Não é de hoje que tenho ouvido esta profecia apocalíptica. Dialogo com muitos profissionais da área de publicidade e percebo que para os muitos profissionais que começam a questionar a doutrina publicitária há um grande descontentamento acerca do que fazem, de como será seu futuro e mais, qual o sentido da agência de publicidade.
Viemos de uma escola com grandes propagandas, elas nos encantavam, divertiam, nos ensinavam a consumir, apesar de focar em produtos e marcas, havia um pano de fundo que nos ligava aos sentimentos humanos. Não à toa que o “O primeiro sutiã” de WO se tornou um clássico atemporal, todas as mulheres passam pelo sentimento de descoberta do corpo e de sua identidade feminina a partir dos seios e, portanto, do sutiã. A compra e escolha desta peça de vestuário é tão marcante que se pararmos para fazer uma enquete e perguntarmos para as mulheres à nossa volta como foi o contato com o nosso primeiro sutiã todas saberão responder, onde, como, modelo, cor, é o nosso 7×1. Entendem?
Assim como a derrota do Brasil de lavada em uma Copa no Mundo jogada em casa, o sutiã é um rito de passagem pelo qual saímos de um estado e adentramos em outro universo. No caso da seleção, o complexo de vira-latas de NR apitou alto nos levando a desacreditar do país como nação de chuteiras, perderíamos o posto? Pois é.
No caso das agências, apesar de todos os esforços, há um mercado complexo de mensuração de ganhos. Afinal, quanto vale uma ideia?
O modelo de negócio antigo de produção de vídeo, banner, massificando mensagens em muitos lugares, se tornou algo menor, e mais: é chato. Nesse sentido as agências de publicidade se veem abarrotadas de pequenos e médios projetos, fragmentam contas de grandes empresas – seus clientes – com outras concorrentes. Como se não bastasse, o profissional de criação e planejamento lida com sucessivos desafios, pois sua entrega precisa englobar o entendimento do valor da limpeza para público popular ao consumo de aparelhos celulares de alta tecnologia focado em profissionais liberais de alto desempenho.
Confira a edição online da revista Consumidor Moderno!
Assim, temos gente equilibrando pratinhos para entregar peças criativas e inovadoras num sistema que não tem nada de novo. Investimos o mais do mesmo sempre replicando a boa e velha publicidade em antigos veículos e novas plataformas acarretando em falta de conexão, relevância e aderência. Apesar do trabalho ser muito bem avaliado pelos próprios colegas da agência e clientes, no caso os departamentos de marketing das empresas, quando chega na rua o resultado é outro. Não impacta, não encanta, não adere.
Opa, tem algo de errado aí. Enclausurados em suas baias modernosas, os publicitários fazem a propaganda para quem ele vê e não para quem consome. Há uma distância entre o escritório e a rua que, por sua vez, só é vista na hora do almoço (para quem tem tempo de sair da frente do computador) ou pela janela do Uber na hora de ir pra casa.
Lido com esses profissionais faz um bom tempo. Vejo o desespero e descrença no que fazem em seu cotidiano, enquanto isso, pizza grátis e cerveja às sextas-feiras, sinuca, piscina de bolinha, prêmios na França e uma enorme crença de que naquele lugar haverá valorização do esforço e do seu tempo investido. Acreditam? Sim, porque, se não houver ilusão, como lidar com a dura realidade que os cerca no presente e no futuro?
O tempo passa, vida segue, e os profissionais continuam tentando vender celular, sabão em pó, pá, peito e acém do supermercado popular na chamada entre o Jornal Nacional e a novela global. É hora de pensar, de verdade, o que faz o seu coração pulsar. E mais ainda o que importa para quem é importante para você.
*Hilaine Yaccoub (@hilaine) é PhD em Antropologia Social (UFF/RJ) e tem como propósito compartilhar com as marcas tudo o que aprendeu em seus quase 20 anos de experiência como pesquisadora, palestrante, consultora e especialista em antropologia do consumo