Quantos emails você recebe por dia? Quantas manchetes você lê enquanto navega na internet? Quantas fotos e vídeos chegam às suas redes sociais? Em um mundo cada vez mais conectado, temos acesso a uma quantidade infinita de conteúdos disponíveis online. Se por um lado a globalização digital possibilita a democratização do conhecimento, por outro, boa parte do que consumimos se perde dentro da nossa cabeça em pouco tempo.
Para fazer com que o consumidor brasileiro saia dessa “teia” de informações vazias, ou seja, que não causam impacto social, Rebeca de Moraes, jornalista, pesquisadora de tendências e Sócia-diretora do Esquina, empresa de pesquisa de comportamento de consumo, aponta no painel do Conarec 2022 que é preciso se conectar com os consumidores de maneira mais profunda.
O mito do multitasking
Por muito tempo, acreditou-se que o multitasking era uma habilidade valiosa, principalmente para o mercado de trabalho. No entanto, Rebeca de Moraes afirma não ser possível se concentrar adequadamente em mais de uma tarefa, já que o cérebro não é capaz de imergir completamente em várias atividades ao mesmo tempo.
“É impossível fazer todas as coisas de maneira bem feita. A gente até consegue realizar a tarefa, agora, aprender de fato, se mobilizar pelo que estamos fazendo, não. Quando fazemos multitasking, a mente não passa pelo processo de retenção de informações”, pontua.
A pesquisadora ainda relaciona o mito do multitasking ao conceito do presentismo, que se refere à falta de concentração e envolvimento nas atividades diárias. “Nos Estados Unidos, calcula-se que as empresas perdem até um bilhão e meio de dólares com esse tipo de problema dentro das empresas. Então esse é um assunto muito sério”, salienta Rebeca de Moraes.
O impacto da falta de afeto nas relações sociais
O resultado de todo esse cenário é: as pessoas não têm tempo de absorver e processar todas as informações que recebe. “O consumidor está completamente saturado de informações, que, além de tudo, são repetidas. O erro das empresas está em fazer as mesmas perguntas para tentar entender as dores de cada um. Por isso, é preciso pensar: no meio dessa vastidão de informação, quantas respostas realmente impactaram a vida das pessoas? Quanto dos insights que você recebe de fato impactou você, o seu time e seus consumidores?”, indaga a pesquisadora.
“Se você não é impactado pelo que faz, você não consegue impactar outras pessoas. Se não estamos conseguindo ser sensibilizados pela informação, consequentemente, não conseguimos nos mobilizar, ou seja, passar as informações adiante. Seja um livro que você leu, um filme que assistiu. No trabalho, os colaboradores saem de reuniões com a mente vazia. São pequenas atitudes que podem fazer a diferença”, completa.
A falta de sensibilização do consumidor brasileiro acontece, segundo Rebeca de Moraes, por uma carência de afeto como lente para observar e decifrar o mundo em que vivemos. Nesse contexo, “afeto” se refere ao prazer e desprazer, na maneira como somos afetados por outras pessoas e pelo mundo. “É por causa dos afetos que temos uma interpretação de alguma coisa para um lado ou para o outro, e a cada vez que você experimenta um afeto, você refaz o histórico de todas as vezes que esse afeto foi vivido. Quando você sente alegria hoje, você refaz todas as vezes em que já sentiu alegria na sua vida. O afeto que transforma sua relação e seu sentimento com o coletivo”, comenta.
Ao resgatar a história brasileira, por exemplo, sabemos que nossa sociedade foi construída cercada de diversos traumas, como a colonização e a escravidão, condutas tipicamente violentas e autoritárias. Segundo a pesquisadora, esse passado truculento faz com que a população atual se mantenha distante do Estado e, consequentemente, se relacione melhor entre si.
“Nós temos um Estado que não nos representa. A gente sabe que existe a subrepresentação de mulheres na política, por exemplo. Somos maioria na sociedade, mas minoria no governo. Os negros, que também são uma parcela absolutamente significativa no Brasil, também não se vê representada. Nós temos uma história de distanciamento do governo, o que faz da gente uma sociedade muito relacional. Confiamos uns nos outros para dar conta da vida em sociedade”, afirma.
Como os conteúdos de afeto transformam a sociedade?
Rebeca de Moraes ressalta três dimensões em que o afeto é importante para construir conhecimentos úteis na rotina laboral: “A primeira delas são as relações. Falar de afeto é fundamental quando falamos de relações. Há um poder de mudança na comunicação um para um, porque o afeto está nas conversas mais significativas. Hoje o jornalismo passa por um momento de transformação na hora de informar as pessoas. Entrevistadores, como o Mano Brown, que comanda o podcast ‘Mano a Mano’, passaram a entregar um pouco de si para poder ouvir o outro. A questão da neutralidade é uma utopia, e um exemplo disso são as redes sociais, um meio de opinião. A consequência disso no mercado de trabalho é que os colaboradores das novas gerações querem ser ouvidos, e as empresas devem estar preparadas para isso”.
Em segundo lugar, a pesquisadora aponta a linguagem, sobretudo o uso da linguagem não-verbal como forma de comunicação. “Os afetos estão muito ligados a essa forma de se comunicar. Os emojis, as figurinhas, os memes, usamos todas essas ferramentas para afetar e ser afetado pelo outro. Tudo o que é não-verbal, que é estético, tem os afetos para manejar esse encontro”, comenta.
Por último vem a questão da ação: as coisas só te movem se elas te afetam. “E a gente tem que pensar que todo problema tem uma dimensão humana. Todo problema é cercado por questões de humor. Como as pessoas estão se sentindo, porque elas se sentem como se sentem, o que traz alegria, o que traz tristeza. Se estamos abertos a entender essa dimensão, somos capazes de afetar muito mais, entender muito mais o que acontece com as pessoas”, acrescenta Rebeca de Moraes, que exemplifica de que forma a emoção impacta na transformação social.
Ela conta que um dono de salão de cabeleireiro queria mudar algumas políticas da empresa para que ela fosse mais sustentável, e uma das coisas mais importantes para ele era acabar com o descarte de lixo comum. Mas, para isso, os funcionários deveriam coletar as embalagens recicláveis, limpá-las e fazer um tratamento específico antes de descartar. A adesão dos funcionários, porém, foi mínima.
O dono do salão, então, chamou funcionários de uma cooperativa que coleta o lixo reciclável para conversar com a equipe. Eles entenderam como é o trabalho da cooperativa e a importância da reciclagem para a economia e o meio-ambiente. Depois dessa interação dos times, o dono do salão nunca mais teve problemas. “Os funcionários passaram a cuidar do lixo como nunca. Hoje o salão tem um descarte de lixo quase zero. E tudo isso porque a informação transformou as pessoas e fez com que elas agissem a respeito”, afirma.
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