A vigilância é um assunto que está recorrentemente nas mesas de debate sobre tecnologia e limites. De acadêmicos a usuários de internet, todos pensamos nisso pelo menos uma vez, especialmente após o escandalo que envolveu a NSA, Edward Snowden e as alfinetadas de Julian Assange.
Ben Wizner, diretor do projeto de discurso, privacidade e tecnoogia da ACLU (American Civil Liberties Union) e conselheiro legal de Edward Snowden, iniciou o debate sobre os limites da privacidade falando sobre como a vigilância pode colocar em risco certos valores indiscutivelmente importantes, como a liberdade. ?Precisamos achar um jeito de conversar nacional e internacionalmente além da vigilância. Mas, afinal, por que vemos isso como ameaça??, provoca Wizner.
Do outro lado do debate está Bruce Schneier, renomado CTO, chamado de ?guru da segurança? pela revista The Economist, que fala que é impossível falar sobre vigilância sem falar sobre dados. ?Computadores produzem dados a cada interação. E os dados costumavam ser jogados no lixo por causa dos custos em armazená-los. Mas agora o jogo é outro e a importância dada a isso também, os dados passaram a ser usados. E tudo gera dados de vigilância, de onde estamos, com quem estamos e o que fazemos. O pior é que precisamos fornecer esses dados para usar os aparelhos. Seu telefone precisa saber a que horas você acorda para tocar o alarme, assim como precisa saber sua localização para o app de táxi. O Google precisa saber o que você pesquisa para te dar as informações corretas. No fim, ele sabe qual é o tipo preferido de pornografia de cada pessoa. Historicamente nos focamos no conteúdo, antes podíamos proteger as conversas. Mas não sabemos como proteger os dados. E estamos aprendendo da pior forma que o metadata (o dado sobre o dado) pode ser muito mais pessoal e invasivo?, introduz Bruce.
Mas isso não é o mais assustador. ?Não há proteção a informações que você fornece voluntariamente?, explica Wizner. Ao menos não nos Estados Unidos, no Brasil talvez o marco civil ajuda e mudar a situação.
?Antes se você quisesse saber o que alguém fazia, seguia a pessoa, ouvia a sua conversa. Agora basta pedir à companhia telefônica. Mas, mais uma vez, estamos focados na coleta de dados. Mas a grande sacada está na análise, em ser hábil para usar os dados para achar indivíduos. Nesse tipo de análise do uso dos dados não se fala muito ou pensa, mas hoje os computadores podem fazer o tipo de análise que não é intuitiva para nós humanos e isso pode ser assustador, completa Bruce.
Não há dúvidas de que a NSA fez isso criminalmente durante o governo Bush, mas, de acordo com Wizner, o maior programa de vigilância em uma democracia é como lidar com isso em uma democracia. Por vezes o escândalo é o governo burlar a lei, por outro lado é quando o governo consegue provar que o que fere o direito do outro pode ser constitucional.
No ano passado o Uber fez um post sobre as pessoas que saíam para fazer sexo de madrugada. Eles não revelaram os nomes, mas falaram sobre os hábitos e, bem, eles têm essa lista.
Bruce Schneier exemplifica o dilema moral da vigilância: ?é como dirigir com um carro de polícia o tempo todo ao seu lado. Você pode se sentir mais protegido, mas também mais ansioso mesmo sem fazer nada de errado?.
E ao andar com a polícia dos dados sempre ao nosso lado, temos um direito gravemente ferido: a privacidade nos dá o direito de escolher como nos apresentamos para o mundo. Quando a temos podemos escolher como aparecemos diante do outro. Portanto, a vigilância leva inevitavemente a algo que não cabe aos nossos tempos: a repressão.
?O preço da liberdade é a possibilidade do crime?. Bruce Schneier
E a repressão pode chegar das maneiras mais nocivas, como o risco de discriminação e a possibilidade de os dados serem usados para nos julgar. Hipotecas negadas, empregos perdidos ou não conseguidos, impossibilidade de embarcar em voos. Tudo isso é possível, especialmente porque não temos a oportunidade de corrigir os dados, de entender de explicar, como o CTO reitera.
Vivemos em um mundo em que a melhor tecnologia pode ser subvertida pela lei. Polícia e tecnologia devem ficar envolvidas, mas da forma correta.
A solução
?Acredito que podemos resolver. Não acredito que seja o fim da democracia. Temos uma sociedade que já lutou contra problemas maiores na história. Mas acho que leva uma geração ou duas, não seremos nós a resolver essa equação, apenas pessoas nascidas nesse sistema podem entender totalmente esse problema, finaliza Bruce.