Parece não haver limites para as aplicações da digitalização em nossas vidas. Uma delas, o escaneamento cerebral, anda criando entusiasmo juvenil na comunidade científica, particularmente entre os neurocientistas. Detecção de mentiras, identificação de preferências inconscientes, comunicação com pessoas paralisadas (mas com atividade cerebral) mostram que os limites para a leitura de mentes estão sendo testados. Os fenômenos mentais, emoções, crenças e percepções são nada mais que conex?es de circuitos elétricos que podem ser interpretadas e decodificadas.
O SXSW trouxe um debate sobre o assunto no painel – “Você pode mentir para um leitor de mentes? A ciência de leitura mental” que reuniu um grupo de neurocientistas que conduzem pesquisas avançadas nessa nova disciplina: Alain Dagher, professor da faculdade de medicina da Universidade McGill, com formação em engenharia elétrica e neurologia, Cameron Craddock, uma das maiores autoridades mundiais em pesquisas com neuroimagem e o desenvolvimento de tratamentos inovadores para saúde mental, Daniel Margulies, líder de pesquisando neuroanatomista e conectividade no Instituto Max Planck de Cognitividade e Ciências do Cérebro e Emily Finn, PHD em neurociência pela Universidade de Yale, além de Mônica Rosenberg, também de Yale. Um painel que explorou os limites do conhecimento sobre a mente humana.
Quantos filmes e séries já não vimos nos quais um polígrafo foi usado? Essa tecnologia vem evoluindo rapidamente. Daniel Margulies diz que hoje é possível medir a atividade cerebral. E é bom colocarmos a ênfase em medir. O cérebro fala, mesmo que nossa consciência esconda.
Mapeamento cerebral
Cameron Craddock fez uma apresentação sobre como funciona o mapeamento visual do cérebro. É possível perceber as variações de oxigênio e pressão sanguínea no cérebro em diferentes atividades. A combinação desses elementos durante a atividade cerebral permite saber se uma pessoa está mentindo, por exemplo. As áreas que comandam os mecanismos da mentira são utilizadas quando precisamos mentir ou evitar a verdade. Os instrumentos de imagem permitem detectar padrões de atividade associadas a comportamentos diversos. Algumas áreas do cérebro iluminam-se de determinados modos em comportamentos distintos. Ou seja, quando uma pessoa é submetida a mecanismos de imagem, é possível identificar seu comportamento real, ainda que sua expressão demonstre outra sensação/emoção.
Em relação ao polígrafo, as vantagens são evidentes. Por que o polígrafo não identifica se uma pessoa mente, ele associa-se a técnicas de interrogatório para compreender se a história de uma pessoa faz sentido. O mapeamento cerebral abre essa intenção e a predisposição de mentir.
Impressão cerebral
Emily falou sobre pesquisas de realidade com grupos de análise para identificar diferenças individuais e prever comportamentos. É possível identificar alguém em uma multidão a partir de um determinado perfil conectivo e cerebral? Ou seja, escaneando uma população, é possível identificar um indivíduo em especial por conta de atividade cerebral diferente? A hipótese: cada pessoa tem uma atividade cerebral distinta, uma “impressão digital mental”.
Pois bem: os resultados do estudo realizado com 126 adultos mostram que mesmo descansando, cada pessoa tem um perfil conectivo diferente. Não há atividade cerebral idêntica entre uma pessoa e outra, mesmo entre gêmeos. Ou seja, pessoas com mesmo DNA têm diferenças no perfil cerebral.
Mas a sua “impressão cerebral” pode revelar o quão inteligente você é? Em principio, essa é uma boa hipótese.
Atenção aqui, por favor
Se você chegou a esse ponto do texto, parabéns. Talvez o seu nível de atenção seja excepcional. Monica Rosenberg falou exatamente sobre atenção. Qual é a nossa capacidade e habilidade em manter a atenção em tarefas, textos e atividades gerais? Monica fez um teste rápido com a plateia, exibindo fotos de cidades e montanhas. A plateia deveria aplaudir a cada foto de cidade e não aplaudir em fotos de montanhas. Conforme as imagens se sucediam, as hesitações apareceram e mostraram a dificuldade de mantermos a atenção, relacionando-a com a tarefa.
Fizemos o teste por 40″. Monica aplicou esse teste para pessoas durante 40 minutos (!), com muitas diferenças de performance. Todas as pessoas com escâneres cerebrais, divididas em grupos diferentes. Os resultados mostraram que a atenção é um fenômeno complexo, muda de pessoa para pessoa, de momento para momento e de estímulo para estímulo. Pessoas com atenção excepcional são raras.
Sua mente fala, seu rosto esconde
Já Alain Dagher falou sobre o conflito entre o que mente sente e como isso se manifesta na nossa consciência. Ele nos fez imaginar a situação na qual uma pessoa vai a um psiquiatra e ouve que o escâner cerebral mostrou que ela tinha depressão. A reação da pessoa é negar. Ela não se sente deprimida.
Dagher diz que os escâneres cerebrais podem observar padrões cognitivos que funcionam de modo diferente conforme a ativação cerebral. Esse tipo de estudo mostra reações do cérebro diante de estímulos diversos. O que sentimos diante da fome e da visão da comida. As respostas mentais dos adolescentes prevendo o que acontecerá com uso abusivo de drogas posterior.
As pesquisas sobre atividade cerebral estão se diversificando. Medir essa atividade em diversas situações, envolvendo música, educação, discussão política, uso de redes sociais, tarefas profissionais, são campos de estudo que vão permitir conhecer cada vez mais e melhor como nos comportamos. A ideia de vivenciar uma experiência diferente pode ser medida. O nosso comportamento diante de uma situação pode ser compreendido. A nossa mente fala, por mais que queiramos dissimular o que acontece com ela.
No futuro, a ideia de guardar segredos talvez já não faça mais sentido para humanidade. O que passa na nossa cabeça pode ser decodificado, lido e compreendido.
E o leitor, está disposto a conhecer o que está na sua cabeça?
*Jacques Meir é Diretor Executivo de Conhecimento, Conteúdo e Comunicação do Grupo Padrão.
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