Negra, ativista, mãe, ativista, atriz, ativista, diretora de cinema, ativista, produtora, ativista, jornalista, ativista, pobre, ativista, mulher, ativista, cantora, ativista, liderança comunitária, ativista, artesã, ativista, escritora, ativista… Ativismo, ativismo, ativismo… Representatividade no grau máximo. Uau. Aplausos.
Olho as fotos postadas nas redes sociais, acompanho as falas super bem posicionadas e cuidadosamente ensaiadas. Conflito de ideias? Nunca, o povo todo está lá pra falar bonito e a plateia, tipo eu, tipo você, tipo o povo do mercado tá lá pra ouvir, pra se inspirar e no máximo sentir vergonha.
Ok. Estou pegando pesado. A plateia também fica mais esperançosa e admirada. E é pra admirar. É gente de verdade falando da sua bandeira, da sua luta e do seu pensamento. Uma galera que ultrapassou ou tenta transcender as barreiras que se impuseram desde o dia do seu nascimento. O passado, o território, as referências podem ser verdadeiros muros instransponíveis… Mas daí vem uma galera que cava um buraco no tal muro e hackeia o sistema.
Lindo.
Lindo também é ver como são representantes embalados pra presente. Turbantes incríveis, moda linda, magras, magros, tênis da Nike, Puma ou da Adidas… ou Converse. Muito glam, muito brilho, muita trança, o cabelo fala e as cores dos apliques e da make também. Bocão, olhão, discurso treinado, afiado e relevante. Não há dúvidas.
O ativismo embalado serve para não assustar o mercado. Ativismo que aprendeu a falar a linguagem dos estrangeiros: budget, cool, hype, “lugar de fala”, e por ai vai…
Cadê a negra sem trança que prefere alisar o cabelo no palco? Ela é menos negra? Cadê a ativista fora do peso que não usa Osklen ou Farm (até porque não cabe, né?)? Cadê aquela mulher comum que faz o ativismo no dia a dia? Cadê aquela ativista que fala errado merrrmo? Cadê as mães e presidentes de associações de moradores e lideranças comunitárias desconhecidas? Não tem. Sabe por quê? Porque poucos “engolem”. Elas estão longe do tipo exportação – aquelas que já passaram por uma roupagem “civilizatória” – sim, estou pegando pesado de propósito. É pra pensar. Protocolos, linguagem, indumentária, há todo um conjunto de regras para serem aceitas e ouvidas.
Estou errada?
Porque quando tá embrulhado pra presente é mais fácil ouvir, a pobreza não grita, fica só no storytelling do evento com dentes perfeitos e look admirável. A desigualdade ou a “falta de beleza” não está sendo esfregada na sua cara. O Brasil de verdade não está no palco, está servindo o café ou limpando o banheiro dos eventos.
Seguir escritor poeta-pobre que escreve na Internet é fácil, ler o que ele diz ou critica também é… aí você adora, compartilha, curte e elogia, mas vai pegar busão todo dia e viver a vida que ele leva. Há! Escrever a “verdade” nua e crua não é de hoje, desde o naturalismo era assim… Estou errada?
Ao menor sinal de fumaça, desconforto, reclamação da empregada, do carinha que te incomoda com a pobreza dele, você nem pensa. Melhor ficar aqui sentado na cadeira Herman Miller no ar condicionado e ver tudo pelo meu Mac. No final do dia eu pego meu Uber e vou pra casa com a sensação que estou mais antenado, que entendo a diversidade e que criei uma relação empática.
Vai vendo.
Agora me apedreja que eu coloquei mesmo a cara a tapa, eu sou dessas. É pra provocar.