente o que ele quer, na condição que ele quer e no melhor nível de eficiência que possa encontrar. O foco é o cliente, e não o produto”, diz o especialista.
A varejista britânica Argos é outro exemplo. Ela remodelou a loja física para entregar pedidos online em mãos, em até 60 segundos. Já a rede de supermercados francesa Auchan inovou ao instalar armários refrigerados para que os consumidores passem e retirem as compras feitas pelo site. Por aqui, as companhias locais sabem que esse processo de digitalização pode trazer tanto ganhos financeiros quanto de eficiência.
E já vemos algumas iniciativas nesse sentido, como as do Grupo Pão de Açúcar. Primeiro, a rede lançou um programa de fidelidade; depois, permitiu a troca de pontos por créditos e, na sequência, lançou um app para a oferta de produtos customizados. A última novidade é a possibilidade de reservar um horário no caixa para evitar filas.
Autosserviço multicanal
Iniciativas assim vão em encontro ao que o consumidor procura: mais autonomia. Como clientes, sabemos que é desagradável ter que falar com diversas pessoas para resolver um problema que, na teoria, é simples. É o que mostra um levantamento da PwC, no qual 73% dos consumidores querem ter um atendimento que converse entre si – ou seja, sejam complementares e que funcionem da mesma forma em todos os canais.
“Os canais digitais são melhores para tarefas mais independentes e menos envolvidas, como verificar o status da conta e lidar com problemas de sites e aplicativos para dispositivos móveis”, diz Neves, da PwC. “Ao mesmo tempo, os consumidores sentem-se mais confortáveis usando os canais tradicionais para problemas que afetam seu bolso, como cobranças e reembolsos”.
O fato é que, simples ou complexas, as mudanças de uma empresa rumo ao autosserviço precisam levar em consideração as necessidades do consumidor, que quer comprar e resolver problemas de forma rápida, prática e, claro, sem atrito.